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Contos-->O gene ruim -- 22/01/2009 - 16:38 (Fernando Antônio Barbosa Zocca) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O gene ruim



Aldo Eva sentiu um frio horrível na barriga ao certificar-se que o estrondo e a poeira levantada, na esquina onde ficava o casarão amarelo, vieram mesmo da pensão da mamãe Sebastiana.
Logo após a paralisação momentânea, que sucedeu ao susto, causado pelo impacto do desmoronamento, Eva pôde notar que todas as demais pessoas que estavam na rua, à sua volta, tiveram suas atenções dirigidas ao local. Aldo ouviu do sujeito que passava ligeiro em direção ao sinistro:
- Caiu a pensão Boabóia!
O menino começou então a correr para o lado da sua casa. Ele sentiu que a proporção entre o esforço hercúleo dispendido e a distância curta, que conseguia vencer, era mais consequência da obesidade, do que da má vontade. De fato, Eva via-se agora com uma cintura grossa, queixo duplo, orelhas grandes e seus pés, bem chatos, contribuíam para o insucesso naquela atividade física dolorosa.
Ao passar rápido pela Imobiliária Lousa, escutou os proprietários, marido e mulher, discutindo em voz alta. Eva lembrou-se do comentário da mamãe Sebastiana que dissera, certa manhã, estarem eles se separando, e que brigavam pela divisão dos imóveis da empresa.
A topada que o menino deu num tijolo, esquecido na calçada, fez com que ele murmurasse xingamentos em voz baixa, maldizendo aqueles seres doentios, negligentes, que deixavam pelos passeios públicos, copos, garrafas, maços de cigarro, pedaços de pau, pedras, papéis e papelões.
Subindo então aquela rua íngreme o garoto branquelo e fofinho, viu que o sujeito alto, de cabelos fulvos caídos na testa, bigode avermelhado e dirigindo o carro da polícia civil, passava em alta velocidade indo para o local do ocorrido.
Aldo Eva lembrou-se do comentário feito pelo pensionista palmeirense da Boabóia, durante o almoço há alguns dias: "Esses tiras só pensam no legume. Não conseguem fazer um relatório inteligível. A gente nunca sabe se vão se virar nos trinta ou se já se viraram".
Quase sufocado pela falta de ar e percebendo o coração aos galopes, Eva abriu a boca num gesto instintivo. O suor corria-lhe pelo rosto. Com as mãos empapadas, de vez em quando, afastava as mechas de cabelo que teimavam em lhe cair sobre os olhos. O calor era terrível.
Já defronte ao posto de gasolina, Eva enrolou-se todo numa tira de papel recheada de somas e subtrações, oriunda de alguma máquina calculadora de alguém que, depois de um longo balanço, deixara-a cair na sarjeta. "Ô gente ruim!" Pensou Aldo. "Se um dia eu for prefeito ou vereador, minha prioridade será a limpeza pública das ruas. Papéis e papelões nas vias, não pode!"
O menino percebeu que alguns carros do corpo de bombeiros chegavam ao local onde houvera o desabamento. Alguém mais rápido que o garotinho, passou por ele gritando:
- Nossa! Parece que pegou fogo lá, olha lá, minha nossa!
Se Aldo estivesse participando de uma competição esportiva, não chegaria em primeiro lugar. Ele nem queria saber das aulas de educação física tidas no ginásio. Lembrou-se que o obrigaram a pintar as linhas demarcadoras da quadra, onde praticavam o futebol de salão, basquete e vôlei, para que o aprovassem, no fim do ano.
Percebendo que chegava perto do casarão o menino ouviu o grito de alguém que, dirigindo uma charrete, ultrapassava-o. O trotar do cavalo assustou a Eva, mas não impediu que ele continuasse correndo. O carroceiro disse então aos berros:
- Fala ai, ô gene ruim. Cromossomo 21. Down do inferno!
Aldo estancou embasbacado. Seu rosto que estava vermelho empalideceu, enregelou; boquiaberto ele buscava pelo ar numa cadência acelerada; nas mãos ele sentia o suor frio. "Quem é que poderia dizer uma coisa dessas? Lembro-me que meu avô fazia parte dos que transportavam a produção de açúcar da usina Monte Alegrete até as estações de trem, com a carroça e a égua que tinha, mas gene ruim, ninguém nunca teve. Imagine: cromossomo 21! Pode uma coisa dessas?" pensou Eva indignado.
Quando chegou perto dos escombros do sobrado Eva notou que sua mãe estava ao lado de um sujeito magro, de olhos claros, tez alva, dono do boteco da esquina e conhecido na cidade pela prática da contravenção do jogo do bicho.
O menino acalmou-se ao saber que estava tudo bem. Preocupou-se um pouco com o padrasto que, ao sair dos destroços, tinha o corpo e as roupas cobertas pela fuligem negra. Nas mãos, o homem baixo e atarracado, trazia a peneira que usava na escolha do feijão. Do rosto mongólico viam-se os olhos arregalados e a boca entreaberta, estática, da qual vazavam alguns fios de baba.


Fernando Zocca.

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