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cronicas-->O único homem que amei. -- 14/08/2005 - 23:22 (Edson Marques) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Por mulheres já me apaixonei quarenta e cinco vezes de forma profunda. Por homem, esta é a primeira. O processo desse amor pode ter sido longo, mas sua percepção se deu agora, amparada em inocências complementares. Vejo-o deitado de costas, um terno de linho antigo, escuro e sem gravata, olhos fechados, como pensasse nas coisas da vida. E, quando muda, sua boca me fala por antes: "No céu não se dança...". Questão pertinente. No fundo, é o comunista mais sentimental que conheço. Apesar de ser um pouco autoritário, não deixou de amar a lógica. Seu raciocínio, quase perfeito, me encanta.

É noite.

Eu também, acho que não suportaria a santa austeridade celestial: sem vinho, sem música, sem dança, sem amores proibidos: só jejuns e orações, padres e folhas de alface por todo lado, freiras, cardeais... Realmente, um maluco no céu acabaria morrendo de tédio.

Amanhece devagar, meio sem querer.

Fico olhando para seu rosto mudo e me lembro dos 360 pés de girassol que ele mandou plantar lá no fundo do quintal. Cai outra lágrima escondida e eu tento transformá-la em palavras. Eis que interrompem nosso diálogo mudo, atarraxam-se os parafusos da tampa, mas ainda há tempo de escorrer, pela fresta que se fez, bela, sua frase mais marcante: "Edson, é sempre bom um pouco de ficção para realçar a verdade". Sufocam minha esperança, engasga-se a minha dor. Sinto falta de ar.

Que me dessem um minuto, só mais um minuto!, para um último abraço, para um beijo de amor, para um simples aceno de mãos desesperadas...

Levam-no, porém. Discreto e silencioso. Definitivo.

- Vou junto?

Meu mundo fica fora de foco, misturo visão e memória, o chuvisqueiro, enviesado, me bate suavemente na cara. Lembro-me do nosso último abraço, com força, com emoção. Abraço comprometido. Lembro-me das abobrinhas verdes colhidas no barranco alheio, e da lição de honestidade. Aquela charrete azul imaginária passa por mim outra vez puxada por uma estrela dançarina. E uma cruz de cimento, fria, pálida e sem mãos, me acena com insistência. Desnaturam-se os critérios, falseiam-se-me as perspectivas. Tento me afastar.

Mas, de novo, a cruz me acena. Como fogo, ela me chama. Disfarço então a falta de coragem, empurro as pessoas que estão perto, subo no túmulo ainda aberto e deixo lá, crucificada em azul fraquinho e desbotado de caneta bic, minha última e trêmula mensagem de amor ao único homem que amei:

- Pai, espero que tenhas ido para o inferno!

MUDE
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