Em uma tarde de domingo, um dia em que eu sentia minha alma sombria, e resolvo sair tentando espantar a solidão
De repente avisto um asilo e resolvo entrar.
Ainda do lado de fora noto um senhor sentado em uma cadeira de rodas, em uma varanda com o olhar perdido no horizonte
Entro e vou direto ao seu encontro, sentando-me ao seu lado
Me atrevo a perguntar pelo seu nome, ele se volta em minha direção e noto suas mãos tremulas segurando parte da cadeira de rodas
Ele me faz uma saudação e confessa:
- Filha...
-Hoje eu só tenho um desejo
-Tenho muita vontade de comer um bolo, mas não destes bolos que o asilo produz aqui na nossa cozinha, e nem daqueles que o pessoal que vem nos visitar nos traz.
-Não é destes bolos comprados em padarias com recheios, nem mesmo estes batidos em batedeiras
-Eu sinto vontade de comer o bolo que minha mãe fazia quando eu era criança
-Daqueles que se bate a mão, sem recheio algum
-Aquele que eu comia quentinho, olhando os buraquinhos que se formavam na massa, sentindo o gosto da manteiga fresquinha
- Sabe filha...
-Esta era a hora do meu maior prazer...
-Eu diante do bolo cheiroso com minha caneca de alumínio cheinha de café
-Eu queria muito ter o prazer de novamente comer este bolo
-Você poderia faze-lo pra mim?
-Sabe filha...
-Estes bolos daqui não tem o cheiro da minha infância, nem o gosto do meu passado...
Senti um aperto no coração...
Me despedi prometendo atender
o pedido do ancião
Seria um bolo comum a confeccionar?
Não...
Este bolo teria que ter o sabor de uma vida inteira.
Semana seguinte, retorno ao asilo com o bolo retirado do forno e muito bem embrulhado para que não esfriasse, e nem perdesse o seu perfume
Ao chegar, eu o encontro no mesmo lugar com o olhar perdido no horizonte
Entrego a ele o passaporte tão esperado para que ele viajasse em suas lembranças
Providenciando uma caneca de café, eu o deixei a sós, para que ele pudesse embarcar em um passado que era só dele...