Nunca mais é uma expressão perigosa
José era um homem decidido, caprichoso, cuidava de lavouras e de animais. Há três anos, ele trabalhava em uma fazenda chamada Guimarães. Cuidava de tudo como se fosse o proprietário.
O salário era pouco para o sustento da sua família. Então, resolveu mudar-se para outra fazenda na cidade de Palmeiras. Lá ele seria o novo capataz e o salário prometido era bem melhor.
No último dia de trabalho, antes da partida, o senhor Bonifácio pediu a José para ir buscar a mula preta no pasto.
_ Seu José, vá buscar a mula preta, porque vou levá-la a uma exposição. Provavelmente ela ganhará uma medalha pelo seu porte, altura e beleza.
_Está bem, patrão! Irei agora mesmo. Chamarei o Luiz para me ajudar a pegá-la. A mula é sorrateira, está no campo. Precisarei de um apoiador para poder laçar o animal.
Os homens pegaram seus cavalos e saíram animados. Ao avistarem a mula, José disse:
_ Esta é a última vez na vida que venho aqui. Nunca mais colocarei meus pés nesta invernada!!
Luiz, debochando de seu companheiro, retrucou:
_ Senhor José, não diga nunca mais com tanta certeza. Estas palavras não estão tão distantes como pensa. Você ainda poderá ter uma surpresa.
José gritou em seguida.
- Vamos pegar esta mulinha, já!!
Eles partiram para cima do animal, boleando seus laços. José fez um arremesso certeiro no pescoço da mula. Preparou seu cavalo para o impacto. Mas, o final do laço foi chegando e arrebentou. A mula fugiu com seis metros de corda pela mata adentro. Tentaram tirar o bicho para o campo. Não houve meio para isso e voltaram desanimados para a fazenda.
O patrão esperava por eles, com o caminhão pronto para embarcar sua jóia. Perguntou:
_ Seu José, onde está a mula?
_ Senhor Bonifácio, não conseguimos pegá-la. Ela escapou com a metade do meu laço preso ao pescoço e embrenhou-se na mata.
O patrão, ao ouvir a desculpa, ficou muito irritado e disse:
_ Seu José, não sei como vai fazer, mas traga a mula ou, no mínimo, traga o resto do seu laço. Porque se o bicho se enrolar e morrer sufocado por causa do seu erro, terá que trabalhar três meses de graça para pagar o valor dela!
José ficou desesperado porque não podia perder o novo emprego e decidiu voltar no dia seguinte para tentar resgatar o animal. Foram para o local determinado, estavam preparados. Ao longe, avistaram a mula esperta. Ao se aproximarem, ela percebeu e fugiu para a mata. Assim se passaram sucessivamente quatro dias de fracassos, porque o bicho sempre escapava e o laço estava bem preso ao seu pescoço.
A preocupação era constante, José já não conseguia dormir. Pensava dia e noite no assunto. Luiz, preocupado com o amigo, resolveu contar-lhe a história de um santinho milagreiro.
_ Senhor José, já lhe contaram sobre o Negrinho do Pastoreio? Dizem que faz milagres...
José respondeu que nunca tinha ouvido falar nele. Luiz continua contando:
_ Dizem que um fazendeiro mandou um menino escravo cuidar dos cavalos, mas foi percebida a falta de um deles. O castigo para o menino foi o chicote, e depois de muito sangrar, ele foi obrigado a voltar à procura do animal perdido. Não conseguiu encontrá-lo, e então o fazendeiro o castigou mais ainda, prendendo-o em um formigueiro. No dia seguinte, o homem foi ver o menino e, para surpresa dele, o negrinho estava sorridente, sem nenhum ferimento, e a Virgem Maria e o cavalo perdido estavam ao lado dele. Foi um milagre, Senhor José! Também dizem que se pedirmos com fé e prometermos acender uma vela que seja, ele nos ajudará.
Era o quinto dia que Luiz e José tentavam, sem êxito, a busca da mula. José diz, sem esperança:
_ Vou pedir o milagre. Preciso da corda para mostrar ao patrão. Santinho, se você me ajudar, acenderei um maço de velas e a partir de hoje serei seu devoto!
A mula estava tranqüilamente pastando. Quando ela percebia que os homens estavam vindo em sua direção, levantava a cabeça e saía trotando para longe, novamente em direção da mata. José lembrou-se da história do milagre e pensou consigo:
_ Agora quero ver se o milagre vai acontecer!
Eles seguiram o animal. Calmamente, foram pelo mesmo caminho que a mula estava seguindo. Então, viram que o animal passou rente a uma vara, cuja ponta encaixou-se na argola do laço de José e desprendeu-o, caindo a corda do pescoço do bicho. Luiz e José estavam pasmados porque o milagre aconteceu diante dos olhos deles.
José pegou o pedaço do laço e ficou extremamente pensativo. Olhou para todos os lados, procurando uma explicação para tudo o que tinha acontecido naqueles dias, e disse:
_ Luiz, aprendi uma lição! Foi preciso presenciar um milagre, para entender o que você me havia dito em relação à expressão “nunca mais”. Estas palavras são perigosas porque se tornam um círculo sobre nós e o tempo não é tão longo como se imagina.
Luiz, ao ver o amigo aprendendo a lição, comenta:
_ Concordo com o senhor. Fique mais calmo e vamos mostrar o laço para o senhor Bonifácio. Agora está livre para o novo emprego! Vamos em paz, amigo!
Porém, José, ainda abismado com a situação, termina a conversa com Luiz afirmando mais uma verdade:
_ Luiz, nós podemos dizer nunca mais, mas somente quando nos referirmos às pessoas que já morreram, porque elas sim, não voltam nunca mais.
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