Eutanásia
Antonio Accacio Talli
Um colega dando plantão no Pronto-Socorro foi escalado para um atendimento urgente em residência localizada num bairro de classe média-alta.
O colega, ao entrar na casa, observou um grande número de pessoas no interior do quarto e, na cama, o doente caquético que, já com falência dos órgãos, agonizava. Fumante inveterado, era portador de câncer de pulmão.
Nada restando a fazer, mas, para mostrar serviço e ao mesmo tempo confortar os familiares, que estavam aflitos e chorosos, o colega imediatamente aplica uma injeção na veia do paciente, tentando prolongar um pouco mais a sua vida.
Foi só tirar a agulha da veia, o doente deu seu último suspiro e partiu para o... Além.
Nesse instante o médico foi chamado, em particular, por três filhos do morto; entraram num quarto isolado, sendo a porta fechada por dentro.
Ao se ver fechado no quarto em companhia de três brutamontes, pensou: “Estou frito e mal pago. Os homens, certos de que eu acabei de matar o seu pai, irão liquidar-me e, pelo jeito, será agora. Triste fim de um pobre e promissor médico”.
Para sua surpresa e seu alívio, eles, numa só voz, falaram: “Doutor, o nosso muito obrigado por sua atitude humanitária. O senhor reconheceu o sofrimento do nosso pai e da família e o exterminou de uma maneira rápida, precisa e indolor”. E complementaram: “Tivemos sorte em encontrar um médico adepto da eutanásia. Nós queremos saber o quanto lhe devemos por essa ação desprendida e caridosa”.
Foi impossível convencê-los de que a morte de seu pai fora natural e nunca ocasionada pela injeção; eles continuavam irredutíveis: “Doutor, nós entendemos que, por ética profissional e receio de ser penalizado por infringir o código penal, o senhor não quer assumir o seu ato, mas, do fundo do coração, aceite o nosso reconhecimento e parabéns por sua habilidade, destreza e sangue-frio nas situações em que o profissional de sua área não pode titubear”.
E finalizaram: “Iremos recomendá-lo a outras famílias que sofrem com o mesmo problema e, infelizmente, não conhecem um profissional eficiente e bondoso como o senhor, que não apalpa e resolve a situação em poucos segundos. Fique certo de que manteremos em segredo absoluto a sua aceitação em executar a eutanásia”.
O colega voltou para o Pronto-Socorro triste, deprimido e, na sua cabeça, injustamente considerado um frio e cruel matador.
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