Trago tanto amor em meu peito
Pena ser um amor do meu jeito:
Meio torto, meio direito
Que por vezes quer companhia, noutras?: só respeito.
O amor que eu tenho é tão grande
Que até me dá medo.
Há fase em que ele se expande,
E outra em que cai no degredo.
Preenche tudo e me sufoca:
Viro mãe-coruja na toca.
Por isso, em lapsos de dondoca,
Libero minhas crias, dou folga.
Logo em seguida,
Em meio a lambidas,
Volto a ser “mãe-suicida”
Que dá e tira a própria vida.
Dou conselhos, reprimendas.
Faço quitutes e rendas.
Cerco meus filhos de prendas.
Ponho antolhos e vendas.
Mas logo, logo me arrependo
E, então, penitente, me surpreendo
Olhando para eles, dizendo:
- Sou falha, sou fêmea, me rendo!
Saibam, no entanto, rebentos,
Que meu amor é vero e imenso!
Pode parecer coisa de momento,
Mas é ainda mais profundo que extenso!
Nem sei externar o que penso
Quando meço meu apreço infenso
Que constrói meu céu e meu inferno
Pois ele é duro, mas é terno.
Ah! Trago mesmo muito amor em meu peito!
Mas cheio de defeito:
Um misto de remédio e de rejeito...
Algo que atrai dádivas e despeito.
Um esgar de raiva e de enlevo.
Um fulgor divino com relevo.
Um sopro de esperança que espreito
Na medida mesma em que o componho.
Quase um pesadelo feito sonho
Num riso jocoso de tristonho...
Um amor abissal de tão raso,
Sem validade, sem prazo.
Um prazer com que me arraso
Um abismo ao qual me arrasto.
Meu campo, trigal, meu pasto.
Um oásis de que me afasto
Como um paraíso nefasto
Com o qual sempre me agasto!
Mas é real, um amor genuíno
Que virou meu fado, meu destino.
E, embora me ponha em desatino,
Traz-me um halo quase divino
Provocando um destemor no imo:
Imortal que sou por meus mimos,
Vivo feliz em cada prole que estimo.
Sobrevivo, enfim, por esse sentimento.
Espraiado sob a forma de carinho e de tormento.
Na esperança (vã?) de torná-lo algo bento
Sem agastar a quem adoro e dar alento
Àqueles a quem gerei e, qual fermento,
Ser capaz de alegrar, fazer crescer, dar sustento.
Enquanto isso, vou crendo, criando e amando.
Controlando a tirania do amor ao meu comando.
Evitando seu caráter mais nefando
Para fazer sobressair seu lado sacrossanto.
Porque o meu amor é tanto
Que não cabe em mim, me agiganto
Para recebê-lo e transbordá-lo em pranto
Ou em riso frouxo com que me espanto.
Tudo isso porque o amor materno
É o tipo de sentimento inserto
Que extrapola e se faz externo,
Justamente por ser extremo
E certo.
O fato é que amo e não temo.
Pois sei da minha condição tão falha!
Numa “amorosidade” que se espalha,
Se contenta com migalhas,
E enfrenta mil riscos por um filho.
Um sentimento que tem volume e brilho,
É tão palpável, etéreo e risível!
Torna a vida um estribilho,
Com mais sentido, incrível!
Algo que (em palavras) não se traduz.
Amor de mãe: misto de calor que agasalha
E direciona como a luz.
Um erro - perdoável - quando exagerado.
Um erro quando falta – um pecado!
Mas quem é sabedor do amor equilibrado?
O que sempre pondera e é racionalizado?
Sou assim: mãe que se preocupa (e se contém).
Defende seus herdeiros como ninguém!
Teme pelo futuro deles, mas confia também!
Por um sorriso deles não poupa um vintém!
Dorme pouco, reza bastante. Tem mil radares.
Capta, de relance, sem olhares,
Mudanças de humor e de ares.
Analisa, em segundos, alguns detalhes
Sem que, pra isso, o filho fale.
Sobre isso não pontuo nem virgulo.
Discorro sem parar porque circulo.
Não posso calar. Tampouco engulo...
Tal é o amor que me invade e que pulula,
Aspergindo o mel que adoça e acidula.
Vindo pronto: sem manual nem bula.
Construído sob frágil base nula.
É assim mesmo: algo que não se define.
Tamanho extravagante sob frasco míni.
Espécie de lapso celeste que o tempo redime.
Uma hipérbole pleonástica que se exprime!
Expresso sob a forma de dengo e de chamego.
Uma carícia plena, um abraço, um aconchego.
Uma vontade de invadir o outro para protegê-lo.
De sofrer por ele. De nunca perdê-lo.
De mostrar-lhe todo o meu desvelo...
Mas preciso concluir e traduzir meu apreço!
Sem ser: “ amor de mãe é tudo igual, só muda o endereço”
Qualquer coisa que, justa, não se ponha preço,
Nem sirva de mero adereço...
Como cumprir bem tal empreitada?
Se desse amor só sinto e sei quase nada...
Sofro e vivo por ele – alegre e angustiada.
Prefiro, então, deixar para algum especialista,
Capaz de dissecá-lo enquanto dele se dista
Na tarefa de defini-lo como um dicionarista.
Eu cá me ocupo de hospedá-lo, sem cura.
Vivê-lo simplesmente, como criatura:
Caindo e erguendo-se com bravura
Na esperança de uma gratidão futura
Ou (pelo menos) mais candura...
Ah! Meus filhos não são meus filhos... São da vida...
A mesma que me vê assim: confusa e dividida.
Meio mãezona e meio diva,
Que tenta ser Amélia, mas é executiva.
Uma mulher como tantas: tonta e ativa!
Uma pessoa que deseja ser reconhecida.
Alguém que pariu e por isso é tão agradecida!
Mas que às vezes também reclama
E anseia por ser só um ser que ama,
Mas tem tempo pra si e se programa.
Alguém que é ovacionado quando aconselha,
Por quem até Deus se ajoelha!
Uma overdose de amor que se prescreve
A quem se quer bem e, sem ser breve,
Se deseja ter pra sempre porque se deve.
Uma unanimidade segura e benquista!
Um tesouro ansiado, uma conquista.
O ouro do arco-íris sem tempestade.
A caixa de Pandora sem maldade.
O elixir da eterna mocidade.
O segredo da felicidade.
Mas há quem do amor de mãe deteste
E o considere a maior das pestes.
Fuja dele, o conteste.
Por esse motivo é que me determino:
Chega disso! Paro e aqui termino.
Com um gosto de desgosto na boca.
Não pude, então, defini-lo. Fui pouca.
Entrei numa enrascada e, louca,
Intentei algo que não domino.
Desisto e volto, assim, pro meu destino:
Vestir o escafandro materno (e filial),
Que muito me incomoda,
(E até já saiu da moda)
Mas me salva da água e do sal...
Me ajuda e ao mesmo tempo me faz mal.
Mas me dá vontade de viver e seguir em frente!
Sorrir meus dissabores e, contente,
Chorar pelos filhos da gente
E até por aqueles que não tive.
Mostrando que é justamente por isso que se vive!
PS.: Composto em 15/4/2010, numa tentativa malfadada de sondar o significado do amor de mãe.
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