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Artigos-->Paraísos Perdidos -- 20/12/2002 - 14:38 (valmir marques) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Paraísos Perdidos

ou... A guerra da "civilização" contra a natureza na era

do capitalismo turbinado



Valmir Marques*





Todos os anos no verão sou assaltado pela mesma compulsão ao percorrer o litoral baiano. É um impulso meio mórbido e blasfemo de ver de perto o paraíso fraturado, como uma ferida gangrenada e repulsiva, para conferir sua evolução, já que a cura é mais que improvável. E sempre me ocorre a mesma idéia meio insensata a partir da lembrança de uma reportagem que li em algum lugar no inicio dos 80 (lembram quando o Big Brother, do célebre “1984” de George Orwell, era apenas uma possibilidade futura, concreta e ameaçadora e não um programa de TV?).

A materia em uma revista nunca me saiu da cabeça. Segundo o texto, um padre baiano, em sua tese de mestrado de teologia em Roma, defendia que tinha localizado com precisão o sitio onde se situava o Éden do Gênesis bíblico. E para quem ainda não adivinhou, é claro que paraíso primitivo dos pais da humanidade, na tradição cristã, tinha endereço em algum ponto da costa sul da boa terra. Quem conhece a região não tem dificuldade em concordar com o clérigo bairrista . Acho sua conclusão até óbvia. O perturbador do quadro fica por conta dos desdobramentos gerados pela entropia do turbocapitalismo em sua corrosiva relação com a natureza.



Aí não dá para não argüir a onisciência do Todo Poderoso que, ao expulsar Adão e Eva, indivíduos com claras inclinações anti sociais, impermeáveis ao pacto de convivência civilizada e hostis a autoridade, não previu nem proveu medidas de segurança contra o previsível retorno e represálias de tais elementos, certamente seguidos de cúmplices, que, se não estavam disponíveis ainda, eles mesmos estavam mais que dispostos a providenciar. Afinal foi o próprio patrão que deu a idéia catastrófica, “crescei e multiplicai...” a que o pessoal aderiu com todo entusiasmo, desde então até hoje.

Como qualquer dono de um belo jardim ou uma chácara bem cuidada sabe, está sempre a mercê de vândalos, que na calada da noite - ou no alarido do dia - buscam subtrair flores ou frutas e causar o maior estrago que puderem. Cães ferozes, cercas elétricas e alarmes não podiam ser tão difíceis de ser instalados, por mais vasta que fosse a área a proteger. Poderia mesmo ter cogitado de guardas armados, muros altos ou fossos com crocodilos.

E os primeiros e relapsos caseiros do divino retiro continuaram entusiasticamente o que estavam fazendo quando foram interrompidos pelo patrão – as sagradas escrituras não informam onde – de tal modo que sua descendência cresceu e se espalhou de modo vertiginoso. E naturalmente era só uma questão de tempo até que parte da prole fosse se instalar nas antigas paragens da bem aventurança.



E agora será muito difícil remove-los ou reparar o estrago que causaram. Porto Seguro, antigo paradigma de paraíso tropical na região, tornou-se quase uma sucursal das bocas do lixo de S. Paulo ou dos aglomerados e subúrbios cariocas. Superpopulação flutuante, com o conseqüente colapso da infraestrutura de abastecimento e saneamento, carros, fumaça, ruído, comércio de bugigangas e “artesanato” industrializado, de mau gosto e vulgar, drogas e criminalidade violenta crescente. A via de acesso às praias teve de ser guarnecida de quebra molas, para arrefecer o ímpeto homicida/suicida dos motoristas que não conseguem se descondicionar da urgência do cartão de ponto, da reunião com chefes ou clientes ou simplesmente da sanha de acelerar até colidir com algum obstáculo intransponível. Em maior ou menor escala o mesmo acontece em quase todos os outros pontos do litoral, como Morro de São Paulo, que ainda consegue se manter livre apenas dos carros.



Se o recurso ao teológico não se mostrar eficaz para a realização dos nexos procurados, nada nos impede de buscar ajuda no arsenal do pop, e para isso o referencial não está longe.



Mesmo artefatos de pouca repercussão junto aos formadores de opinião podem ser úteis. Junte-se o filme “A Praia”, de Danny Boyle, que vem a ser uma espicaçante e original releitura de “O Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, onde o viés ‘turismo como veículo disseminador da corrupção’ substitui a guerra (do Vietnam) como moldura para o eterno choque da civilização – conceito cada vez mais esvaziado de sentido, mas ainda não de todo abandonado – com a natureza, na opção de Coppola em ‘Apocalypse Now’, mais o livro – e o filme – de William Golding, ‘O Senhor das Moscas’, e teremos um painel literário e imagético bem nítido do que estamos falando.

No Vietnam, para levar o capitalismo "civilizatorio" aos bárbaros comunistas, segundo o General Westmoreland, comandante das tropas americanas, tinha-se de desfolhar as

arvores com napalm e destruir toda a vegetação para desabrigar e expor os guerrilheiros

ao bombardeio aéreo. Sempre que a "civilização" chega a natureza sofre.



Se nem o pop nem o teológico forem suficientes radicalizemos e socorramo-nos em Von Clausewitz, estudioso da arte militar, que em seu sempre citado clássico “Da Guerra”, propõe que a guerra é a continuação da política por outros meios, e talvez possamos tomar certas liberdades conceituais, superlativas, admito, e concluir que o turismo é a continuação da guerra por outro meios. No mais das vezes tão irracional e abjeto quanto.



* Valmir Marques é um turista acidental...















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Por Valmir Marques*





Todos os anos no verão sou assaltado pela mesma compulsão ao percorrer o litoral baiano. É um impulso meio mórbido e blasfemo de ver de perto o paraíso fraturado, como uma ferida gangrenada e repulsiva, para conferir sua evolução, já que a cura é mais que improvável. E sempre me ocorre a mesma idéia insensata a partir da lembrança de uma reportagem que li em algum lugar no inicio dos 80 (lembram quando o Big Brother, do célebre “1984” de George Orwell, era apenas uma possibilidade futura, concreta e ameaçadora

e não um programa de TV?).

Um artigo em uma revista qualquer nunca me saiu da cabeça. Segundo o texto, um padre baiano, em sua tese de mestrado de teologia em Roma, defendia que tinha localizado com precisão o sitio onde se situava o Éden do Gênesis bíblico. E para quem ainda não adivinhou, é claro que paraíso primal dos pais da humanidade, na tradição cristã, tinha endereço em algum ponto da costa sul da boa terra. Quem conhece a região não tem dificuldade em concordar com o clérigo bairrista . Acho sua conclusão até óbvia e sem originalidade. O perturbador do quadro fica por conta dos desdobramentos gerados pela entropia do turbocapitalismo em sua corrosiva relação com a natureza.



Aí não dá para não argüir a onisciência do Todo Poderoso que, ao expulsar Adão e Eva, indivíduos com claras inclinações anti sociais, impermeáveis ao pacto de convivência civilizada e hostis a autoridade, não previu nem proveu medidas de segurança contra o previsível retorno e represálias de tais elementos, certamente seguidos de cúmplices, que, se não estavam disponíveis ainda, eles mesmos estavam mais que dispostos a providenciar.

Como qualquer dono de um belo jardim ou uma chácara bem cuidada sabe, está sempre a mercê de vândalos, que na calada da noite - ou no alarido do dia - buscam subtrair flores ou frutas e causar o maior estrago que puderem. Cães ferozes, cercas elétricas e alarmes não podiam ser tão difíceis de ser instalados, por mais vasta que fosse a área a proteger. Poderia mesmo ter cogitado de guardas armados, muros altos ou fossos com crocodilos.

E os primeiros e relapsos caseiros do divino retiro continuaram entusiasticamente o que estavam fazendo quando foram interrompidos pelo patrão – as sagradas escrituras não informam onde – de tal modo que sua descendência cresceu e se espalhou de modo vertiginoso. E naturalmente era só uma questão de tempo até que parte da prole fosse se instalar nas antigas paragens da bem aventurança.



E agora será muito difícil remove-los ou reparar o estrago que causaram. Porto Seguro, antigo paradigma de paraíso tropical na região, tornou-se uma sucursal das bocas do lixo de S. Paulo ou dos aglomerados dos subúrbios cariocas. Superpopulação flutuante, com o conseqüente colapso da infraestrutura de abastecimento e saneamento, carros, fumaça, ruído, comércio de bugigangas e “artesanato” industrializado, de mau gosto e vulgar, drogas e criminalidade violenta crescente. A via de acesso as praias teve de ser guarnecida de quebra molas, para arrefecer o ímpeto homicida dos motoristas que não conseguem se descondicionar da urgência do cartão de ponto, da reunião com chefes ou clientes ou simplesmente da sanha de acelerar até colidir com algum obstáculo intransponível. Em maior ou menor escala o mesmo acontece em quase todos os outros pontos do litoral, como Morro de São Paulo, que ainda consegue se manter livre apenas dos carros.



Se o recurso ao teológico não se mostrar eficaz para a realização dos nexos procurados, nada nos impede de buscar ajuda no arsenal do pop, e para isso o referencial não está longe.



Mesmo artefatos de pouca repercussão junto aos formadores de opinião podem ser úteis.

Junte-se o filme “A Praia”, de Danny Boyle, que vem a ser uma espicaçante e original releitura de “O Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, onde o viés ‘turismo como veículo disseminador da corrupção’ substitui a guerra (do Vietnam) como moldura para o eterno choque da civilização – conceito cada vez mais esvaziado de sentido, mas ainda não de todo abandonado – com a natureza, na opção de Coppola em ‘Apocalypse Now’, mais o livro – e o filme – de William Golding, ‘O Senhor das Moscas’, e teremos um painel literário cinematográfico bem nítido do que estamos falando.



Se nem o pop nem o teológico forem suficientes radicalizemos e socorramo-nos em Von Clausewitz, estudioso da arte militar, que em seu sempre citado clássico “Da Guerra”, propõe que a guerra é a continuação da política por outros meios, e talvez possamos tomar certas liberdades conceituais, superlativas, admito, ao concluir que o turismo é a continuação da guerra por outro meios. No mais das vezes tão irracional e abjeto quanto.



* Valmir Marques é um turista acidental...













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