Usina de Letras
Usina de Letras
304 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62176 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22531)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50580)

Humor (20028)

Infantil (5424)

Infanto Juvenil (4756)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140791)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6183)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->BIENAL DO MERCOSUL -- 26/11/2005 - 11:00 (Antonio Perdizes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Bienal do Mercosul

Encontrei um casal amigo saindo da Bienal. Ele perguntou, fazendo um gesto com as mãos. O que havia lá dentro? Nada, respondeu ele mesmo. Não acho, sempre vejo alguma coisa em tudo, mesmo naquelas indecifráveis telas com faixas coloridas. Em arte, sou um zero, mas isso não quer dizer que elas não me causem alguma reação. Vou comentar algumas delas.

Parece que desvendei algo, isto é, compreendi o que arte quer dizer, quando assisti, numa daquela telas com projetores, uns pássaros pernilongos se alimentando numa praia, entre pedras e o vai e vem de pequenas ondas. Eu estava ali esperando pelo crocodilo que deveria surgir a qualquer momento para devorá-los, e nada. Arte é isto: expectativa, enganação e indignação.
Ficamos na expectativa de que significa alguma coisa. Enganação, não quer dizer coisa alguma. Indignação, todos deveriam se manifestar, jogando um ovo podre, ou algo assim, na obra.
Tenho uma dúzia de idéias e na próxima bienal enviarei meus projetos para os Curadores. Para ser aceito anexarei uma ou duas cartas de apresentação de meus pistolões (conheço um deputado Federal e um pintor famoso). No mundo tudo está sendo repetido, sempre vamos encontrar alguém que já fez antes. Por isso, a impressão que tive é a de que já conhecia tudo. Inclusive estas minhas idéias provavelmente são o repeteco de outras.

Dou um exemplo de como as coisas são copiadas e apenas mudam de forma: aquela instalação, com uma televisão ligada mostrando a pélvis cabeluda de uma mulher e, sobre a mesma, uma pilha de sacos vazios indo até o teto, é muito antiga, do tempo da criação do mundo. Um saco sobre uma vulva fez Deus expulsar Adão e Eva do paraíso e, naturalmente, ela também não se depilava. Por isso, tudo vai ficando sem graça e o culpado não é o artista que repete a obra e sim o primeiro que a criou. Se Deus não tivesse espalhado para todo o mundo o que Adão e Eva fizeram, o sexo hoje ficaria mais emocionante. Todo mundo sabe o que vai fazer na primeira vez sob os lençóis, aprendemos ainda crianças na frente da TV. Imaginem se não soubéssemos? Ficaríamos maravilhados com a descoberta. Por isso o mundo está ficando assexuado e, como previu o filme Barbarela, o sexo primitivo vai passar por transformações até que uma simples pílula irá substituí-lo.
Portanto, se você for inventivo e criou algo novo e é politicamente preocupado com a felicidade da humanidade, não mostre a sua obra para ninguém. Deixe que os outros também tenham esta experiência, esta sensação de criar.

Quando entrei no quarto cor de rosa e com duas camas brancas, um casal estava se ajeitando. Ela ruborizou, e então fizeram umas caras dissimuladas, saindo apressados. Olhei para os lençóis amassados e a ficha caiu (sou meio lento). Eles haviam dado uma interpretação própria à obra: motel ultra-rápido. Como eles puderam ser tão rápidos?

No pavilhão, cheio de chapas cortadas, dobradas e colocadas sob pedestais como sendo obras de arte, lembrei do Sebastião. Espero que ele nunca visite a Bienal. Quando ele se der conta de que as toneladas de ferro que compra como sobra de indústrias para vender por quilo ou para a siderúrgica são obras de arte, irá colocá-las a venda por unidade, aumentando o preço do ferro de construção para todos nós. Ficará rico realizando o sonho de todo o sucateiro: comprar uma dúzia de carros importados. O artista da sucata, ou seja, do ferro cortado na forma de arte, tem pelo que eu soube a maior credibilidade, então entendi, eu não tenho nenhuma.

Gostei de três xilogravuras pintadas (era o que se lia na etiqueta, para mim era madeira esculpida). A textura e o efeito visual impressionam, mas tem coisas que perdem o sentido quando se descobre a origem: são do Paraguai e portanto não tem confiabilidade, provavelmente vieram de alguma província chinesa. O Paraguai sempre é o suspeito, de contrabando a febre aftosa brasileira. Este artista deveria se mudar para Nova York, com muito menos ficaria famoso e rico. Dou uma dica: xilogravura conceitual.

Emocionei-me escutando os hinos da Iugoslávia num protesto contra a ONU por causa da guerra naquele país. Noutra instalação encabulei com minha reação diante das imagens de uma menina andando de balanço ao som dos gemidos de uma mulher transando. Faltou um confessionário com um padre virtual. Ninguém se confessaria com um padre real já que este, sabidamente, teria pensamentos mais sacanas do que os nossos.
Tive uma reação parecida quando vi a imagem de alguém comendo o corpo de uma mulher de chocolate. Gula e desejos se confundiram. Senti na obra do Chile o efeito caótico do passado: barricadas e repressão. Na minha instalação sobre o Chile faria uma cópia, já que elas não foram proibidas (é uma daquelas minhas dúzias de idéias). Numa tela enorme colocaria a Sigrid Alegría, do filme "Sexo com Amor", linda, nua e sorridente, despejando uma garrafa de vinho, de preferência tinto, sobre os seios com as gotículas escorrendo pelos mamilos. Sobretudo, como se fosse um carimbo, uma frase em diagonal: "Relaxe e Aproveite. O Futuro Já Chegou". Eles estão lá e remoem o passado, ficam parecendo argentinos.

Nem sempre o nu é de bom gosto. Na instalação que mostra alternadamente o mesmo homem, ora com o membro duro apontado para cima e ora enfiado no meio das pernas, tem inspiração homo ou heterossexual? Não importa. Pênis explicito sempre constrange. Pensando nisso vou tomar a liberdade de dar a sugestão para a escolha do próximo artista homenageado: Francisco Brenand, lá de Pernambuco. Ele possui dezenas de anos de experiência em obras com falos dissimulados e sem ninguém reclamar. Até as madames lá no seu enorme atelier, onde existe um grande acervo de trabalhos, ficam alisando-os com as mãos sem ficarem constrangidas. Se na Bienal tiver democracia votem no Brenand e em mim também.

Minha apoteose aconteceu quando pensava no futuro diante daquela instalação do vaso sanitário com asas. Na tela a propaganda efusiva do produto dizia que aquilo era "o futuro em suas mãos", aí o celular tocou. Era o insistente telemarketing de um banco querendo que eu transferisse minha fortuna para uma conta sem nem precisar fazer cadastro e, ainda, meu saldo negativo ficaria dezenas de dias sem pagar juros. Eu aqui, contemplativo e a milhares de quilómetros de casa, sendo invadido. Quem inventou o celular? Ou melhor, quem inventou o radio a pilha? O celular é uma evolução do rádio. É a tal cópia evoluída. O inventor quis sacanear com a humanidade, acabando com a liberdade. Você está acessível a todos a qualquer hora do dia. Deve ter sido invenção de um comunista. Foi uma armação de Stalin que deu certo no capitalismo.
Vejo no futuro todos vestindo uniformes de corporações e sendo vigiados pelos seus próprios aparelhos. Conversas interceptadas, localizações monitoradas e càmaras mostrando o que cada um está produzindo. Cartão de crédito estourado, porque foi usado para comprar a tecnologia que investe contra a própria liberdade.
- É isto que vocês querem?
Pressenti que este vai ser o motivo da terceira guerra mundial: a guerra contra a tecnologia. A próxima, não será a guerra contra o fanatismo religioso como todos estão pensando. Este será contido em breve. Os americanos ficarão finalmente espertos, colocarão em pratica a minha idéia de como acabar com conflitos religiosos sem o uso de armas. Farão uma tradução própria do Livro Sagrado, "O Alcoorão interpretado segundo George Bush". E numa manobra ousada substituirão de graça todos os livros existentes pelos novinhos, com encardenação luxuosa de fios dourados. De graça, todo o árabe muçulmano irá aceitar.

A terceira guerra mundial será motivada pelo desejo de liberdade de toda a humanidade. Iniciará quando um hacker, do bem, criar um vírus letal que atingirá todos os computadores da terra, explodindo suas memórias o que provocará uma falha no sistema de comunicação. Com os celulares e a internet paralisados as pessoas redescobrirão os prazeres de visitar os amigos e parentes pessoalmente. E, o de não ser perturbado quando estiver transando, porque você finalmente terá tempo para isso. O mundo transbordará de calor humano. Você poderá visitar um amigo no domingo, na hora do almoço, e dizer com a maior naturalidade sem causar qualquer conflito.
- O que tem para o almoço?
- Bife acebolado com purê.
- Ahhh... então vou para a casa do Geraldo, soube que lá vai ter uma feijoada.
- Hummm.... espere que vou junto. Maria desliga o fogão e se arruma. Vamos almoçar fora.
O emprego será pleno, pois irá faltar mão de obra para substituir os computadores e a violência acabará. A humanidade voltará a ser feliz. Não haverá mais corrupção, porque os políticos não poderão mais fazer transferência eletrónica de fundos para bancos no exterior e, com isso, vamos nos livrar do PT.

E a Guerra? Ora é simples. A IBM e a Microsoft estarão próximas da falência e o governo americano, sempre o vilão da história, investe todo o dinheiro do tesouro americano nas empresas chinesas que fabricam chips de memória, restaurando o sistema para que suas corporações continuem a drenar o dinheiro da terra. Quando tudo voltou a funcionar foram-se os empregos, a liberdade e as amizades. A violência retornou com toda a força. No meio da tristeza e depressão causadas, descobriu-se que o vilão era o celular e, então, iniciou-se uma reação global coletiva contra aquele retorno ao modo antigo de vida, que já se julgava superado. Todos se armaram com seus diversos celulares e começaram a jogar os aparelhos do alto dos prédios, causando uma chuva que dizimava a população. Ao invés de enviar um torpedo, era o próprio aparelho que ia danificar a testa de alguém. Depois foi a vez do computador, TV, DVD, aparelho de microondas e bomba termonuclear. Nos auto destruímos por uma causa justa.

E eu ali, parado na frente de um vaso sanitário voador, perdi a oportunidade de me desfazer do celular e agora estou gastando horas de terapia, que me custaram muito mais do que um aparelho novo, para esclarecer como tomei a atitude de colocá-lo de volta no bolso e não extravasar minha indignação jogando-o no vaso. Já descobri que esta é a maior dúvida da humanidade.
Arte é isto aí, o artista faz qualquer bobagem e você, com o espírito a fim, coloca para fora seus instintos.







Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui