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Contos-->A injeção -- 10/03/2009 - 15:55 (Antonio Accacio Talli) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A INJEÇÃO
Antonio Accacio Talli

Morando em uma pensão com outros colegas e também com pessoas idosas, conheci um casal com mais de 70 anos. O velho se apegou a mim e ficamos amigos. Ele chamava-se Seu Horácio e ela, D. Elsa. Seu Horácio cismou que eu, com apenas seis meses de curso médico, dominava a nobre arte de curar, e num determinado dia apareceu com uma caixa contendo 10 ampolas de um complexo vitamínico (ampolas com 10 cc, enormes e amarelas). Veio ao meu encontro e falou:

“Eu ando cansado, fraco e peço que você aplique essas injeções em mim, pois confio mais em você do que no farmacêutico da esquina. Você sabe tudo”.

Mal sabia, Seu Horácio, que eu, com apenas seis meses de faculdade, tinha verdadeiro pavor de injeções e nunca na vida havia aplicado uma única em alguém. Com a insistência e a confiança em mim depositada, não pude negar. Afinal, eu era o Doutor.

Marquei o início das aplicações para o outro dia e fui correndo comprar o estojo com a seringa de vidro e a agulha. Naquele tempo ainda não existiam as descartáveis. Seu Horácio seria o meu homem-cobaia. Pedi instruções a colegas mais tarimbados e me preparei para começar o exercício da medicina. O negócio era enfiar a agulha no músculo e injetar o líquido. Doutor é para essas horas: tem que saber e ter coragem (eu não sabia, não tinha coragem, e estava apavorado).

No dia marcado para o início do tratamento, numa tarde negra, nos fechamos no quarto do velho casal. D. Elsa, com seus 75 anos, seria minha enfermeira. Meu amigo do peito, aos 78 anos, muito falante, já sem camisa, estava deitado na cama e preparado para a injeção salvadora, o elixir da longa vida. Eram só sorrisos e confiança total no Doutor. Seu Horácio ignorava o que estava prestes a acontecer; tenso e me borrando todo, iniciei os preparativos. Quarto na penumbra, iluminado por uma lâmpada fraca, uma pequena mesa de madeira num canto coberta por uma toalha de plástico. Seu Horácio deitado na cama sem camisa, D. Elsa colocando álcool e algodão na mesa onde já se encontrava uma moringa de água. Esse era o quadro. Eu, acadêmico com seis meses de faculdade, preparo-me. Sinto-me um catedrático. Coloco o álcool na tampa que vai aquecer o estojo onde estão a seringa de vidro e a agulha. Taco fogo e dou um riso de triunfo. Até então sucesso total. Após alguns minutos, escuto o estalar da seringa, corro para a mesa e, só então, noto que uma pequena falha tinha ocorrido. O Doutor se esquecera de colocar água no estojo. Apavorado, meto a mão no estojo, retiro-o do suporte e jogo-o em cima da mesa. Com a mão queimada e ardendo, vejo o plástico e a mesa pegando fogo. Rapidamente, agarro a moringa e jogo a água fria tentando apagar o início do incêndio. A seringa, aquecida a seco, explode e se transforma em cacos de vidro. Com muito esforço e água fria suficiente, consigo debelar o fogo. O quadro é apavorante. Seu Horácio, pálido e tremendo, senta-se na cama e começa a vestir a camisa. D. Elsa, caída na cadeira, respira com dificuldade, transfigurada. O quarto está tomado por um forte cheiro de queimado e a mesa apresenta um grande buraco: o estojo incandescente furara o plástico e o tampo. O Doutor, com a mão queimada e ardendo, sem perder o domínio da situação, berra nervoso:

“Os senhores têm outra seringa para recomeçarmos o tratamento?”.

D. Elsa, andando com dificuldade e em pânico, abre
o guarda-roupa, retira uma seringa e a entrega ao Doutor. O catedrático não pode recuar, tem que ir até o fim e demonstrar que o acontecido foi um mero acidente e nunca uma falha médica.

Procurando não demonstrar o pânico que corrói o seu interior, mas sim muita personalidade e autoconfiança, prepara a esterilização da nova seringa, desta vez não se esquecendo de colocar a água necessária para sua realização. Após a fervura, abre a ampola e começa a aspirar o seu conteúdo. Nesse instante, o Doutor, totalmente trêmulo e descontrolado, dos 10 cc que a ampola continha, consegue aspirar apenas 2 cc. O resto se espalha por todo o quarto. Seu Horácio, quase que implorando, olhos arregalados, voz fraca, suplica:

“Por favor, não precisa aplicar a injeção, eu já estou bom, sinto-me forte como nunca”.

Mas era tarde demais. O Doutor, determinado a cumprir a tarefa que lhe fora confiada, parte para cima do pobre ancião com a arma – seringa – em punho. Seu Horácio, já sem camisa, arrancada à força pelo experiente médico, magro, quase esquelético, tremia tanto que o braço balançava como se estivesse tendo um ataque epiléptico. O Doutor, por sua vez, possuído por um tremor de 11 graus na escala Richter, não conseguia acertar a agulha no braço do tranqüilo paciente. Foi necessário D. Elsa segurar o braço do marido para que o Doutor conseguisse finalmente espetar o músculo Deltóide (um dos poucos conhecimentos de anatomia que o aprendiz de médico tinha adquirido até aquele momento).

Seu Horácio e D. Elsa, rezando com os olhos fechados, não chegaram a ver a aplicação. O Doutor enfiou a agulha no músculo como se fosse uma verruma e injetou a mísera e insuficiente quantidade do líquido que restara. A agulha, então, foi retirada como se fosse um saca-rolhas. A dor foi terrível. Após a exímia aplicação, o Doutor, certo de ter cumprido o seu papel com maestria, pergunta ao bom amigo:

“E aí, Seu Horácio, tudo bem, doeu?”.

Seu Horácio, transfigurado, dispnéico e com lágrimas nos olhos, responde com dificuldade:

“Doeeeu ummm... poouuqquuiinnhho” – ele era um homem fino e educado.

Daquele dia em diante, Seu Horácio, ninguém sabe o porquê, nunca mais quis tomar injeções e passou a evitar o Doutor, só saindo do quarto após ter certeza de que ele não se encontrava na pensão. O Doutor, preocupado com o comportamento esquisito do Seu Horácio, começou a desconfiar de que ele poderia ter ficado traumatizado.

O que vocês acham?

Observação: este conto, baseado em fatos reais, faz parte do livro ‘Injeções de Humor’, do médico Antonio Accacio Talli, publicado pela editora Komedi.


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