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Cronicas-->Pronto-Socorro -- 20/08/2005 - 21:07 (Janete Santos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Minha sobrinha foi levada às pressas ao pronto-socorro. Motivo: gulodice. Havia comido além das contas e sofrera uma indigestão que preocupou a todos.

Fui visitá-la, em seguida. Todavia acabei passando a noite ali. Após ser medicada, ficou em observação. Como todas as enfermarias estivessem cheias, ela teve de ficar numa maca, na enfermaria masculina. Se estivesse num jardim florido, certamente encantar-me-ia com a beleza e o aroma do lugar, entregando-me ao deleite que a ocasião propiciava. Contudo, o que se me oferecia naquele momento, apesar de mórbido, exigia mais sensibilidade ainda _ não eram pétalas sedosas que murchavam, eram vidas humanas. O prolongamento da guerra deixa o soldado familiarizado com o esvaecimento da vida e, aqui, bem aplicável é a moral da fábula: a familiaridade gera o desprezo.

Um cidadão, aparentando uns trinta e poucos anos, contorcia-se num dos leitos. Seus olhos pareciam querer sair do lugar tão arregalados que estavam; as pupilas, muito dilatadas; o rosto totalmente pálido. Fiquei chocada com a cena. Mais chocada ainda pelo fato de ninguém fazer alguma coisa. Chamei um enfermeiro que passava pelo corredor e perguntei por que não faziam nada por aquele homem. Disse-me que iria chamar o médico. Nada. Fui até a sala do médico e me fiz passar por conhecida do homem, então se mostrou logo solícito e acompanhou-me para ver o paciente. Ao vê-lo, falou que o mesmo havia ingerido uma dose cavalar de um veneno, cujo nome não lembro, e, como chegara ao pronto-socorro muito depois, tinha de ficar só em observação. Indaguei se poderia dar-lhe um copo com leite para neutralizar o veneno _ os antigos recomendam, não sei se procede _, porém o médico garantiu que não iria interferir em nada e que era melhor não ingerir coisa alguma até certo tempo.

_ Mas, doutor, ele está com muita dor! Diz sentir o estómago queimando!...Será que uma água de coco lhe faria bem?!

_ Está bem! Pode dar.

Corri até uma lanchonete em frente que funcionava vinte e quatro horas e trouxe a água para o homem. Tremendo, ele tomou uns goles. Sentei a seu lado, segurei firme uma de suas mãos e fiz uma rápida oração por sua saúde. Vi quando um ancião, que cochilava em uma cadeira próxima ao leito do homem, despertou-se e pós-se a afagar a cabeça do doente:

_ Tenha fé, meu filho, que você vai ficar bom!

Então, soube que aquela não era a primeira vez que o filho tentava o suicídio, apesar de, para o pai, aquela parecer irreversível.

Mais calmo e com esforço, o homem confidenciou-me:

_ Sabe, dona,... minha mulher... minha mulher... Eu... eu já perdoei o que ela me fez,...mas...mas...não consigo esquecer e...e... quando lembro, bebo e... só tenho vontade de... morrer...

_ Acho que o senhor não perdoou sua mulher, senão teria esquecido o que ela lhe fez... E também o senhor não se perdoa por continuar com ela...

Dei-lhe mais alguns conselhos. Procurei fazê-lo ver que quem levava a pior era ele mesmo. De repente, começou a ter outra crise horrível de dor no estómago. Ele segurava minha mão com força. E não sei quem suava mais, se eu ou ele. Assim, de crise em crise, vi o dia clarear, sofrendo com a agonia daquele homem. Por volta das seis horas, aplicaram-lhe uma injeção e ele veio a sossegar. Pouco depois, deram alta à minha sobrinha e fomos embora. Antes de sair, ainda olhei para o homem. E não sei se ele me olhava contemplativo ou se já dormia com os olhos abertos.


Janete Santos
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