Tragédia no morro
Antonio Accacio Talli
Emergência para uma senhora desfalecida, esse era o telefonema dado para a Central de Atendimento do Pronto Socorro.
Eu, quartanista de Medicina, pouco acostumado com a rotina do PS, fui escalado para atender ao chamado. Passei ¬a mão na valise de doutor, e, juntamente com o enfermeiro e sua enorme mala de remédios, parti na ambulância com a sirene ligada e em alta velocidade. Ela ia surfando pelas avenidas e ruas, e eu, apavorado e agarrado ao banco – ‘não passava nem pensamento’. Chegamos embaixo de um grande morro, onde várias mulheres choravam e uma delas gritava:
“Minha mãe, minha mãe, coitada!”.
Começamos a subida do morro por um atalho estreito de terra, acidentado e sinuoso. Na frente ia o Doutor, seguido pelo enfermeiro e pelas mulheres que choravam e rezavam, parecendo uma verdadeira procissão. O morro era alto e quando o cortejo atingia já a metade da subida, um homem alto e forte surge obstruindo a passagem.
O Doutor não pode ter medo, e recuar nem pensar, porém, ligeiramente assustado e com o coração na mão, olha para baixo e pensa:
“Se esse homem me der uma cacetada vai demorar uns dez minutos para o meu corpo se esborrachar nas pedras salientes ou nas águas do mar”.
Escorando-se pelo lado do barranco, chega frente a frente, olho no olho, do homem que permanecia estático e calado. Com voz firme – mas se borrando todo – o Doutor pede:
“Com licença”.
Ele nem se mexe. Espremendo-me todo entre o homem e o barranco, consegui ultrapassar o obstáculo com passos firmes e decididos – eta Doutor macho!
Ao chegarmos ao topo do morro, conduzidos pelas mulheres, entramos em um casebre simples com apenas um quarto e uma pequena cozinha. No meio do quarto, uma cama de casal, e deitada sobre ela uma senhora idosa toda ensangüentada. O Doutor acomodou-se numa pequena cadeira ao lado da cama para examiná-la e, então, aquele homem que obstruíra o caminho sentou-se no outro lado, permanecendo calado.
O exame foi rápido, pois a pobre anciã já estava morta, com sinais claros de violência. Olhei em direção ao homem que estava na minha frente e pensei em lhe dirigir a palavra para comunicar o diagnóstico de morte consumada.
Nesse instante, notei que uma mulher fazia sinais para que eu me dirigisse até a cozinha. Fui até ela que, tremendo, disse:
“Doutor, aquele homem é meu irmão; fugiu do hospício e matou a minha mãe a pauladas. Cuidado”.
O Doutor, apavorado, sentindo a gravidade da situação, pensou:
“Se ele tiver outro acesso, estou frito. Puxa vida, elas podiam ter me avisado lá embaixo, quando ainda eu poderia fugir. Agora, o que é que eu faço?”.
Aí, lembrei-me de um colega que trabalhava num manicômio, o qual sempre me dizia:
“Louco respeita médico quando este se impõe com auto¬ridade”.
Não vendo outra saída, era matar ou morrer – ou correr –, gritei:
“Todos aqui vão tomar uma injeção na veia, e o senhor é o primeiro!”.
O colega tinha razão. Ele veio calmo, pacífico, e deitou-se num pequeno sofá ao lado da cama. Rapidamente, o enfermeiro aplicou um sonífero e, poucos minutos após, o louco roncava pesadamente.
Pedi para que a família avisasse imediatamente a Polícia, e me mandei antes que o louco acordasse.
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