FATOS FUNDAMENTAIS
Rita Nasser
Num desses dias letivos, num momento de intervalo para uma aula de inglês, fui solicitada para "avaliar" alguns alunos da quarta série que precisavam saber a tabuada.
Fiquei numa salinha, sentada atrás de uma escrivaninha, e, com a tabuada em mãos, comecei o interrogatório do menino de olhos verdes.
-Quatro vezes cinco?
- Doze.
- Quatro vezes dois?
- Seis?
Pensei que seria inútil continuar, enfiei a tabuada embaixo de uma pasta e perguntei:
- Qual seu nome?
- Frederico.
- O que você faz à tarde?
- Eu brinco.
- Bom! Muito bom! Brinca de quê?
- Ah, Tia! Eu pulo ribeirão.
- Ééééé? Legal! Como é isso?
- Eu sou bom nisso! Ganho todas! Tem que seguir a ordem, sabe? Quem erra vai saindo, depois começa outra vez pela ordem certa.
Voltei a fazer as perguntas sobre a tabuada e vi que ele começou a acertar algumas vezes, mas ainda errava muito.
Quando Frederico saiu comecei a fazer algumas anotações...
Ele não sabe tabuada, mas sabe calcular bem a distància. Senão, ao pular ribeirão, daria com a cara no chão ou na água. Ele não sabe tabuada, mas sabe a sequência numérica e exclusão.
Conclusão: Frederico sabe os fatos fundamentais de sua vida de menino pobre, descalço e não sabe os fatos fundamentais da matemática. Sua professora não foi capaz de enxergar o que ele já tinha na bagagem.
Então entrou Laura uma menina de unhas pintadas, cabelo penteado, óculos e acertou todas.
- Laura? O que você faz à tarde?
- Nada.
- Nada?
- Eu ajudo minha mãe lavar louça, assisto TV e estudo.
- Não brinca?
- Às vezes.
- Parabéns! Você acertou tudo! Continue assim, mas brinque um pouco mais.
Laura se foi e eu concluí apenas que ela sabe tabuada e não os "fatos fundamentais".
Entra outro, e outra, e outros e muitos outros... Uma sequência de acertos e erros e muito, muito decoreba!
Enfim, eu entreguei meu relatório à quela professora que me pediu apenas para eu "tomar tabuada". Não poderia de forma alguma lhe dizer que muitos deles sabem muita, muita coisa que ela poderia aproveitar, para realmente ensinar matemática.
E vim correndo escrever essa história real, que retrata nossa resistência em romper paradigmas.
Rita Nasser
Setembro-2004
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