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Contos-->O Ateu -- 13/04/2001 - 11:55 (Marcel de Alcântara) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O sol retira-se esplêndido por entre algumas nuvens rubras, raios singram para o alto como torres de uma catedral, retos como que feitos por um esquadro invisível. Surge Vênus e também ainda opaca, a Lua, prenunciando uma noite repleta de fluidos mágicos.

Do alto de um dos milhares de blocos de concreto da cidade, na sacada do seu apartamento, Alceu alheio ao espetáculo celeste observa os transeuntes apressados, rumo a seus lares.
Uma lágrima desliza em sua face e cai no vácuo.
Apenas uma palavra retumba em sua mente perturbada: Por quê? Por quê? Por quê?
Trêmulo, retira do bolso da camisa um papel todo amassado que minutos antes jogara no lixo e relê pela décima vez o seu conteúdo: "Meu filho, estou muito preocupada contigo, faz três meses que não vem visitar-me, nem dás um telefonema! Tu bem sabes o meu problema nas pernas que me impede de ir até ti. Desde a morte de tua esposa, modificastes a maneira de ser e agora vive encarcerado nesse apartamento. Alceu, lembra- te da tua infância, lembra-te de quando rezávamos juntos! Não recalcitres, Deus olha por ti, tenha fé meu filho, Ele não nos dá provas maiores das que podemos suportar. Eu te amo tanto, será que não mereço uma migalha de tua estima? Mariana agora está no paraíso, pois era um anjo encarnado na Terra, nós bem o sabemos: Quanta ternura e bondade naquele coração que tão cedo cessou o labor, pois Deus dela precisava para desígnios maiores. Acredita em tua mãe, reze e se sentirá melhor"...
Alceu num impulso de revolta joga o papel fora e entre soluços balbucia: "Deus, bem sabes minha mãe, nuca acreditei na sua existência. Pior! Se existe, como pôde levar minha Mariana tão cedo?! Quantos planos tínhamos, quantas alegrias e lutas pela frente... Vejo os mendigos lá embaixo, os pivetes cheirando cola e roubando. Vejo toda essa hipocrisia no seio de instituições de caridade, que crescem à custa do dinheiro desse povo tão sofrido! Deus, se existes, o que significamos para Você, cobaias? Marionetes de seus caprichos?"
Como um raio a idéia de suicídio atravessa sua mente e ele olha para a calçada trinta metros abaixo. A carta da mãe ainda plana no ar e suavemente deposita-se ao lado de um poste. Mas o semblante sereno de Dona Isaura com seus cabelos algodoados, interpõem-se à idéia nefasta e Alceu joga-se exausto sobre o sofá da sala reclamando entre lágrimas:
"Mariana, como posso continuar sem o seu sorriso, sua alegria de viver, suas palavras sempre sensatas direcionadas para o bem de todos? Que mundo é esse que crê num Deus implacável?!"
No dia seguinte Alceu acorda com as primeiras carícias do astro-rei. Ele levanta-se do sofá e mecanicamente liga a televisão. No jornal matutino mais uma tragédia. O repórter comenta o assassinato de um garotinho de sete anos, após ser seqüestrado e o seu pai ter pago o resgate. Surpreendentemente o pai da vítima, chorando, desabafa nesses termos:"- Eu perdôo o seqüestrador, ele é tão desgraçado quanto eu, seu sofrimento talvez seja encoberto por sua demência, ou maldade, seja lá o que for, mas que posso fazer agora? Apenas chorar e rezar para que ele se arrependa. Ódio? Eu senti no início, mas eu preciso ser forte e dar o exemplo para o meu pequeno, que com certeza, encontra-se agora ao lado de Deus!
Alceu sorri sarcasticamente: - Deus! Esse pobre homem perdeu a razão!
Alceu toma apenas uma xícara de café bem forte e dirigi-se ao cemitério, onde jazem os restos mortais de sua amada.
No caminho, coincidentemente recebe três panfletos de propaganda religiosa:
O primeiro de uma instituição católica, que ele joga na cara do rapaz que oferecera-o. O segundo é de uma instituição espírita, que logo ele se livra. O terceiro, de uma instituição evangélica, que tem o mesmo destino dos outros. Cada vez mais nervoso, explode:
_Nunca vi coisa igual, logo terão redes para capturar-nos!
Já no cemitério, Alceu passa horas ao lado do túmulo da esposa, sofrendo inconformado, relembrando o passado recente.
No dia seguinte o porteiro bate à sua porta e entrega-lhe um pequeno pacote. Abrindo-o, o rapaz estupefato depara-se com uma Bíblia.
_O que! deve ter sido a minha mãe, nem há remetente!
Irritado Alceu joga o livro embaixo da cama.
Alguns minutos depois o porteiro reaparece e sem graça, pede desculpas pelo engano. O pacote na verdade, deveria ser entregue para uma senhora que morava no andar de cima.
Depois de tantas coincidências religiosas, o jovem viúvo relembra as palavras da mãe: "Deus olha por ti"
Naquela mesma tarde ele descia no elevador, quando entrou um garoto de uns nove anos que na pureza da idade lhe perguntou de sopetão:_Moço, você acredita no papai do céu?
Nesse instante sentimentos contraditórios apossaram-se do ateu convicto. O que dizer para uma criança?
_Sim, sim, acredito.
_Ah, que bom, sabe, eu vi na televisão um moço que disse não acreditar, como deve ser triste esse moço, não é?
_Sim, sim, realmente.
À noite, Alceu reflete sobre os últimos acontecimentos. O sobrenatural parecia perseguí-lo...Ele dirigi-se à sacada e observa o céu: lá está a lua tantas vezes admirada por ele e sua esposa. Ao lado do satélite, a constelação de Orion e suas três estrelas unidas como que num bailado sideral. Alceu sente uma onda de paz percorrer todo o seu corpo. Há meses não conseguia admirar as belezas da natureza.
Lá embaixo ao lado do mesmo poste onde pousara a carta de sua mãe, um mendigo dorme profundamente.
_Deus, por quê? Se governas realmente o mundo, dê-me uma prova, ajuda-me a crer! Como posso fazê-lo com cenas como essa?
De repente, uma van branca estaciona próxima ao indigente e três pessoas saem com algumas roupas. Uma delas carrega consigo uma marmita. Suavemente acordam o pobre coitado e no silêncio da noite, Alceu escuta o ecoar de agradecimento do mendigo:
_Deus os abençoe, Deus os abençoe.
Alceu chora copiosamente.

Marcel de Alcântara



Fim
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