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Contos-->OS APOSTADORES -- 28/02/2009 - 00:46 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Na pacata cidade de Pirassununga, no interior paulista, o ano de 1923 corria sem grandes novidades.
Na praça da matriz, em frente a igreja, havia um bar onde a rapaziada alegre do local reunia-se para jogar bilhar.
Os mais famosos freqüentadores formavam um grupo de amigos de infância, que tinham estudado nas mesmas escolas. Na época, já maiores de dezoito anos e trabalhando, continuavam a tumultuar a vida bucólica daquelas cercanias às margens do rio Moji-Guaçu.
Desde o grupo escolar, os meninos eram chegados a aventuras mirabolantes, que deixavam os pais e outras pessoas surpresas e apreensivas.
Para piorar a situação, todo o planejamento para dar início a uma farra, ou melhor, um desafio, era motivo para apostas.
– Duvido que você faça isso! Instigava um.
– Duvido que você faça aquilo! Respondia outro.
Assim, as apostas iam se sucedendo.
Todos sabiam que eles apenas queriam provar a coragem, através de risos e chacotas.
Os acontecimentos eram lendas na cidade, principalmente na época de ginásio daqueles foliões.
Dona Risoleta, diretora de uma escola onde haviam estudado os travessos meninos, benzia-se ao lembrar e comentar os fatos:
– Vocês nem podem imaginar o dia em que eles atearam fogo nas cortinas da sala de aula. Metade da sala ficou em ruínas. E o dia em que eles furtaram o esqueleto humano utilizado nas aulas de ciência? Levaram aquele monte de ossos para dar umas voltas na cidade. Muitas senhoras desmaiaram ao ver aquela caveira vestida com a capa de um deles, sentada no banco da praça. Sinto arrepios até hoje, ao me lembrar do dia do exame no final de ano, quando eles apareceram com uma cobra. Os endiabrados moleques, no final de semana anterior, haviam ido nadar e pescar nos remansos da Cachoeira de Emas, cheios de cobras-d’água. Caçaram um filhote de surucurana e o colocaram dentro de uma caixa de papelão e, na segunda-feira, dia do exame escrito, levaram a serpente para dentro da classe. Nem é preciso dizer que as aulas e o exame foram suspensos. Isso sem falar nas meninas que tiveram crise nervosa e foram parar na farmácia!
O rosário de travessuras ia-se desfiando com as narrativas da velha senhora.
Mesmo depois da adolescência, o grupo continuava a aprontar.
No carnaval do ano anterior, apostaram quem sairia nu no meio do cordão que animava os foliões.
Discutiram e, finalmente, a tarefa coube ao Zezinho.
No domingo de carnaval, lá pelas três horas da tarde, o corso seguia, alegre, pela rua Duque de Caxias, quando algumas jovens começaram a gritar:
– Um homem pelado! Olhem! Ele está completamente nu!
Depois de levar uns tabefes dos maridos mais exaltados, Zezinho, pelado como nasceu, foi levado à delegacia. Vestido com roupas trazidas pelos amigos, o rapaz ficou detido no xilindró até o meio-dia da quarta-feira de cinzas.
Enquanto os fiéis retardatários recebiam as cinzas sagradas, a turma do barulho estava no bar para acertar a aposta com o Zezinho.
Na semana seguinte, apostaram quem quebraria uma das vidraças da prefeitura, à luz do dia e em pleno expediente.
Lá foi o Cabral com o seu velho estilingue.
Escolheu uma pedra bem arredondada. Colocou-se na calçada, diante da prefeitura e, com a perfeição de antigamente, estourou o vidro da janela, com um barulho digno de acordar quem estivesse dormindo.
Depois de arcar com todos os prejuízos e assinar um termo de responsabilidade na delegacia, Cabral foi direto para o bar receber o dinheiro combinado.
Risadas e novos planejamentos!
Na mesma semana, durante uma partida de bilhar, outro desafio, em que todos viajariam de trem até Campinas e um deles, sozinho, deveria ir ao vagão- restaurante, almoçar e não pagar a conta.
Alfredo prontificou-se para a missão, quase impossível! Mas não para eles!
Em uma ensolarada manhã de domingo, compraram as passagens e tomaram a maria-fumaça rumo a Campinas.
Assim que o bilheteiro anunciou que o vagão-restaurante já estava aberto, a turma levantou-se e foi assistir o Alfredo almoçar, levando apenas a sua cara-de-pau, pois não tinha um vintém para pagar a conta.
Quando o trem já estava próximo a Campinas, o garçom chamou o guarda-trem e anunciou o calote.
Lá foi Alfredo para a sala do chefe da estação, onde permaneceu até o entardecer. Só foi solto porque o próprio chefe pagou as despesas da refeição daquele “anjinho” que sorria diante dele.
Voltaram no horário noturno, fazendo as maiores palhaçadas!
Heresia mesmo, segundo padre Carmelo, pároco de Pirassununga há mais de trinta anos, aconteceu no dia do padroeiro da cidade – Senhor Bom Jesus dos Aflitos.
Nossos amigos apostaram qual deles sairia vestido de filha de Maria, seguindo a procissão com a irmandade.
Sem delongas, Luizinho prontificou-se para a tarefa.
Arrumaram com suas mães, irmãs e tias, o traje necessário – um par de sapatos, meias, anágua, combinação, saia e blusa, tudo branco. Véu, também branco, o livro de orações e a indispensável vela. Por fim, “emprestaram” dos guardados da mãe do Paulinho, notória beata, a faixa azul da Pia União da Filhas de Maria

No dia 6 de agosto, depois da missa das dez horas, o andor do Bom Jesus dos Aflitos saiu em procissão pelas ruas da cidade.
De repente, ouviu-se uma gritaria entre as filhas de Maria que, até então, cantavam cânticos em louvor a Maria.
– É um homem! E vestido com o nosso uniforme! Parem a procissão!
Não deu outra. Padre Carmelo dirigiu-se até o lugar onde estava Luizinho que, todo piedoso, com uma vela na mão, jurou que apenas cumpria uma promessa.
De nada adiantaram as desculpas do rapaz. Notório farrista, conhecido entre as irmandades, Luizinho foi expulso da procissão.
Padre Carmelo jurou solenemente que Luizinho não mais entraria em sua igreja.
À noite, enquanto os fogos de artifícios coloriam a noite, a turma bebia cerveja, no bar, com o dinheiro da aposta.
Apesar de completamente destrambelhados, os rapazes tinham os seus medos e receios.
Não queriam, de forma alguma, ouvir falar de defuntos, velórios e cemitérios.
Foi quando a maior aposta feita entre eles, a volumosa quantia de dez mil réis, seria dada, por cada um, para quem atravessasse o cemitério da cidade à meia-noite de uma madrugada escura e sem lua.
Levaram mais de uma semana para resolver quem seria o herói.
Por fim, o nosso “filho de Maria”, Luizinho, ofereceu-se para a “missão”.
Esperaram uma noite de quarto minguante, com o céu encoberto por nuvens que anunciavam chuva, e rumaram em direção ao cemitério.
Lá, combinaram com o amigo:
– À meia-noite, nós ajudamos você a pular o muro, bem ao lado do portão principal. Você segue a rua do portão, contorna a capela e caminha até o muro do fundo. Chegando lá, é só gritar, avisando que chegou. Então, nós o ajudaremos a pular novamente para o lado de fora. Combinado?
– Combinado! Respondeu, trêmulo, Luizinho.
Quando perceberam que o rapaz já estava do lado de dentro, rumaram para os fundos do cemitério, a fim de esperá-lo.
Quinze minutos, nada! Meia hora, nem sinal do Luizinho. Gritaram pelo companheiro. E nada!
Resolveram ir embora, comentando que o rapaz, apavorado como estava, certamente havia desistido e voltado para casa, envergonhado.
Na noite seguinte, sem dúvida, ele teria de pagar a cada um o valor da aposta não cumprida.
Assim que clareou o dia, os portões do cemitério foram abertos. Lá pelas oito horas, um senhor deparou-se com o corpo do Luizinho, a uns trinta metros do portão, com a bainha da sua capa de chuva presa em um dos braços de uma cruz de ferro, assentada à beira de um túmulo.
O administrador do cemitério foi avisado e. logo depois, a polícia chegou. Em poucos minutos, boa parte da população da cidade ficou sabendo e se dirigiu ao local para ver o pobre infeliz.
Seus amigos, aturdidos, não queriam acreditar.
Ao prestar declarações na delegacia, contaram da absurda aposta.
A autópsia revelou que a causa da morte foi uma parada cardíaca fulminante.
Os amigos chegaram à dolorosa conclusão de que Luizinho, tenso e nervoso, andando aterrorizado na escuridão, rente aos túmulos, aterrorizou-se quando a capa prendeu-se à cruz. Certamente teve péssimos pensamentos e desabou, morto, no chão.
– Ele deve ter imaginado que alguma alma do outro mundo puxou a sua capa, ponderou Alfredo, o mais velho e inconformado da turma.
Às quatro horas, quando o caixão de Luizinho descia para a sua última morada, no mesmo cemitério, e os sinos da capela dobravam finados, todos os amigos abraçaram-se e juraram, solenemente, que nunca mais fariam qualquer aposta entre eles.
Uma semana depois, Padre Carmelo, ao rezar a missa de sétimo dia, num emocionado sermão, tirou a alma do Luizinho das profundezas do inferno e a encaminhou ao reino dos céus!
Quem quer apostar que tudo isso aconteceu mesmo?



Roberto Stavale
São Paulo, Fevereiro de 2009.-
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