Viajar é sempre prazeroso, mesmo quando a trabalho. Nesses anos todos, minha vida foi mais ou menos com de um caixeiro viajante. Andei pelo Brasil quase todo e também pelo meu Estado o Ceará. Nessas viagens tive oportunidade de trabalho conhecimento com as mais diversas culturas de nosso país. Fiz muitas amizades e aprendi muitas coisas. Portanto, tirando os aborrecimentos de aeroportos, as esperas longas e constantes viajar realmente, pra mim, é um prazer enorme.
Em tais viagens deparei-me com muitas situações boas, engraçadas. Coisas que deixaram suas marcas indeléveis em nossa mente. Histórias dos lugares, como a do prefeito assassinado num cabaré por um rival, por causa de uma mulher que mantinha um caso com o prefeito e com seu assassino, mas uma coisa que não é o motivo deste relato.
Mas vamos à nossa história. Certo dia, em viagem de Fortaleza para Juazeiro do Norte, local onde por sete anos trabalhei, eu e mais dois colegas da repartição, pernoitamos no Iguatu, para na segunda-feira de manhã cedo partimos para Juazeiro do Norte e chegar lá logo no início do expediente.
Juazeiro do Norte, dispensa apresentação pois conhecida nacionalmente devido ao Pe. Cícero, na região do Cariri, uma espécie de oásis no semi-árido cearense, fica a uns quinhentos e cinqüenta quilômetro de Fortaleza, de onde saímos domingo à tarde para pernoitar em Iguatu, a uns quatrocentos quilômetros da capital, na região conhecida como Centro-Sul, isto é, entre o Sertão Central, uma das regiões mais seca do estado, e o cariri, para seguir viagem pela manhã.
Como saímos muito cedo de Iguatu, não tomamos café da manhã e resolvemos fazer no caminho para ganhar tempo. Ao chegamos em Farias Brito, já bem próximo de nosso destino, resolvemos merendar. Paramos num restaurante, onde fomos atendidos por uma senhora já bem idosa, bastante solícita e simpática.
No interior do Ceará, a merenda, ou seja, o café da manhã em restaurantes ou bares é um pequeno almoço. Tem de tudo. Carne de boi cozida com arroz; bife, cuscuz de milho; galinha cozinha; panelada; buchada; caldo de mocotó. Não é o tradicional café com pão e leite, das grandes cidades. É um almoço mesmo. Embora um café com pão, queijo também saia.
Pois bem, para nossa merenda pedimos cuscuz de milho, leite e ovos. Os ovos cada um de nós disse como queria. Cada um pediu a seu gosto. Um colega pediu ovos mexidos; outro, ovos mau passados; e eu, bem passados. Feito o pedido a senhora retirou-se para a cozinha.
Passado algum tempo ela volta, trazendo somente um dos pedidos que coloca na minha frente. Olhei os ovos que estavam mau passados, bastante moles,.mas como foram colocados na minha frente, mesmo estranhando entendi ser meu pedido e os ovos bem passados ali era daquela maneira, portanto não reclamei e comecei a comer, sem esperar que o restante do pedido do colegas chegasse. Não por falta de educação, mas para que não esfriassem e também devido a mosca, que no interior do Ceará em determinadas épocas do ano tem demais.
Depois de ter dados umas duas garfadas, chegaram os outros pedidos. E observei que os ovos do outro colega estavam bem passados. Fiquei calado, continuei comendo, mas o colega reclamou:
- Será que a senhora não trocou os pedidos? Eu pedi ovos moles e estes estão bem passados, enquanto que os do colega, que a senhora trouxe primeiro, estão mau passados.
Eu ouvia a conversa, mas continuava comendo normalmente.
Feita a reclamação, a senhora se vira para mim, justamente, na hora que eu levei o garfo ao prato, ela puxo rapidamente o prato da minha frente, e eu quase enfio o garfo na mesa.
Após retirar meu prato, ela o entrega para o colega; pega o prato do colega e passa pra mim.
Vendo aquela situação, o mesmo colega fizera a reclamação, exclamou:
- A senhora é fogo, resolve o problema na hora. Né?
Ela olhou pra ele e na maior simplicidade diz:
- Você tá é por fora. Eu tenho é vinte e oito anos de experiência.
Terminamos de merendar. Depois de pagarmos a conta a sairmos, não agüentamos e demos boas risadas até o Juazeiro do Norte. Ainda hoje quando nos encontramos, já que trabalhamos atualmente em locais diferentes, brincamos com aquela situação:
- Ta é por fora, eu tenho é vinte e oito anos de experiência.
HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO
NOVEMBRO/2007