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Cronicas-->A SOMBRA DE DIMAS -- 31/10/2005 - 10:05 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


A SOMBRA DE DIMAS
João Ferreira
31 de outubro de 2005

Ao longe, a neblina afaga o pico da serra. As torres das fábricas de cimento aparecem nos confins. As primeiras chuvas caíram na terra seca. As árvores reverdecem e a grama se alegra e se recobre de vida. Lá em baixo, explodem silenciosas as nascentes e no meio da mata ciliar há cachoeiras onde tomam banho os pivetes dos subúrbios.
Dona Norma mora nas redondezas. Numa casa muito segura. Não há favelas em volta. A segurança no seu condomínio é muito grande. Mas dona Norma fica sempre preocupada. Ela dorme no primeiro andar de sua bem construída casa. Com altura suficiente para evitar a subida de um ladrão. Há ainda um telhado sobre a varanda. Mesmo assim, quem governa na casa dela é o Ferrolho, esse personagem inanimado que mantém o respeito dos ladrões pela força.
É como se vivesse numa fazenda, com medo dos ladrões de gado ou do guará da noite. Ela fecha tudo com chave e ferrolho. Logo ao anoitecer. Na hora em que as galinhas sobem para o poleiro. Ali não entra mosca nem pardal. Tudo fechadinho. É como se buscasse a tranquilidade de sua consciência, aplicando a sabedoria hindu dos budistas.
Dona Norma rega as plantas e cuida zelosamente de seu jardim. Orienta o Giovanni na limpeza da piscina e do quintal, providencia o adubo de minhoca,o adubo de gado e de galinha e também compra algum adubo químico e outros adubos naturais. Tem plantas do arco-da velha. Lá num cantinho secreto guarda "comigo ninguém pode". Tem manjericão, planta contra diabetes, capim santo, e algumas árvores de fruto: algumas bananeiras, romãzeiras, jaboticabeiras, limoeiro, manga, amoreira. Adora curtir seu espaço rural. Mas o que mais se nota é a busca de segurança em seu circuito doméstico. Sobretudo de sua moradia, onde não pode entrar, nem sequer sonhando, a sombra negra de qualquer descendente de Dimas.
Dimas era ladrão, lá na Judéia antiga. Só depois de ter sido crucificado ao lado de Jesus é que virou São Dimas. Dona Norma até que pode admitir um São Dimas que a oriente sobre as táticas da ladroagem. Mas nada do Dimas antigo, aquela figurinha que sabia furtar e roubar à maneira dos judeus espertos.
Os melhores amigos e vizinhos de Dona Norma são o João de Barro e sua Esposa. Eles frequentam o quintal da soberana dama. Tornaram-se velhos conhecidos no pedaço. Dona Norma senta na varanda e olha-os com ternura. Eles são pacíficos e educados. Aptos a frequentarem o ambiente sem causarem problemas. Catam bichinhos do chão, bebem água respingando da torneira do jardim, sobem na antena de televisão e dão seus concertos de canto elaborado na escola do instinto genético, usando as cordas vocais e as asas como se fosse um concerto de voz, canto e bateria. A amoreira, lá em baixo, é uma espécie de estalagem de beira-de-estrada. Todos os pássaros transeuntes pousam aqui. Toda a tropa aviária descansa nos ramos frescos da árvore. Desde o beija-flor, visita grada de Dona Norma, até ao bem-te-vi, passo preto e maracanã, até ao pardal e João de Barro... Centenas de bagos de amora crescem ali. Alimentam a passarada e todos sabem que podem banquetear-se em liberdade.
A amoreira fica na divisa da fazenda da União. Do alto de seus ramos, vê-se o capim seco dos campos, rastilho certo das queimadas em véspera de primavera. As redondezas são poeticamente silenciosas. De vez em quando a campainha de algumas vacas avulsas que circulam por ali quebram o religioso silêncio da campina. No mais tudo é terra virgem, selvagem, com nhambu e tatu passeando na devesa.
No dia a dia em que Dona Norma fecha com ferrolho suas portas da varanda e do primeiro andar, ela está tomando medidas contra o vóo cego dos morcegos que não terão acesso á invasão de domicílio.
Mas ao fechar com chave, em vigília rigorosa, todas as portas do primeiro andar, Dona Norma está cumprindo ritualmente e secretamente todas as memórias dos atos selvagens que praticam os discípulos de Dimas e suas quadrilhas. Isto ela o faz com a orientação de S. Dimas, o ladrão arrependido que guarda sua casa situada bem juntinho da fazenda da União, nos eixos da serra da Contagem, no Distrito Federal.

João Ferreira
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