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Contos-->O Medo chamado CHURRIO -- 17/02/2009 - 11:36 (Ilário Iéteka) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CHURRIO

Pescar era o esporte preferido de meu pai. Não havia domingo que não fosse ao barranco de um rio pegar lambaris. Isso era sua arte então segredos pra este homem não havia sobre esse esporte.

Campeão no estilo, nós ficávamos admirados com sua habilidade. Tínhamos a sensação que ele fazia truques para atrair tantos peixes para seus anzóis. Os colegas não pegavam nem a metade da quantia que ele pegava no lugar.

Eu era uma menina com sete anos de idade. Meu irmão tinha nove anos. Sempre acompanhávamos meu pai quando ia pescar no rio Miringuava. Um lugar de muitos lambaris. Nós passávamos o dia inteiro entretidos com os peixinhos.

Meu pai tinha prazer de nos ensinar como pegar um lambari, com suas manhas e segredos, aos poucos aprendíamos como fazer uma boa pescada. Como éramos pequenos tínhamos que ficar em lugares seguros e demarcados para que não caíssemos na água. Meu irmão tinha medo das cobras, qualquer barulhinho ficava com os cabelos em pé. Eu era mais corajosa, cuidávamos um do outro. Meu pai tinha por costume cortar uma vara e deixá-la junto a nós. Caso víssemos uma cobra, teríamos com o que nos defender. Certa vez meu irmão afastou-se um pouco, foi na mata para fazer suas necessidades fisiológicas. Ele não percebeu nada no chão, ao abaixar-se, pisou em uma varinha seca, esta por sua vez bateu na sua bunda e foi o suficiente para sair gritando, que tinha sido picado por uma cobra. Meu pai ouviu os gritos abandonou tudo, saiu correndo em nosso auxilio.

Ao deparar com aquele desespero, meu pai queria saber o que aconteceu para tanta choradeira. Eu contei que o Ata, apelido de meu irmão, tinha sido picado por uma cobra. Meu pai ao examinar a bunda do menino, notou que não havia sinal de dentes, apenas um pontinho avermelhado. Ele foi com o garoto até o lugar e descobriu a verdadeira cobra, um pequeno galho seco. Meu pai entendeu que Ata ao se abaixar, pisou na ponta do galho e foi direto no seu bumbum. Comprovado o engano do menino, ele voltou a pescar. Para o meu irmão ainda era uma cobra, eu também pensei pela gritaria que fez, foi demais. Meu pai continuou gargalhando do susto que lhe demos.

Eu e meu irmão não deixávamos de acompanhá-lo. Sempre que meu pai viajava até o rio Miringuava, deixava o carro na beira da estrada. Íamos a pé pela várzea. Antes de chegarmos a nossos lugares preferidos, dava uma parada, olhava para os lados, dizia:
_ Nossa, que cheiro de churrio!!!!
E continuávamos andando na direção do rio.

Eu e meu irmão ficávamos apavorados sem saber o que significava aquele cheiro, pensávamos que fosse um lobo. Não perguntamos nada. Lembrávamos nos problemas causados, como por exemplo, a cobra. O pai nos deixava no lugar de costume e ia adiante pescar seus lambaris, pois não gostava do barulho que fazíamos. Ele saia tranqüilo, sabia que estávamos seguro naquele lugar. Ficava a distância nos observando, assim conseguia fazer a sua pescada. Meu irmão e eu estávamos tremendos de medo do maldito churrio. Nossa imaginação fazia com que a palavra fosse associada a imagem de um bicho perigoso, devorador de bezerros e crianças. Para não sermos pegos de surpresa pelo monstro, combinamos o seguinte:

_ Enquanto você pesca, eu fico de guarda, depois cera tua vez de proteger-me. Pegue esta vara e vigie nossa retaguarda, qualquer coisa que se mover desça o pau, vê se acerta a cabeça do bicho, não deixe ele se aproximar de nós.

Fizemos vários revezamentos. Não deixávamos nosso pai saber de nosso medo. Qualquer estalo na mata, nós entrávamos em pânico, parecia que o tal churrio saltaria sobre nós. No fim do dia, íamos embora contente, sem dizer nada para nosso pai.

Os anos se passaram e tudo aquilo ficou no esquecimento. Com o tempo me casei. No primeiro ano nasceu minha primeira filha. Para irmos pescar, apenas em raras ocasiões e assim eu sentia saudades das nossas pescarias. Meu pai continuou pescando lambaris. Meu marido trabalhava no comércio e nos domingos ele queria descansar, ficar em casa curtindo a família. Pescar nem pensar. Eu engravidei novamente, agora eram duas crianças para cuidar, mas voltei á pescaria depois que minhas filhas cresceram.

Em um bate papo animado sobre peixes com o meu marido, ele contava de suas pescas quando era menino. Entusiasmei-me e comecei a falar de minhas façanhas. O medo de meu irmão sobre as cobras. As histórias se desenrolavam com alegrias e risos. De repente me lembrei do maldito churrio. Contei a ele como tínhamos medo daquele bicho e o que fazíamos para nos defender. Falei sobre nosso revezamento na pesca. Meu marido ficou sério, olhando-me surpreso. Eu não tinha terminado a história e naquele instante ele caiu em gargalhadas sem parar, perguntei-lhe:

_ Do que você esta rindo? Aonde esta a graça, que eu não vejo? É do nosso desespero? Pois éramos crianças e não queríamos ser surpreendidos pelo bicho.
Respondeu-me:
_ Não é isto não querida! Você por acaso sabe o que é churrio?
_ É claro que não sei.
_ Pois irei lhe contar, tenho certeza que vai rir muito ao saber. Eu sei o que significa porque até quatorze anos morei e trabalhei em fazendas. Sempre acompanhei os peões nos campos. Era necessário olhar o rebanho. Quando encontrávamos animais com diarréia, os peões comentavam que aquela vaca estava com churrio danado. Diziam que o cheiro era horrível. O capim que estava brotando depois da queimada poderia estar causando aquilo nos animais. Para mim, o significado desta palavra, quer dizer diarréia fétida dos animais.

Em gargalhadas, eu disse:
_ É isto? Tenho que contar para meu irmão, pois até hoje tem receio e medo de entrar na várzea do rio Miringuava. Só quero ver sua cara quando souber que o tal churrio é na verdade, diarréia de animais. Daremos boas gargalhadas. Depois de tantos anos, eu venho, a saber, que passamos horas apavorantes na barranca do rio, armados de paus e pedras, para defender-nos de merda mole?

Ao saber o significado da palavra que meu pai dizia quando passava pela várzea: - Que cheiro horrível de churrio!! – Podemos lembrar-nos dos bons tempos de crianças e fazer aumentar as saudades das grandes pescas de lambaris no rio Miringuava. Rir do maldito cheiro que nos amedrontou como animal perigoso por longos anos e ver como a inocência de criança pode provocar medo em um adulto, pelo simples fato de não conhecermos a expressão de palavras regionais, como o tal churrio.
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