Colocou a máquina de lavar roupas à funcionar, e ficou divagando por um momento no quão arcaicos continuavam a ser alguns dos rituais domésticos. Quando tem uma empregada a fazer o serviço, nem sequer se notam as tarefas diárias. Passam despercebidas. As roupas aparecem limpas e guardadas dentro do armário dois dias depois de deixá-las no chão do banheiro, como num passe de mágica. Mas a empregada foi embora, e também já não limpava tão bem assim, foi até um alívio ter novamente a posse do seu próprio território. Pensou também na fugacidade dos pequenos gestos domésticos. Guardar brinquedos e arrumar objetos que amanhã estarão bagunçados novamente.
Na cozinha pegou um café na térmica, e andou pela casa até a sacada. Acendeu um cigarro e pensou mais um pouco na estruturação daquele artigo que precisava ser entregue até a próxima terça-feira. Vai precisar correr, senão o final de semana estará comprometido.
Ontem foi bom, o sexo. Mas faziam duas semanas que nada acontecia. Não é exatamente uma falta de desejo, parece mais uma rebeldia contra a própria disponibilidade que o casamento proporciona. Enjoa saber que não há necessidade da conquista, e pensa que está na hora de mudar alguma coisa, mesmo não sabendo exatamente o que precisa ser mudado. Antes que piore e a situação se torne crítica.
Renate chamou ao telefone, contando sobre a noite de ontem, o bar, a turma saindo pra dançar depois, a balada forte, a madrugada adentro, e o encantamento que sentia frente a mais um desconhecido que se tornaria uma desilusão a ser esquecida, daqui a algumas semanas.
E novamente os pensamentos tomaram conta do espaço, o ambiente silencioso tornando óbvia aquela outra vida que poderia ser sua. Não sabia mais definir o que deveria ser chamado de rotina, se a vida que leva agora, onde todos os dias são diferentes mesmo sendo tão iguais, ou a vida daqueles tempos passados, onde todos os dias eram iguais, mesmo parecendo tão diferentes.