VELHO CASARÃO
I
Casarão, velho saudoso,
Meu avô te fez erguido,
Mas pra educar os filhos
Por meus pais foste vendido
– A razão da minha ausência,
Sem que eu tenha te esquecido.
II
Sob ti não fui nascido,
Mas na infância fui criado.
– Um bom tempo em que eu
Desfrutei no meu passado.
Mas alguém te abandonou,
Hoje, estás desmoronado.
III
Eras muito freqüentado
Quando havia animação:
Ia gente lá do Saco,
Do Ingá, do Sanharão,
De João Gomes, de Maretas,
Doutros clãs da região.
IV
Pra brincar um bom São João
Teu terreiro era ideal.
Tinha até "gato no pote"
E também "maneiro-pau"
E, num campo bem à frente,
Futebol dominical.
V
Teu alpendre um bom local
Pra debulha de feijão.
Nele amigos se juntavam
E, formando mutirão,
Debulhavam noite à dentro,
Sob a luz dum lampião.
VI
Também tinhas um sótão,
Bem no alto ele ficava.
Era sempre bem fechado,
Como cofre funcionava.
Nossas coisas de valor
Nosso pai nele guardava.
VII
Sob o sótão se encontrava
Grande quarto assoalhado
Onde a gente nele punha
O legume ensilado,
Sal, açúcar e rapadura.
Tudo em cima dum tablado.
VIII
Vou fazê-lo detalhado,
Como se eu fosse chegando
Pela frente de teu todo
E em ti fosse entrando,
Para que se entenda bem
Como estou te detalhando.
IX
Inicio, mapeando
Tua localização:
RN – o Estado,
Auto-Oeste do Sertão,
Entre Encanto e Pau dos Ferros,
No Cantinho – Um CASARÃO.
X
Entro em tua construção
Pelo alpendre, pro nascente.
Nesse teu alpendre grande
Abrigaste muita gente.
Nele sempre havia festa,
Missa, drama e repente.
XI
Do alpendre sigo em frente.
Quando eu em ti adentro,
Um quartinho à esquerda,
Uma sala bem ao centro
E um quarto à direita,
Outra sala mais pra dentro.
XII
Se um pouco mais eu entro,
À esquerda, um assoalhado,
À direita, outro quarto,
De casal, denominado.
Mais à frente, à esquerda,
Um casebre anexado.
XII
Do casebre anexado
Me lembrar inda consigo.
Eram três compartimentos
Que serviam de abrigo
Para um trabalhador
Ou um hóspede amigo.
XIV
Concluindo, velho amigo,
Essa tua construção,
À direita, a cozinha,
Com fornalha no fogão.
Bem à esquerda, a despensa
Te completa, casarão.
XV
Com terreiro em cada oitão,
À direita, o dos poleiros;
No da esquerda, existiam,
Bem cuidados, dois chiqueiros.
No da frente se brincava
Os momentos mais festeiros.
XVI
Para os animais leiteiros,
Bem à esquerda, um curral
Com a frente em pau-a-pique
E o resto de varal.
À direita, um flamboaiã,
Cedros e um matagal.
XVII
Tu mudavas meu astral,
Pois te via um paraíso
A me dar felicidade,
Paz e calma pro juízo.
Hoje, és parte das lembranças
Que pra mente canalizo.
XVIII
Ah! Lembrar inda é preciso
De um pé de tamarindo
Que ficava bem na frente,
Dava cada fruto lindo!
E um pé de trapiá
Que cresci nele subindo.
XIX
Se de ti ia partindo
Era sempre sem vontade
Por que lá eu desfrutava
Tempos bons na mocidade.
Quando lembro desse tempo
Dá no peito uma saudade!
XX
Pra revê-lo deu vontade,
Mas não tive a coragem.
Hoje, já não posso mais,
Pois só resta tua imagem
E a saudade que me faz
Te render esta homenagem.
XXI
Repassando tua imagem,
Chega até me foge o sono
Ao pensar que o senhor
Que depois foi o teu dono
Te usou por algum tempo,
Mas deixou-te num abandono!
XXII
Que te fez teu novo dono?
Quantas missas celebraram?
Quantos dramas, no alpendre,
Bons atores encenaram?
Violeiros repentistas
Sob ti inda cantaram?
XXIII
Mês de junho, inda brincaram
Um São João bem fogueteiro?
Inda há "gato no pote"
E "maneiro-pau" caseiro?
Aos domingos, inda há
Brincadeira em teu terreiro?
XXIV
Sob a luz dum candeeiro,
Inda há uma debulha
Com alguém contando história
Ou então dizendo pulha?
E o teu fogão à lenha
Inda queima e fagulha?
XXV
O teu sótão inda se orgulha
De ser cofre sem dinheiro?
O tablado inda esquenta,
Evitando o meladeiro?
E teu TUDO, casarão,
Inda tá TODO inteiro?
XXVI
Disso, aí, foste celeiro,
No meu tempo de menino,
Mas a venda para outro
Mudou todo teu destino.
Mas ainda continuas
O meu casarão divino!
XXVII
E quem sabe o destino
Pode a sorte te mudar
E talvez um outro dono
Possa te recuperar.
Só assim terei coragem
De um dia a ti voltar.
XXVIII
Mas enquanto eu não voltar
A ti, velho casarão,
Vou ficar me contentando
Em sentir recordação.
Só assim eu me transporto
Para ti em ilusão.
XXIX
És o mesmo, casarão,
Do meu tempo de criança.
Se não és mais na verdade,
És ao menos na lembrança.
De um dia reerguer-te,
Inda tenho a esperança.
- Fim -
|