141 usuários online |
| |
|
Poesias-->SEGUNDA ESTAÇÃO- Homenagem de corpo presente -- 18/02/2010 - 17:26 (Eloi Firmino de Melo) |
|
|
| |
SEGUNDA ESTAÇÃO
Homenagem
de corpo presente
O VENENO SECRETO
Para Bertha, minha amiga
No silêncio escondido
um mistério velado:
a palavra, o enigma
que torna a vida mágica.
E mágica também se faz
por razões mais ocultas;
por cautela ou modéstia
para evitar sustos.
E feito ondas imensas
do abissal oriundas,
é um mar que se espraia
pelos ventos do mundo.
E quando ela se esconde
nas emoções mais fortes,
não seja omissa a bússola
que indicará o norte.
Também sob os lençóis,
é a recorrente sombra
que pode atear fogo
nos milhões de hormônios.
Feito uma chama densa
que no peito se guarda
e no recesso da noite
vem arder em brasa.
Brasa tão necessária
para as alcovas frias
das lavouras murchas
na estação do estio.
No silêncio escondido,
a cicuta mágica;
é um veneno secreto
que transborda a taça.
É um fogo ardente
ou um vulcão em chamas;
uma fogueira viva
que devora as entranhas.
Na estação da beleza,
primavera ou outono,
essa caldeira esconde
invisíveis demônios.
Demônios encastelados
nalgum inferno inóspito,
na tentação sutil,
oculta atrás da porta.
Na sensatez implícita
essa palavra dorme
um silêncio que sabe
os limites que pode.
E ao se fazer desperta,
nos devidos espaços,
é o arauto do mundo
ou a seara da paz.
JÚLIA
Para Júlia, minha neta
Você é a mais pequena,
um minúsculo grão
de vida;
ou um raio de luz
ardente
no coração da família.
Por isso
eu plantei carinho
no roçado dos seus dias;
chegado o tempo
da messe
serão frutos coloridos.
Vão transbordar
os celeiros
dos afetos positivos
num peito cheio de amor
para alimentar a vida.
Nessa época
por destino
eu deverei ter partido,
nas asas
de um passarinho,
deixando o viveiro livre.
E na minha caminhada
eu regarei no infinito
uma saudade
plantada
no meu coração
tranqüilo;
onde floresce uma rosa,
a sua cor preferida.
FANTASIAS
DO DEUS QUE MORRE
Para as minhas netas Laiz, Vitória e Júlia.
Para elas sou capaz
de quase tudo.
Sou um deus poderoso,
sem limite.
Aos meus pés
qualquer pedra vira espuma;
e meus espinhos, flores:
margaridas.
Eu poderia
ter inventado o mar,
bem como o céu azul
que nos encobre.
E, quem sabe,
voar igual aos pássaros
sem me lembrar
que sou um deus que morre.
E quando
eu for morar no infinito,
no meu palácio
de lembrança e sombras,
vou carregá-las para
um céu bonito
na carruagem fantástica
dos seus sonhos.
A ANDORINHA
Para Sandra, minha nora
A Andorinha sabe a cor
das nuvens,
quando o céu
se reveste de procelas;
ou se o mar agitado
faz-se ondas
ameaçando o barco
em que navega.
Protege com carinho
a sua prole
e abriga o companheiro
em seus afetos.
No tear dos anseios
vai tecendo
com ousadia
os seus melhores
gestos.
Se lançada a semente
em campos ásperos
e encontra a dor
de algum pesar medonho,
vai levar de vencida
a terra árida
plantando em novos sulcos
um melhor sonho.
Põe sob as asas
aqueles vôos mais altos,
para os pontos distantes,
além dos montes;
quem sabe,
muito além das catedrais
onde os anjos dos céus
ensejam encontros.
Mas ao descer das alturas
pisa a terra
com a leveza
do amor e da modéstia;
e na roda de amigos
ou da família,
a Andorinha
tem o peito em festa.
CINHA
Para minha amiguinha, Márcia
Não tem como esconder
o nosso afeto;
por isso te desejo o melhor fado,
um mar azul de plena
calmaria
e um comandante a dirigir
teu barco;
que em ondas agitadas
toque o leme
com a firmeza
de quem o ofício sabe;
para dormir na ocasião de calma
nas ondas veludosas
dos teus braços.
Que outro aventureiro
te ofereça
algumas ilhas gregas
por promessas,
quando o pendão não se sustém
no mastro;
melhor é o sonho que no peito
guardas
que o canto da sereia
posto ao largo.
TERCEIRA GERAÇÃO
(Para Laiz e Vitória, minhas netas).
Duas ovelhinhas
malhadas,
docemente acalentadas
nos braços da
ovelha-madre.
São duas ovelhinhas
malhadas,
levemente salpicadas
pela vara de Jacó;
ternamente conduzidas
pelo cajado sofrido
do laborioso pastor;
que em campo de pastoreio,
plural de mil entremeios,
encara pedreira e pó.
Mas entre pedras
escondidas
a matéria-prima da vida
desce da nascente à foz.
E de remanso em remanso
desliza serpenteando
para saciar a sede
das ovelhinhas malhadas,
levemente salpicadas
pela vara de Jacó,
que à noite ao depor a vara
com muito afeto agasalha
a sua pequena grei.
E após guardar o seu gado
vai descansar nos abraços
da sua amada fiel.
Zeu
Para Zenilda, minha comadre
Teu cetro é de rainha
num reino imaginário:
palco de festas e
danças,
ou de alegria e paz.
E sem perderem de vista
o senso lúdico
desse universo teu,
imperial,
muitos atores
contracenam danças
com suas sapatilhas
de cristal.
Esse é o teu lugar.
Não por seres relapsa
com a vida,
nem por teres esquecido
o fuso, a máquina
do estresse e da rotina,
que acompanharam
sempre os compromissos;
nem por deixares a mão
solidária
por gesto de descaso
ser omissa.
Esse mundo te pertence.
Mas com leveza
de consciência
sobre o travesseiro.
Esse mundo te acena
à média luz de um bar
na madrugada alegre,
ao som do tango quente,
ou do chorão bolero.
Esse mundo te atrai
quando te chama
a acompanhar na rua
as marchinhas antigas
do Bloco da Saudade.
E onde quer que reine
a música, a dança e a paz,
ali é o teu reinado,
o trono que escolheste
para tua majestade.
FRANCISCA DE ASSIS
Para Chica, artista plástica
Francisca de Assis,
não por destino de ser
irmã das andorinhas,
ou de outros pássaros;
nem por cuidar
dos seres pequeninos
no condomínio
florestal das matas.
Francisca de Assis,
não por lançar
a pedra fundamental
de uma capela;
onde uma nuvem infinita
de Clarissas
possa buscar alimento
para as almas.
Francisca de Assis,
apenas blague,
um jeito de dizer dos
teus amigos;
aqueles que navegam
em teu convívio,
num mar de afeto
para os seus abraços.
Francisca de Aragão,
por teu mister,
uma comprida estrada
à sombra dos pincéis;
mas no ofício das artes
impressa a marca
de ser a grande artista,
e ser mulher.
O AMIGO
Para Ivo Tavares e Newton Walter
O amigo não precisa
de circunstância
pra cruzar os umbrais
da sua casa.
O amigo de fato
já está dentro.
É o molusco que não
rompe a casca.
Está na sala de visitas;
na cozinha
ou entre os livros
da biblioteca;
nas palavras amenas
emitidas
ou preso às entrelinhas
de alguns gestos.
Quando o sol anuncia
um dia claro
ou morre no horizonte
atrás da serra;
mas sempre a conduzir
em tempo hábil
da solidária mão
o peso leve.
Para o amigo não há
restrição.
O amigo pode tudo
na paz ou na guerra.
Ou não pode.
A TAÇA
Para Fernando Torres Barbosa
Amarga é a taça,
quando o céu embaça
a silenciosa manhã
de um mar de lágrimas.
Invade a tarde e deixa
a noite exausta!
Amarga é a taça,
essa cravada faca
nas entranhas da alma,
que sem pedir licença
vai deixando as marcas.
Esse terrível mapa
de infinitas cicatrizes
que nunca se apagam!
Amarga é a taça,
quando a dor maltrata,
quando a força falta,
quando a resignação escapa,
sem que seja dada
explicação razoável.
Amarga é a taça:
metonímia madrasta,
no sinistro da página
da cruel gramática.
Esse punhal no peito
sem quaisquer metáforas!
A SEMEADURA
(Para José Carlos Targino, poeta)
Ao semear, talvez
por generosa,
a mão farta jamais impõe
limites;
resultando daí, por consequencia,
que os grãos impuros
são acometidos.
E vem o corte, a poda
e as aparas
de frases ou palavras
introduzidas,
ceifadas com cuidado
em tempo hábil,
como se fora o joio mal nascido.
Jamais lançar sementes
sobre a terra
de acordo com o tamanho
das estantes
Ou ânsia de mostrar
a qualquer preço
algum produto da semeadura.
E jamais semear
buscando espaço
na galeria entre os imortais.
Os motivos ocultos
são nem sempre
manuseáveis prendas no varejo,
mercadorias próprias ou moedas
que tenham trânsito livre
no mercado.
São parceiros da noite,
são parceiros da vida,
e olhares silenciosos
sobre o véu da cidade,
sobre os homens e as coisas
e as angústias herdadas;
sobre os leitos insones
na preparação da casa,
como disse Bandeira.
Na hora de lavrar,
sempre os cuidados:
tirar o joio sem ferir o trigo.
E quando a aurora chegar,
não seja omissa
A colheita abundante, prometida,
(com os celeiros da luz
abastecidos),
A coroar a messe favorita.
VOO ACIDENTAL
(Para Ronaldo Monte, poeta).
Ela envolvia os seus sonhos
na fronha do travesseiro,
e depois tecia nuvens
nos anéis dos seus cabelos.
Falava com seus botões,
ou seja,consigo mesma,
que um dia um céu de plumas
viria enfim envolvê-la.
Tomou com calma os remédios
e foi pra cama mais cedo;
e flutuou nos lençóis
em pleno estado de êxtase.
Daí pro céu foi um salto;
fugiu dos seus pesadelos;
a nave em que viajava
levava um só passageiro.
Deixou pra trás as saudades
dos parentes e companheiros,
para enovelar seus sonhos
num céu tecido de estrelas.
CONFISSÃO DE AMOR
Para Marly,
a eterna namorada
Eu falo de amor,
mas em voz baixa:
balbuciando
como quem faz reza;
os lábios da surdina
no ouvido
a confessar o coração
em festa.
Eu falo de amor,
mas as palavras
são o ouro escondido
no deserto;
entre as areias ardentes,
causticantes,
para não ser por inveja
descoberto.
Eu falo de amor,
corando a face,
como quem se envergonha
das palavras;
por coisa antiga serem,
obsoletas,
pelos ventos do tempo
desgastadas.
Porém falo do amor
alma com alma,
dos afetos que nascem
dos abraços,
das íris que se fundem,
se penetram
na paixão venturosa
dos olhares.
Eu falo de amor
porque te amo
sem buscar a razão
dos teus motivos;
e quando o sol transpuser
o horizonte,
a nave da saudade
irá comigo.
AS CINZAS DE OLINDA
Para Edjelton, folião convicto
Muitos blocos na rua
do convívio,
correndo soltos
os passos da alegria;
a multidão acesa
faz a festa
pela cidade
enchendo as avenidas.
O Recife por amor
abraça Olinda
e Olinda sua irmã
beija o Recife.
Os refratários comuns
dos dias úteis
pelas ladeira restam
inconformados;
um mar de compromissos
esperando:
dura certeza
quando a festa acaba.
Por gestos vão regendo
a orquestra etílica
com a mão de algum
maestro imaginário.
A quarta-feira acorda
sem surpresa,
deixando à boca
um gosto de ressaca.
É a hora de curar
alguns excessos,
purificar enfim com cinza
a alma;
ou de assumir a face
do deboche
pondo outra vez
as costumeiras máscaras.
O JOIO E O TRIGO
(Para Domingos Alexandre)
Confesso que fiz mal:
plantei ciúme
por não querer de bem
cultivar pérolas;
e com azedume
num jardim de orquídeas
busquei de qualquer modo
atirar pedras.
Depois veio o remorso,
o gosto amargo
de uma cicuta
presa na garganta;
e aquela sensação
de fel na boca
pelas veredas
onde a vida avança.
Na busca de encontrar
algum reparo,
tirando o joio sem
ferir o trigo,
recolho as pedras
sobre o chão ferido,
e com modéstia vou
plantando orquídeas.
E ao me lembrar
dos gestos insensatos,
por jardineiro ser,
incompetente,
só vejo em teu jardim
bonitas flores,
no meu, só folha seca
exposta ao vento.
O CANTO DA ALDEIA
INCENDIADA
Para Raimundo Carrero
Releio a página escrita
Pelo sol:
O livro aberto
De graveto e cacto;
Residuais de cinzas
E de pó
E o boi ronceiro
Ruminando o pasto.
Além, nalgum lugar,
O passarinho
Emite o augúrio
De animal ferido;
Último lamento
De escondida mágoa
Dentro do mato
Ao se fazer proscrito.
Dura estação de
Indesejável hóspede
Na temporada que
Não tem tamanho;
Maltrata os campos
E o sonho onde habita
A semente centenária:
A esperança.
Quem vive as dimensões
Do território,
As léguas sabe
De abundantes farpas,
Os pés descalços,
Moídos, flagelados,
Pelas veredas
De cascalhos fartas.
Colhendo o céu
Em gesto silencioso,
O ator principal
Esconde a voz;
Enquanto a metafísica
Oculta inquire
Razão desse teatro
Em palco inóspito.
Perto dali cansada
A Eva serrana
A interpretar
As cenas dessa peça,
Com seus frutos do amor
Acompanhada
E outro no ventre
Em forma de promessa.
E do horizonte
Nasce cristalino
O caldeirão de chamas
Causticantes;
Imagem recorrente,
Repetida,
Quase o cenário
Que descreveu Dante.
Virada página seja!
Deus tomara!
Deste livro que ferve
E queima as mãos!
Rudimentos de pedras
Ecascalhos
Fincados na memória
Desses campos
|
|