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Contos-->O RESGATE -- 22/03/2009 - 09:06 (Jose Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eram quase cinco e meia da tarde. O sol, começando a se por, dava ao céu um tom dourado, com nuances azuis e tons avermelhados, iluminando de forma especial a fuselagem prateada do avião. Sem nuvens para atrapalhar a luz, do alto da torre de comando da base, era possível de se admirar ao longe, a beleza de um jato Gloster Meteor F-8 da FAB, taxiando em direção à pista de decolagem. O pequeno jato bi-motor ao chegar no inicio da pista, preparou-se para decolar e com seus motores potentes, em instantes estava percorrendo a pista negra de asfalto, ladeada por duas filas de lâmpadas gêmeas, que aos poucos, com o aumento da velocidade, se transformaram em duas faixas continuas de luz amarela e brilhante. Ao atingir a metade da pista, o pneu da frente deixou de tocar o solo e em mais alguns instantes, os dois pneus da parte traseira também deixaram o chão e o avião agora leve e sem o atrito com o solo, deu um salto para a frente, ganhando velocidade de vôo. O sargento Eduardo tinha uma missão. Ele teria que levar o jato da Base Aérea de Canoas até o porta aviões Minas Gerais que navegava pela costa sul do Brasil, em missão de treinamento. Aquele dia, 26 de março de 1.974, iria marcar a vida do piloto daquele jato, de uma forma muito especial. Minutos após a decolagem, o F-8 com seus dois motores Rolls-Royce Derwent 8, já atingia sua velocidade máxima de 949 quilômetros por hora, em uma subida vertiginosa, na direção do infinito azul do firmamento.

Naquela velocidade, em pouco tempo, ele iria alcançar o seu destino. Eduardo era um piloto jovem e para ele, não havia nada mais excitante do que voar. Aquilo estava em seu sangue porque seu pai havia sido também um piloto de aviões. Ele tinha paixão pela aeronáutica e sempre agradecia a Deus por ter lhe indicado a profissão certa. Sua vida era voar e quando pilotava um F-8, ele se realizava, pois o jato deslizava nos ares a uma velocidade absolutamente alucinante para a época no Brasil. A máquina possante que ele estava pilotando, era o orgulho da força aérea brasileira. Ele não conheceu seu pai, pois quando nasceu, ele já havia morrido há alguns meses atrás. Desde pequeno, ele sempre perguntava à sua mãe porque todos os outros garotos tinham um pai e ele não. Sua mãe sempre lhe dizia que o seu pai tinha ido morar lá no céu. Os anos foram passando, ele foi crescendo, compreendendo melhor os fatos da vida, mas carregava em seu peito um enorme vazio. Ele sentia a ausência de seu pai, que ele aprendeu a admirar pelas coisas que lhe contavam a respeito dele. Muitas vezes, ele se sentia revoltado e mesmo tendo se tornado um homem adulto, guardava de seu velho uma mágoa profunda por ele o ter deixado, sem que ele pudesse ter tido a alegria de receber um abraço, ou um carinho dele. Inúmeras foram as noites em que ele sonhou que estava se encontrando com ele.

Em seus sonhos, ele não conseguia visualizar a fisionomia de seu pai. Eram sonhos estranhos que o atormentavam de vez em quando, mas o tempo como sempre não para. A vida segue seu rumo e agora, ele era também um piloto de aviões, exatamente como fora seu pai. Já em vôo, numa altitude de assustar a qualquer um que nunca voou na vida, tudo que ele podia ver à sua frente, dos lados e acima de sua cabeça era um intenso azul marinho da noite, todo salpicado de estrelas, que havia acabado de chegar. As estrelas do firmamento daquela noite de céu limpo, totalmente sem nuvens, proporcionavam um espetáculo à parte. A luz que vinha delas era tão intensa e pulsante, que pareciam fogos de artifício explodindo nos céus. Antes de iniciar o processo de decolagem, Eduardo havia solicitado à Torre de Controle da Base Aérea a autorização para decolar. Seu radio até então estava perfeito. Haviam alguns chiados, mas era comum e ele não se preocupou. Por um longo período, ele não percebeu nada de anormal, tanto que enquanto falava com o controlador de vôo da Base, para informar que iria mudar de faixa, para sintonizar outra e não mais iriam manter contato, a comunicação tinha sido perfeita. Já sobre o oceano atlântico, a 44.500 pés de altura, o F-8 voava como um raio, envolto pela imensidão do azul noturno do céu.

Enquanto Eduardo observava os instrumentos do painel de controle do avião, ele percebeu que a bússola estava agindo de uma forma incomum, e resolveu investigar melhor. Apesar do frio que estava sentindo, mesmo com seu uniforme especial e o capacete pressurizado, com o sistema de aquecimento funcionando a pleno vapor, Eduardo estava atento e preocupado com sua rota. Ele estava louco para poder aterrissar logo no Minas Gerais e reencontrar seus amigos, que já não via há uma semana. Quando a título de teste ele desviou o jato de sua rota numa guinada de 90 graus, a bússola endoidou de vez. Ela girava para todos os lados, imparcialmente, como se tivesse vontade própria e não quisesse apontar na direção certa. Eduardo ficou assustado, pois num vôo noturno, um piloto sem uma bússola para lhe apontar a direção correta poderia entrar em maus lençóis. Quando quis fazer contato com o controle de vôo do porta-aviões pelo radio, ele percebeu que estava mudo. Como um piloto bem formado em inteligente, mudou a freqüência de radio, na esperança de que alguém o estivesse ouvindo, mas nada aconteceu.

Foi em vão. Estava mais do que provado, que havia algum defeito também no sistema de rádio e naquele momento ele percebeu a seriedade de sua situação. No escuro da carlinga, ele podia ver os instrumentos iluminados e cada um deles, era muito importante para a segurança, mas a bússola e o rádio, eles sim, eram vitais. Eduardo agora já não via mais as luzes das cidades lá embaixo. Tudo que ele via era o oceano com sua cor negra causada pela escuridão da noite. Sem rádio e sem bússola, tudo que ele podia fazer era cuidar para manter o jato voando em uma altitude constante graças ao altímetro que ainda estava funcionando e rezar para que sua intuição o levasse na direção certa, pois ou ele encontrava o Minas Gerais e pousava nele, ou iria acabar caindo no mar, o que seria seu fim, afinal, para um jato como o F-8, seria uma pancada e tanto ao atingir as águas do oceano. Seus tanques de combustível só tinham o suficiente para voar por mais 30 minutos e após isto, seria seu fim, em algum lugar do atlântico, sem ninguém para testemunhar o que iria acontecer.

Naqueles momentos de desespero, Eduardo pensou em seu pai. Em como ele teria sido mais feliz em sua vida se um dia ele tivesse tido a chance de abraça-lo, de sentir seu amor e sua proteção. Do fundo de seu coração, ele se arrependeu de ter um dia pensado que seu pai o havia abandonado no mundo para ir morar no céu. Naqueles instantes de tensão, ele estava voando a centenas de quilômetros por hora em direção a lugar nenhum. Em certo momento, ele resolveu perder altitude. Quem sabe voando mais baixo ele pudesse chamar a atenção de alguma estação de observação por radar e alguém viesse em seu socorro. Valia tentar de tudo, afinal ele estava perdido, sem saber que rumo tomar. Eduardo moveu o manche para a frente, e seu jato iniciou a descida e em instantes ele logo estava voando bem baixo, num a velocidade muito menor. O tempo escorria como as areias da praia escorrem em nossas mãos. Com seu coração batendo rápido e sua mente já preparada para o pior por uns instantes, ele fechou os olhos e quando os abriu novamente, não pode acreditar do que viu. Voando ao seu lado, como que por milagre, havia um Ultramarine Spitfire.

Ele balançou a cabeça e pensou consigo mesmo, que só poderia estar sonhando. Contudo, lá estava ele, bem ao seu lado, iluminado pela luz da lua e ele era um exemplar maravilhoso. Eduardo havia ouvido falar sobre ele na escola de aeronáutica e sabia que tinham sido as grandes estrelas das batalhas no ar na década de 40. Ele leu um artigo que dizia que eles eram maquinas maravilhosas e possantes, equipadas com motor Rolls-Royce Merlin V-12, que lhes conferiam um poder de alcançar velocidades e altitudes absolutamente fantásticas para os padrões daquela época. Mas como poderia ser aquilo? Como um Ultramarine poderia estar ali, sobrevoando o atlântico na América do Sul, mais precisamente, tão perto da costa brasileira? Mesmo sem entender nada do que estava acontecendo, ele viu que o piloto do Spitfire acenava com a mão para que ele o seguisse. Por instantes, ele imaginou que aquele poderia ser um colecionador de aviões raros, sem experiência suficiente, num vôo louco noite adentro. Seu medo e a certeza de que iria morrer, o fizeram se apegar ao único socorro que estava ao alcance e então, ele resolveu atender ao pedido do piloto. Juntos, lado a lado, ele obedecia aos comandos manuais do piloto do Ultramarine. Faltava muito pouco para acabar seu combustível, mas ele não tinha outra escolha senão tentar. Eduardo ficou surpreso quando pode avistar em meio à escuridão a mata atlântica lá embaixo. Não havia luzes, nenhum ponto de referencia que ele pudesse usar para tentar um pouso, mesmo que fosse forçado. O piloto do Spitfire, ainda voando ao seu lado, fez um aceno apontando para baixo. Ele queria que Eduardo iniciasse uma descida. Eduardo acenou que não. Ele achava que iria simplesmente se arrebentar numa queda em meio à floresta, se o fizesse. O piloto do outro avião insistiu com tanta veemência, que ele não resistiu e começou a descer. Sem compreender o porque de estar atendendo a instruções de um piloto que ele não conhecia, que pilotava um avião que já não estava mais em operação ha décadas atrás, ele se rendeu e começou a atender a todos os comandos que recebia dele.

De repente, lá embaixo, do meio do nada, duas faixas de luzes se acenderam bem à sua frente. Seu coração de um pulo e sua mente se recusava a acreditar no que via. O desejo de viver, de poder pisar novamente em terra firme e rever sua velha mãe, o impulsionaram na direção delas. O Ultramarine Spitfire desceu com ele, até bem próximo da cabeceira da pista e de repente deu uma guinada para a direita, e desapareceu na escuridão. Em, segundos os pneus traseiros do F-8 da FAB tocaram o solo da pista e logo o pneu dianteiro também. Com uma velocidade ainda elevada para um pouso naquelas condições, ele percorreu a pista guiado unicamente pelas fileiras de luzes de suas margens, e o avião foi reduzindo gradativamente, até parar totalmente. O combustível de seu jato havia acabado, exatamente enquanto ele percorria a pista no pouso. Transpirando, com a roupa encharcada grudando em seu corpo, ele abriu a carlinga do seu jato e tirou seu capacete. Quando olhou para baixo, bem à frente de seu aparelho, havia uma cratera enorme que poderia engolir seu avião, sem o menor problema, e o pneu dianteiro, isto sim o deixou mais impressionado naquele momento. Ele estava a poucos centímetros dela. Emocionado com a sorte que teve, ele passou a mão na testa e imaginou o que teria acontecido, se depois de todo apuro que passou até encontrar ajuda, e pousar em algum lugar, seu avião tivesse sido engolido por aquele buraco. Com as pernas ainda bambas, ele viu dois faróis que se aproximavam de onde ele estava. Eram as luzes de um carro e quando ele chegou perto, Eduardo pode ver que era um velho Fusca.

O carro parou ao lado de seu jato e dele desceu um velho senhor. Ele mal podia caminhar direito e mancava com uma das pernas. Eduardo desceu de seu avião e quando o homem se aproximou dele, perguntou como foi que tinha chegado até lá, pois há muitos anos ninguém mais pousava naquela pista abandonada no meio da mata. Eduardo explicou o que tinha acontecido e o velho sorriu, dizendo que ele só poderia ter sonhado. Ele não quis levar a discussão muito adiante e perguntou se havia algum telefone naquele lugar, para que ele pudesse pedir para que o viessem resgatar. O homem disse que tinha um em sua velha casa, mas ficava do outro lado da pista e era melhor irem em seu Fusca até lá. Agradecendo a ajuda, Eduardo perguntou se não seria muito incomodo, se ele pedisse para tomar um banho, pois ele estava se sentindo mal com suas roupas ainda encharcadas pelo suor. O velho balançou a cabeça em sinal afirmativo e lhe disse que seu nome era João, e que teria muito prazer em ajuda-lo no que fosse possível. No caminho, ele lhe contou que vivia só em sua casa, que há muitos anos atrás, aquela pista era muito movimentada, com pilotos chegando e saindo a todo o momento, mas após a desativação dela pela aeronáutica, tudo lá tinha ficado ao léo, para apodrecer aos poucos, até o fim. Eduardo, apesar do susto que havia passado, ficou curioso para saber como as luzes da pista estavam acesas quando ele pousou e não resistindo, perguntou ao velho.

Com uma voz rouca e cansada, ele lhe disse que ele tinha sido o assistente de um dos melhores pilotos daquela base em sua época de ouro e que sabia como manejar tudo que havia lá, pelo menos, o que ainda estivesse funcionando. Disse ainda, que estava deitado em sua cama quando ouviu o ronco das turbinas de um avião e levantou-se o mais rápido que pode, para ver se conseguia ver algo nos céus. Não tendo conseguido ver nada e ainda ouvindo ao longe o barulho de um avião, ele resolveu acender as lâmpadas da pista, pois afinal, com toda a solidão em que vivia no meio do nada, não seria nada mau se alguém pousasse, lá só para variar. Quando o carro parou em frente à casa do velho homem, ele pode perceber que ela ainda estava bem cuidada e que seu proprietário, tinha o cuidado de manter tudo limpo e em condições de se viver dignamente. Ao entrar, eles foram para a sala de estar e o velho disse que iria pegar uma caneca com café bem quente, para aquecer um pouco. Nas paredes, havia fotos de muitos pilotos e aviões de todos os tipos, mas um deles lhe chamou a atenção. De pé, ao lado de um Spitfire, estava um homem jovem, alto, forte e com cabelos pretos. Ele usava uma jaqueta de couro, daquelas usadas pelos pilotos da época, e em sua cabeça, um capacete de couro, com um par de largos óculos usados pelos pilotos daquele tempo. Em seus lábios havia um sorriso alegre e confiante e aquela imagem de alguma forma, mexeu profundamente com seu coração. Aquele piloto não lhe era estranho. Pensando melhor, ele acabou por concluir que ele era o mesmo que pilotava o Ultramarine que o ajudou a chegar até lá, e pousar com segurança. Um feito e tanto, um milagre naverdade, considerando as condições precárias em que a pista se encontrava. Quando o velho retornou da cozinha com o café, Eduardo não pode esperar e perguntou se ele sabia quem era aquele piloto na fotografia, ao lado do Spitfire.

O velho se aproximou da foto pendurada na parede, e com lágrimas nos olhos, disse a ele que aquele tinha sido seu chefe. Que ele era o melhor piloto que já havia conhecido na vida. Um homem com um coração maior do que ele mesmo. Um ser humano que vivia para ajudar o próximo e que morreu ha muitos anos atrás, quando tentava ajudar outro piloto em apuros, perdido em alto mar. O velho lhe contou, que por uma destas coisas do destino, uma falha mecânica fez com que seu avião explodisse no ar e que a luz da explosão, chamou a atenção de outros aviões que voavam pela região, que acabaram por ajudar o piloto em perigo a pousar em segurança, naquela mesma base. Algo dentro de Eduardo pedia que ele perguntasse ao velho qual era o nome do valente piloto que havia morrido fazendo aquilo que mais gostava de fazer na vida, que era voar e ajudar aos seus semelhantes. Entre um gole de café e outro, ele ouvia o bom homem contar estórias fantásticas a respeito de seu amado comandante, e num momento, o velho pronunciou o nome do piloto, dizendo que o Coronel Augusto Maya tinha sido enviado pela FAB para treinamento na RAF e que sua paixão eram os Ultramarines Spitfire, que lá conheceu na escola de aeronáutica. Eduardo engasgou com o café ao ouvir o nome do piloto e o velho teve que lhe dar vários tapas nas costas dele, para que se recuperasse. Quando ele pode pronunciar alguma coisa, as poucas palavras que ele conseguiu pronunciar, com lágrimas correndo livremente pela sua face, foram:

Ele era meu pai...

Eduardo naquela noite, num momento de total desespero, quando se sentia mais só e desprotegido do que nunca, foi resgatado da morte certa pelo seu pai, que atendeu seu pedido inconsciente de socorro, no momento em que mais precisava de ajuda, e ele pilotava finalmente um Ultramarine Spitfire, o avião que ele mais admirou, em toda a sua vida.
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