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Poesias-->PRIMEIRA ESTAÇÃO -HOMENAGEM AOS VIAJANTES -- 27/08/2009 - 09:28 (Eloi Firmino de Melo) |
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HOMENAGEM DO AUTOR
AOS QUE PARTIRAM
E DEIXARAM BOAS RECORDAÇOES
ALÉM DO VÉU
A Laura Lira de Souza,
em memória.
Implantou-se inda
jovem , muito jovem,
uma aridez perversa
na seara;
decorrência de esforços
desmedidos,
com as forças tuas
se tornando exaustas;
a busca de saldar
mil compromissos
em teu caminho
acompanhando os passos.
Bastava um mero olhar
se percebia
o moinho girando
em torno à casa:
os filhos, a escola,
a farda, os livros,
o marido, o emprego,
a luz e a água;
cenário recorrente,
amargo e denso,
que em universo teu
se desenhava.
A panela a ferver
lá na cozinha,
na sala a velha
máquina de costura,
a roupa no varal
ou quaradouro
e a vassoura gasta
pelo uso;
dava pra ver
na moenda da rotina
a mão resignada
atrás do fuso.
Nem sempre o
público-alvo compreende
a importância
dessa roda-viva.
É natural olhar
essa oficina
sem ver a mão moída
nesse ofício.
É a mesma mão que
implanta a paz, o bem
ou a harmonia impõe,
quando exigida.
É cetro, é voz,
é trono, é ordem;
exemplo a semear
lição de vida.
Lição bonita essa.
Para alguns se perde,
pra ser revista com
pesar mais tarde,
numa hora qualquer
quando se nota,
que chegou pra valer
o fim da estrada.
De repente o silêncio,
a cova muda
a dizer tanta coisa
sem palavra
e um circunstante
tenso, remoendo
os seus remorsos
de sabor amargo.
A lamentar as
perdas, em surdina,
por ter fugido
às oportunidades.
Mas tu partiste bem:
a fronte erguida,
folha-corrida limpa,
sem ressalvas.
Podemos te dizer
sem restrição
que chegado o
momento inevitável,
nada te falta
na lição da vida
porque fizeste o teu
dever de casa.
Em que pese o vazio
que deixaste,
um misto de tristeza
e de saudade,
aqui restamos todos
convencidos
de que após o véu
que ultrapassaste,
deixadas para trás
as tempestades,
encontrarás repouso
e imensa paz.
A ABELHA-MESTRA
Para D. Francisca,
minha mãe, em memória
Teu cenário é de festa
e repleto de cores
de pétalas recolhidas
de venturosas flores.
Teus ares são manifestos
de efetivos louvores,
num palco de euforias
e de múltiplos atores.
A razão dos teus afetos
faz esquecer as dores
das mãos que se consumam
em infindáveis lavores;
relevando as perdas
de afetivos valores
de quem sofreu desgastes
de possíveis rancores.
Mas a aurora da paz
se prenuncia em alvores;
que a vida é a melhor festa,
com os melhores retornos
de mil beijos e abraços
e com amor entre todos.
O CAMINHO DO VENTO
Para Seu Severino, meu pai.
Da janela bem se via
o assolar dos ventos
no velho Timoneiro.
Carregava
às costas o seu fardo
de tempestades
que não tinham fim.
Sem tristeza e sem rancor,
segue pisando
um tapete de lama
coberto por lágrimas
caídas do céu.
E caminhava.
À frente, o pasto,
o gado manso,
a casa e a sua prole,
aguardando
o som dos passos
da eterna rotina.
E caminhava.
Em silêncio,
vai remoendo na memória
a metafísica
da sua existência:
estaria ali pagando
alguma dívida centenária?
E caminhava.
E com o ar do mágico
que não aprendeu a retirar
coelho da cartola,
segue o seu destino
a refletir que
talvez tenha buscado
demais
expandir-se em solo
temerário.
E caminhava.
VISITA AO
PARQUE DAS FLORES
A Antônio Barbosa de Souza,
em memória
Aqui não tem importância
qual seja a estação do ano;
as ruas silentes, frias,
se entremeiam de sombras,
com algumas flores sem brilho
ao olhar dos habitantes.
As noites são muito longas,
é escuro embaixo ou em cima;
não há diálogo possível
entre os que aqui têm vindo;
são multidões que se calam
em solitários destinos.
O tempo caminha lento
a marcha própria do eterno;
e quem chegou pra ficar
com certeza não tem pressa,
e assume os seus aposentos
sem qualquer razão de estresse.
Também não se ouvem queixas,
nem comentário ou resenha;
os moradores daqui não trocam,
não compram, nem vendem;
têm sua porção completa
na mesa farta do tempo.
Aqui não habita santo,
também não mora demônio;
ninguém é rico nem pobre,
pois a riqueza se esconde
lá no espólio metafísico
de inexplicáveis ações.
Não se chega a esta casa
pra cumprir uma sentença;
é apenas o fim da estrada
onde o repouso consente
que o vôo da ave cansada
descanse enfim para sempre.
Existe quem tenha medo
de andar por estas paragens,
temendo encontrar, talvez,
alguma possível alma
vagando por essas covas
com ações desabonadas.
Pensamos de modo oposto,
os daqui não metem medo;
já estão desencarnados,
e em seus mistérios presos;
em qualquer forma que estejam,
merecem o nosso respeito.
Nessa cova de família
há três sementes plantadas;
foi uma de cada vez,
e por ordem de chegada,
obedecendo aos limites
de tempo e velocidade.
Uma daquelas sementes
teve uma sofrida história,
veio de terras distantes
em busca de uma melhora;
os ventos o receberam
com promessa de vitória.
Venceu muita noite escura
antes que acendesse a luz
de algum futuro horizonte
que finalmente o conduz
a um venturoso caminho
que norteou seu futuro.
Apascentou seu rebanho
tirando leite das pedras;
passarinho em campo áspero
buscando semente e ervas
para alimentar os filhotes
que ansiosos o esperam.
A mão que cuidou da prole
com caprichoso cuidado,
abriu a porta do mundo
com a instrução necessária,
de alçarem o próprio vôo
com a força das suas asas.
Hoje descansa sem jaça
na paz do dever cumprido;
floral de cabelos brancos
com longa história de vida,
partiu deixando os exemplos
que podiam ser seguidos.
São três sementes queridas,
prendas da nossa amizade;
no véu das boas lembranças
foram descansar em paz;
talvez estejam ansiosas
por nossa final viagem.
Por aqui não temos pressa;
a nossa saudade é imensa:
mas sem fugir da virtude
de ser muito paciente.
Depois, não vamos querer
tomar a vez de ninguém.
Longe de a gente impedir
que outros tomem a nossa frente;
preferimos ir depois
de vencer o número cem;
para termos maior tempo
de servir melhor alguém.
Assim vamos dando passos
no tamanho da existência;
com as páginas do passaporte
com visto de permanência,
mas sem ter sido anotada
a data em que ele vence.
ELEGIA
PARA UM VIRTUOSE
Para Rafael Torres Barbosa,
em memória
Só a matéria
é que se faz ausente:
o corpo inerte sob a paz
da terra;
mas os passos da alma
estão presentes
acompanhados de saudosos
gestos.
Cada manhã,
a sombra desses passos
na sala de visitas
ou no alpendre;
no quarto de dormir,
chegada a noite,
abrindo espaço
na saudade ardente.
Vivo e tão perto,
em mundos paralelos,
nas vibrações
do etéreo intraduzível;
na dimensão sutil e inalcançável,
como espaço entre nós
de um imenso abismo.
O SILÊNCIO DO ARAUTO
Para Alberto da Cunha Melo,
em memória
Num instante
o arauto esconde a voz
nas fímbrias da cortina
do silêncio;
fechada é a porta livre
das palavras,
e a trombeta calada,
exposta ao vento.
Aquelas já firmadas,
antecedentes da veia fértil,
regam sempre as margens,
quando os rios carecem
de vertentes.
Da academia
ao pé do botequim
um gesto de saudade morre
à míngua;
a parceria chocada se lamenta,
e a ausência fere o peito
ou se lastima.
Nas rodas mais estritas
há outras formas
de ver o pássaro deixar
os compromissos,
ou o lavrador
que já não rega a horta.
Não que a trombeta
tivesse o som escasso
ou esgotado o estro;
a partitura caberia,
se sabe, uma infindável
quantidade de notas
e compassos.
É que o acervo olímpico
das palavras
já aquinhoara taças
e louvores
por conseguir ali
melhores saltos.
E assim cumprida
essa missão do bem,
outros espaços paralelos
chamam
para o repouso eterno
dos heróis,
que Beatriz apresentou
a Dante.
UMA ELEGIA PARA
O GUERREIRO DA LUZ
Para Jefferson Peres,
em memória
Que estás fazendo aí?
pergunta a voz
do mensageiro
da missão do bem.
Os teus passos se
perdem nessa selva;
que este lugar aqui
já não convém.
Esta arena
é dos outros animais,
nesta floresta
de tigres e leões
que aclimatam seus
passos e manobras
de acordo com
o tom das estações.
É a arte dos lagartos
camuflando:
mesmo artifício de
alguns camaleões.
Este aqui é o teu lugar.
A casa além do véu
já pôs a mesa
e apronta a cama
para o teu repouso.
Bate o pó das sandálias
no batente,
sem mágoa e sem
rancor nos teus olhares.
Embora poucos,
bem poucos,
muito poucos,
enxergaram em teu
manto de virtudes
merecidos troféus
de bons aplausos.
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