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Contos-->A carimbadora burocrática -- 20/08/2008 - 15:35 (Fernando Antônio Barbosa Zocca) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Fernando Zocca

Van Grogue aquele beiço de anta, que não era cabeleireiro, mas que também estava sempre com as mãos na cabeça, naquela manhã da terça-feira ensolarada, do final de inverno, com um cigarro na mão esquerda, entrando no bar da tia Lucy Nada, foi logo dizendo aos demais ocupantes do recinto:
- Hoje eu não vou dar nada pra ninguém!
E depois, apontando as pessoas que estavam ali dentro continuou:
- Esse boteco não é horta, mas está cheio de pepinos. Olhem só para isso.
As palavras do pingueiro, que tinha o rosto congestionado, arrefeceram por um momento o burburinho existente ali e, aproveitando então o silêncio que se formava, ele continuou:
- É pra cá, que se vai pra lá?
O pessoal sabia que Van de Oliveira Grogue brincava. Apesar da expressão contraída, da face tensa, os demais colegas sabiam que Grogue zombava. Então Edbar B. Túrico, em tom de gracejo soltou:
- Chegou o cara que escondeu a vara da Fabiana. Cadê a vara da moça, ô Grogue do inferno?
- E lá vou eu saber de vara, meu? Dá um tempo, mano. - Grogue pensou que o assunto poderia descambar para a vulgaridade e, por isso mudou logo o rumo da conversa:
- Luísa Fernanda, aquela mocréia burocrática, que pegou agora a mania de tocar o hino do Corinthians antes do almoço, está mesmo me enchendo o saco. Quem é que pode com aquela nega? O pior não é isso. O pior é que a carimbadora bancária, toca mal pra cachorro. Quem é que agüenta? Mas não sobra ninguém na área. Esse meu carma é bem difícil mesmo.
Enquanto Grogue falava, Lucy Nada a dona do boteco mais famoso, de Tupinambicas das Linhas, já completava o vazio do copo americano, com a dindinha, a mais querida do Grogue.
- Põe até o segundo andar. - Disse ele indicando à mulher que desejava ser bem servido, que ela fosse generosa com a dose.
- Grogue, maligno, eu acho que você está sendo intransigente com a Luisa Fernanda. Afinal, ela está na casa dela e tem todo o direito de tentar tirar o hino do Corinthians de ouvido. Pode ser no violão, na sanfona, ou no teclado. E daí? - Tia Lucy metia o bedelho num assunto que já cansava.
Então Grogue sentindo uma espécie de raiva, de ira, que conteve para não estragar o momento, afirmou:
- Olha aqui, dona Lucy, a senhora não conhece essa tal de Luísa Fernanda. Ela tem uma aptidão anormal para espalhar mentiras, fazer fofoca e denegrir a imagem das pessoas. Eu sei muito bem da capacidade degenerativa que essa figura tem. Ela se espalha, contamina tudo, fecha todas as portas, impede, cronifica-se, é um terror, um cancro terrível que só com muita reza pode abrandar.
E. Mail, o famoso Ernesto Mail, que não falara nada até aquele momento achou que seria uma boa ocasião para intervir. Então, erguendo o indicador da mão direita manifestou-se:
- Um instante, maestro! Ela é burra por ser maligna, ou maligna por ser burra?
- Olha isso eu não sei; só sei que ela não conversa diretamente com a pessoa. Ela guarda o rancor e depois vai soltando aquele veneno, aos poucos, pelos lugares por onde passa, nos locais freqüentados pelo malquisto. Desse jeito ela pretende destruir o desafeto, a pessoa com quem antipatiza. - Grogue fazia uma análise muito sincera da vizinha, apesar da cambraia turvante.
Van de Oliveira percebeu que o pessoal silente, atentava para suas palavras então prosseguiu:
- Dizem que Luísa Fernanda tem uma cabeça bem dura, e que sua função no banco sempre foi a de carimbar guias azuis. Mas quando mudaram, depois de anos e anos, a cor das guias, passando-as para amarelas, a mocréia precisou fazer um curso intensivo de seis meses.
Uma gargalhada homérica tomou conta do ambiente. Quando todos silenciaram ouviu-se num tom ameno:
- Deixa pra lá essa quizumba toda. É bom esquecer essas pendengas antigas. Isso não faz muito bem. - As palavras de apaziguamento vinham lá do fundo do boteco, do canto, perto da janela, por onde entravam aqueles raios solares. Ali estava a figura rechonchuda, da qual se destacava o opaco da pele, causado pela fumaça de cigarro. Era o não menos famoso Edgar. D. Nal, o mais distinto colecionador de curiós que a cidade já conheceu.
Van Grogue percebendo então que o pessoal não queria mesmo saber de nada, que pudesse prejudicar a tranqüilidade do ambiente propício às bebedeiras, pagou a cana ingerida, despediu-se da turma e saindo, caminhou alguns metros até sua morada.
A casa do Grogue era vizinha do boteco, situando-se no meio duma ladeira, que só terminava no ribeirão Tupiscamirim.
Quando o pingueiro entrou, fechando atrás de si o portão, e depois de olhar bem as chaves na sua mão, afastando aquele temor de que poderia esquecê-las no lado de fora, pôde ouvir os primeiros acordes do hino do Corinthians que Luisa Fernanda, no teclado antigo e já encardido, tentava tirar, de ouvido.
O tormento do Grogue, naquela manhã, só terminaria às 10:45 quando Célio Justinho, o gerente da agência do Brafresco, ligou para Luísa Fernanda, convocando-a para mais um dia de burocráticas carimbadas.
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