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Cronicas-->L U C I A N O -- 03/10/2005 - 10:19 (Jeovah de Moura Nunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



LUCIANO



Não sei como foi. Só me lembro de ter olhado e o vi, pequenino, nos seus oito anos mais ou menos. Isto faz três anos. Estava jantando num bar e restaurante próximos à rodoviária de Goiània, enquanto esperava meu ónibus para Ribeirão Preto com conexão para Araraquara e Jaú.
Vi-o e ele me viu. Fitei-o por longo tempo e ele também a mim. Parecia sorrir, enquanto engraxava sapatos de outros fregueses no bar.
-Bolas, onde conheci aquele garoto? - indaguei a mim mesmo.
Notei que acabava seu serviço e já se levantava para ir embora, quando lembrei que tinha na sacola um par de sapatos sujos e que pediam os serviços de um engraxate.
Chamei-o e ele humilde veio até minha mesa:
-Pois não senhor - disse numa voz melodiosa.
-Bom, é que tenho um par de sapatos sujos aqui e gostaria que você os limpasse - disse-lhe enquanto procurava os sapatos na sacola ao meu lado. O garoto solícito já foi preparando seus petrechos.
Depois de uma longa pausa em nos olhávamos a todo instante ele proferiu as palavras que me deixaram até hoje surpreso:
-O senhor me é conhecido não sei da onde.
-Ora, estive na festa em Trindade. Talvez você tenha me visto por lá - disse-lhe em tom de explicação.
-Mas, senhor, não estive na festa - argumentou o garoto.
-Como é seu nome? - perguntei-lhe.
-Luciano.
-Sabe Luciano, você também não me é estranho - disse-lhe abrindo o jogo - o fato é que nós não nos conhecemos, mas parece até que somos parentes. Você não sente o mesmo?
-É verdade - arrematou Luciano - sinto como se o senhor fosse meu pai, ou meu tio, ou um senhor amigo.
-Você tem família Luciano? - interroguei-o curioso.
-Sim - respondeu ele - tenho pai, mãe e irmãos. Mas, o senhor serviria pra ser melhor pai do que o que tenho.
-Não é assim Luciano - falei, aconselhando-lhe - você deve respeito e amor ao seu pai. Eu sou um estranho. Suas obrigações com a sua família devem ser levadas em frente, custe o que custar.
Quando Luciano terminou o serviço puxei a carteira para lhe pagar, mas num gesto inolvidável recusou em silêncio. Notei que grossas lágrimas rompiam aquele olhar diamantino. Eu próprio já estava à beira de um descontrole emocional.
Ele cumprimentou-me, apertando minha mão direita com força. Depois saiu devagar com a caixinha no ombro direito, atravessou a movimentada avenida que nos separava de um grande estacionamento de ónibus circulares. Lá longe, encontrou-se com um motorista e deu-lhe um maço de notas. Antes de entrar num dos ónibus olhou para mim e acenou. Devolvi-lhe o cumprimento, acenando com os dois braços.
Voltei para terminar meu jantar sempre de olho no ónibus, que não arrancava. Meia hora depois descobria que aquele ónibus não iria sair dali. Luciano havia pagado o seu pernoite. Percebi que o garoto era explorado pelos adultos para sobreviver. Sua cruz já na infància estava por demais pesada. Tive ímpetos de ir buscá-lo e levá-lo para casa. Mas, lembrei-me dos compromissos, da divisão de compromissos e recuei.
Já no ónibus, admirando a obra celestial, como se fossem milhões de olhos no céu noturno, as estrelas pareciam cochichar só para mim:
-Luciano é teu amigo, ou teu pai, ou teu irmão, ou tua mãe, ou tua irmã de outras vidas...

Jeovah de Moura Nunes

(publicado no jornal "Comércio do Jahu" de 18 de novembro de 1992 - página 2)
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