(paráfrase de um clássico*)
Desde o primeiro instante em que a viu, o humilde homem sabia que uma ave rara havia pousado em seu quintal. Maravilhou-se com a harmonia que observou em sua plumagem – obra de um verdadeiro artista que por muito tempo se esmerasse na composição de cores, formas e texturas. Aproximou-se dela com a certeza de que, a um gesto falho seu, uma precipitação qualquer, e ela voaria para o seu mundo distante, inatingível para ele, homem de poucas posses e nenhuma glória.
E foi assim, com muita cautela, e temores, e tremores, que dela ele lentamente se aproximou. Vista de perto, seus encantos se multiplicavam ainda mais. As amarras fortes da razão e do conhecimento não foram suficientes para conter o pobre homem e nela, por ela, o seu experiente coração, novamente se partiu e se perdeu.
Mas, infelizmente, ele continuava sendo um homem da terra e ela uma ave do céu.
Logo percebeu que, apesar de suas poderosas e encantadoras asas, de seus olhos de ver o céu por inteiro e cada parte em seu detalhe e em seu conjunto, ela era ainda uma portentosa ave que não sabia voar.
Injusto seria deixá-la em sua estranha condição. E mesmo sabendo que nisso a perderia, o apaixonado homem, com redobradas cautelas e astúcias, foi lentamente ganhando a sua confiança.
Quando a pode conduzir, levou-a por caminhos e destinos nunca antes por ela percorridos.
E repetindo a experiência, fazendo-a gostar de outros ninhos e alcovas, levou-a cada vez para mais longe e para mais alto, até que seus olhos se acostumaram ao livre azul dos céus a que sempre pertenceram.
Mesmo sabido e esperado, foi amargo o dia em que ela de seus braços finalmente se desprendeu. Agitou suas asas de ouro e prata e ganhou outros céus, outros braços, para nunca mais voltar.
Evitando a luz do sol, o azul dos céus, pensativo, cabisbaixo, retorna o homem ao seu pequeno mundo. Caminhando em direção ao poente, tudo que percebe nessa manhã são as sombras da sua própria insignificância que o acompanham e traçam no chão o perfil da sua triste e apequenada figura.
Suspira o nosso homem, enquanto busca na memória uma canção que o console. Mas a canção ainda não existe. Permanece poema, medido, perfeito, à espera de um artista que o module.
Perpassando seu tema de abandono e solidão, enfim ele encontra consolo. E chora nos versos que falam que “o amor pode ser o que se sente numa lágrima que desaba de repente”. **
* "O Camponês e a Águia" - Gaius Julius Hyginus
**“Lágrima” - poeta Maria Lúcia Victor Barbosa.
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