A FACE OCULTA DO PODER
I
Aos meus pés se curva o mundo
Ao buscar valores meus.
Tenho a força dum Sansão
E o poder dum grande Zeus.
Para o pobre de espírito,
Eu me vejo como um Deus.
II
Aliei-me aos fariseus
E ao meu valor fiz jus,
Quando Judas, traidor,
Fez comércio de Jesus.
Por mim, Cristo foi trocado
E pregado numa cruz.
III
De tal modo me impus
Que gerei a corrupção.
Perverti a consciência
De um falso cidadão.
Quem se curva ao meu poder
Perde o rumo da razão.
IV
Sou o alvo do ladrão
E o sol da burguesia.
Estou no capitalismo
Que a mim privilegia.
Sou a chama dum sistema
Que se chama economia.
V
Falsifico alegria
E também felicidade.
Faço gente exaltar-se,
Esquecendo a humildade.
Em meu meio circulante,
Sou mentira ou sou verdade.
VI
Tenho certa autoridade
E sou muito influente.
No Brasil, fiz um menor
Ser um Príncipe Regente.
Quem me usa sem controle
Finda sendo prepotente.
VII
Também sou irreverente,
Estou sempre com razão.
Sou a força dum contrato
Quando há negociação.
Não conheço a miséria
Nem tampouco a precisão.
VIII
Sou a grande solução
Dum problema financeiro.
Quem tem conta pra pagar
Tem que vir a mim primeiro.
Sou moeda de agiota
Ou então de um banqueiro.
IX
Por estar no mundo inteiro,
Muitas são minhas versões.
Muitas vezes, eu me sinto
O pivô das atenções,
Esperança da pobreza
E suporte dos barões.
X
Financio os canhões,
Desvirtuo a lei canônica.
Faço obra manual
Dar lugar à eletrônica.
Fiz na Era Espacial
Voar nave supersônica.
XI
Abri a Transamazônica,
Construí Itaipu,
Fiz a Rio-Niterói,
Fértil o Vale do Xingu.
Dessa forma, alguns políticos
Ficam ricos pra chuchu!
XII
No Brasil, lá pelo Sul,
Tenho estado mais freqüente.
É difícil alguém me achar
Onde há povo carente,
Mas me acha abundante
Onde o rico está presente.
XIII
Eu também estou presente
Na bagagem dum turista.
Sou produto do cachê
Que se paga a um artista.
Dou suporte a um evento
Que alguém nele invista.
XIV
Num país capitalista,
Sou o hino e a bandeira,
A justiça, a lei, a força,
Uma solução caseira
E a luz ao fim do túnel
Da ciranda financeira.
XV
Guardam-me numa carteira,
Bolso, cofre ou poupança.
Sou o "fruto do suor"
Ou a sorte duma herança.
Para uns sou desespero;
Para outros, esperança.
XVI
Dei origem à cobrança,
Ao "à vista", ao fiado,
Compra, venda, pagamento,
Debitado e creditado,
Cofre, banco, investimento,
Conta, saldo e resultado.
XVII
Compro o que é pesado,
Comparado ou medido;
O redondo, o quadrado,
O pequeno, o comprido;
Compro todo objeto
Que houver pra ser vendido.
XVIII
Faço, às vezes, corrompido
O desfecho dum processo.
Sou a arma dum político
Em campanha ao Congresso.
Sou resgate dum refém
E a força do progresso.
XIX
Alimento o sucesso,
Vejo-me por trás da fama
E me sinto a mola mestra
No projeto dum programa.
Levo gente ao pedestal
Ou então a um mar de lama.
XX
Quando falto, alguém reclama;
O governo desemprega;
O sistema se ressente;
O comércio não emprega.
Sem mim, pobre passa fome;
Sem mim, rico desagrega.
XXI
Minha própria história prega
O que fui em meu passado:
Como escambo e como troca,
Dei início ao mercado.
Fui tostão, conto e pataca,
Fui cruzeiro e fui cruzado.
XXII
Também fui novo cruzado
E voltei a ser cruzeiro.
Sou agora o real
Do sistema brasileiro
Que, nas grandes transações,
Faz o dólar meu parceiro.
XXIII
Desde meu verso primeiro,
Eu mostrei meu arsenal.
Quis falar sobre quem sou,
Consegui meu ideal?
Isso aí, sou o dinheiro
– A moeda mundial.
XXIV
Tenho todo esse “arsenal”,
Mas cheguei à conclusão:
Não consigo corromper
Um honesto cidadão
E nem compro a Deus do céu
O poder da salvação.
- Fim -
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