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cronicas-->Cinema com Encosto -- 15/06/2005 - 22:47 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Filas têm inteligência própria. Fato comprovado toda vez em que você faz a opção entre a da direita e a da esquerda no cinema. A primeira, mais longa, desanima. A outra, com apenas três pessoas, é uma tentação para o seu lado apressado. Escolher a mais curta é um ledo engano, pois filas de cinema possuem um humor irónico e uma consciência que percebe as suas intenções. Se você escolhe o caminho mais fácil, um fenómeno sobrenatural é disparado: o ambiente torna-se subitamente carregado e pessoas inocentes são possuídas por um espírito zombeteiro conhecido como Exu Tranca-Fila. Dizem os médiuns e os críticos de cinema que esse encosto é o espírito de um dono de circo que viu o promissor negócio falir quando o primeiro cine-clube foi construído ao lado da lona colorida, em Santa Bárbara d´Oeste. Desesperado e depois de chorar copiosamente no ombro da mulher barbada, o descendente de ciganos atirou-se na jaula do leão. Antes de virar o mais nutritivo jantar do velho felino, jurou voltar para atrapalhar a vida de quem se atrevesse a trocar o picadeiro pela tela grande. A maldição pegou. Nem mesmo o advento da fila única serviu de amuleto contra o "coisa-ruim". Clóvis é uma triste testemunha desse caó.
Domingo, fim de tarde. Entre ficar em casa vendo o Faustão e aplicar o golpe da carteirinha, Clóvis preferiu testar o presente do amigo da Federal de São Carlos no multiplex do shopping. Era um documento falso, mas o filme do Oliver Stone também nem era assim tão original. Entrou na fila única, composta por apenas cinco pessoas, certo de que, em apenas alguns minutos, estaria confortavelmente instalado numa cadeira acolchoada da sala de projeção. Combo-Super-Jumbo com pipoca amanteigada e Coca Light numa mão, o documento suspeito na outra e a felicidade estampada no rosto pela rapidez da fila. À sua frente, uma senhora baixinha, pouco cabelo e muita lente nos óculos revelados na única virada de cabeça que ela se permitiu dar antes de chegar ao caixa. Clóvis ficou ainda mais feliz quando ouviu a companheira de fila pedir uma inteira para o filme do Almodovar. "Graças a Deus! Ela vai ver outro filme...", pensou ele, aliviado por não correr o risco de tê-la como companheira também durante a exibição.
- Dez reais, senhora.
- Quanto?!
- Uma inteira. Dez reais.
- Dez? Isso é um roubo. Eu sou professora, não pago meia?
- Não. Sinto muito.
- Sente pouco! Hum! Mas é um absurdo.
O diálogo começou a preocupar Clóvis. A velha - agora ela parecia ter uns 68 anos de ranhetice - vasculhava a bolsa procurando algo que deveria ser dinheiro, não fosse uma súbita incorporação do temido Exu Tranca Fila.
- Vou pagar com cheque.
- Não aceitamos cheque, senhora.
- Como não? Isso é ilegal. Cheque é dinheiro. Uma ordem de pagamento ao
portador. A lei a obriga a aceitar cheque como dinheiro, querida!
- São normas da empresa, senhora!
Clóvis rezou dez padres-nossos para evitar que a fatídica frase fosse dita. Mas...
- Quero falar com o gerente!
Não! A velha disse, com voz tirada do "Exorcista", a frase mais temida na fila única: "Quero falar com o gerente." Quem já viu ou conversou com gerente de cinema de shopping? Se ele exisitir, por ação do Exu Tranca-Fila, estará sempre paquerando a menina das Lojas Americanas numa hora dessas. Já que o caixa nunca pode ser liberado para os outros clientes se o registro do ticket já foi feito, sobra ao resto da fila esperar que o litígio seja resolvido. O gerente nunca leva menos de dez minutos para aparecer e cinco para entender o desentendimento.
- A senhora não tem cartão de crédito?
- Tenho. Mas quero pagar com cheque. - disse a macumbada professora, indiferente aos xingamentos dos trinta cinéfilos que, indignados, já pressionavam as costas de Clóvis.
- Minha senhora, nós não podemos aceitar.
- Então chame a polícia.
Mais cinco minutos de "deixa disso" e o gerente falou pelo rádio com o sub-chefe geral que autorizou o recebimento da tal ordem de pagamento ao portador. A fila vibrou como se assistisse às cenas de biga de "Ben-Hur" ou à cruzada de pernas de Sharon Stone. A mulher, com movimentos lentos e calculados, abriu o sorriso de possuída e também a carteira. Pegou o talão e, sem o menor constrangimento:
- Olha! Que coisa! Estou sem uma folha de cheque. Como? Ah! Paguei o mútuo funerário ontem. Que cabeça a minha! Querida, vou pagar com dinheiro, então. Quanto é mesmo?
Dez. Nove. Oito. Sete. Seis. Cinco. Quatro. Três. Dois. Um. Clóvis, mais calmo após a saída fantasmagórica da velha, finalmente chegou ao caixa. Pipoca murcha, Coca quente e carteirinha de estudante fria.
- Uma meia.
- Carteirinha, por favor.
- Taqui.
Com cara de diaba, a menina do caixa sentenciou:
- Essa carteirinha é falsa, senhor. Vou chamar o gerente!
Graças ao Exu Tranca-Fila, Clóvis quase foi preso por estelionato e terminou o domingo assistindo à Glória Maria. Fantástico!

..........
Jefferson Cassiano é Publicitário e Professor de Redação. Antes de ir ao cinema sempre diz: "Apepeó, Exu Tranca Fila!"
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