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Contos-->O ESTRANHO DENTRO DE NÓS -- 23/03/2009 - 23:31 (Jose Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O céu azul, totalmente limpo, sem uma nuvem sequer, prometia mais um dia de verão escaldante no litoral paulista. A praia já tinha muitos banhistas caminhando na areia naquele horário da manhã. Alguns mais afoitos que passavam por nós, já tinham ido até a estátua de Iemanjá na Cidade Ocean e estavam voltando. Uma caminhada e tanto a se percorrer. Como ficávamos todos os anos no mesmo apartamento, conhecíamos muitos moradores da Vila Guilhermina na Praia Grande, e as vezes, quando estávamos caminhando pela praia, as pessoas paravam um pouco para descansar e muito orgulhosas do feito, diziam até onde tinham ido na caminhada matinal. Era muito cedo quando resolvemos ir para a beira do mar com uma turma de amigos. Aproveitando os poucos dias de férias juntos, nós não queríamos perder nem um segundo sequer. Passamos horas de muita descontração sentados nas cadeiras embaixo dos guarda sóis, tomando água de coco gelado, trocando idéias, sentindo a brisa do mar e ouvindo o barulho das ondas a se quebrar. Foi uma manhã muito agradável para todos nós. Quando o sol já estava a pino, resolvemos voltar para o apartamento onde estávamos e almoçar tranqüilos. Depois de uma boa soneca, que aliás, era de lei todos os dias depois do almoço, resolvemos voltar para a praia e aproveitar tudo que tivéssemos direito até o sol se por.

No caminho, brincávamos uns com os outros descontraídamente, quando eu percebi um mendigo vindo em nossa direção. Ele andava na rua puxando um carrinho daqueles que algumas pessoas usam para recolher objetos jogados no lixo. Ele era feito de madeira, apoiado sobre duas rodas de bicicleta. Fiquei imaginando como aquelas rodas tão frágeis agüentavam tanto peso. Observei que havia nele uma quantidade imensa de tralhas que para pessoas comuns não valem absolutamente nada. Mas para aquele homem, elas deviam representar o seu ganha pão. Meus amigos ao avistarem o pobre homem, cada um à sua maneira fez uma expressão de desgosto por sua aparência. Sem ao menos pensar no que estavam por fazer, a maioria deles preferiu atravessar a rua, já que ele estava vindo em nossa direção, bem ao lado da calçada por onde estávamos caminhando. Fui literalmente puxado por um deles. Mesmo sentindo dentro de mim uma sensação estranha de desgosto por aquele ato, acabei cedendo e os segui para o outro lado. O homem deveria ter uns sessenta anos ou mais e seus cabelos brancos, amarelados pelo tempo, estavam desalinhados e sujos. As roupas multicoloridas que ele estava vestindo, provavelmente, doações feitas por pessoas diferentes, em seu conjunto, me fizeram lembrar as obras de Gaudi.

As cores vibrantes de cada peça, contrastando com sua aparência física mal cuidada, faziam dele uma imagem não muito agradável de se ver. A expressão que havia em seu rosto, puxando aquele carrinho como se fosse um animal atrelado a uma carroça, era de alguém que tinha raiva até mesmo do ar que respirava. Enquanto caminhávamos na direção contraria à dele, já na outra calçada, não pude tirar meus olhos daquele pobre homem. De alguma forma, a situação em que ele se encontrava na vida me incomodava demais. Ouvindo as piadinhas de mau gosto feitas pelos meus amigos a respeito dele, eu estava me sentindo mal. Era de um jeito que eu nunca havia me sentido na vida. Quando ele estava cruzando conosco do outro lado da rua, a calçada ao lado de onde ele estava passando estava completamente vazia. Todas as pessoas que estavam indo ou vindo da praia caminhando por ela, haviam se desviado para o outro lado. Exatamente como eu e meus amigos. Ao me dar conta do que estava acontecendo, eu parei e fiquei observando o jeito dele andar. Parecia que ele não via nada à sua frente. Em seu rosto estava estampada uma dor muito profunda. Uma tristeza de tocar o coração. Ele não estava dirigindo seu olhar a nenhum ponto em específico. Era como se seus olhos estivessem vidrados. Como se ele não visse nada à sua frente.

Apenas caminhava na direção do lugar para onde deveria ir, que por certo deveria ser o mesmo de todos os dias. Foi o que pensei. Meus amigos já iam bem à minha frente e nem deram pela minha falta no meio do grupo. Estavam rindo e fazendo chacotas sobre o pobre coitado. Resolvi seguir em frente e me juntar a eles. Andei alguns passos sem olhar para trás. De repente, ouvi um barulho enorme e me virei rapidamente. O pobre homem havia tropeçado em alguma coisa, e ao cair, seu carrinho virou espalhando todas as coisas que estavam nele no meio da rua. Com dificuldade ele se levantou, colocou com muito esforço o carrinho em pé, e começou a juntar seus preciosos achados, espalhados pelo chão. Tive a impressão de que suas costas deviam doer muito. Eu percebi. Ao abaixar-se para apanhar algum objeto, ele colocava as mãos nelas, com uma expressão de dor. A estas alturas, muitos transeuntes que passavam pelo lugar apenas desviavam-se para a outra calçada como todos os outros, e os que não o faziam, passavam direto por onde ele procurava desesperadamente recolher seus objetos. Nem ao menos olhavam em sua direção. Era como se ele não existisse. Como se ele não estivesse ali na frente de toda aquela gente, passando por aqueles maus momentos. Ninguém. Absolutamente ninguém se propôs a ajuda-lo.

Aquilo mexeu comigo. Eu nunca pensei que um dia eu sentiria algo parecido. Olhei para a direção de onde se encontravam meus amigos e eles estavam me chamando para seguir com eles. Um deles gritou de longe para que eu deixasse de lado aquele homem. Que ele iria se virar sozinho, ou algum trouxa iria aparecer para ajuda-lo. Uma revolta foi crescendo dentro de meu peito. Vendo aquela situação pela qual ele passava, relembrando aquele rosto sofrido e com aparência de odiar a própria vida, eu não pude tomar outra decisão. A despeito dos assovios e piadinhas de meus amigos, dos olhares incrédulos das pessoas que passavam pelo local, me aproximei de onde ele estava, e me abaixei para ajuda-lo. Quando ele percebeu minha presença, levantou a cabeça segurando dois objetos que tinha apanhado no chão. Quase rosnando me disse para ir embora. Que não precisava da minha ajuda. Um tanto assustado, olhei em seu olhos e por um momento, eu senti medo de que ele os atirasse em mim. Ele me olhava com tanta fúria, que eu cheguei a estremecer. Aquela sensação de receio durou pouco dentro de mim. Decidido, eu me abaixei, apanhei alguns objetos e comecei a recoloca-los no carrinho.

Atônito com minha atitude, ele balançou a cabeça como se achasse que eu estava louco ou coisa assim. Sem dizer mais nada, mesmo contrariado, ele também começou a apanhar outros objetos e coloca-los do carrinho. Em pouco tempo, nós dois havíamos juntado tudo que havia caído. Quando acabamos, eu achei que ele fosse simplesmente virar as costas e ir embora. Mais uma vez na vida, eu fiz um julgamento precipitado. O velho homem virou-se para mim, apoiou-se no carrinho e fechou os olhos, como se estivesse sentindo uma tontura ao ter levantado bruscamente após apanhar um objeto que teimou em cair de novo. Quando os abriu novamente, ele me olhou bem dentro dos olhos e com uma voz rouca e cansada, ele me agradeceu com uma única palavra. Obrigado. Surpreso por receber aquele agradecimento, eu simplesmente sorri. Disse que não havia sido nada e que foi um prazer poder ajudar. Tremulo, ele colocou a mão direita em meu ombro. Sua face se iluminou com um sorriso lindo e meigo, que naquele momento pareceu ter literalmente lavado de seu rosto aquela expressão de dor, de tristeza e rancor até pelo ar que respirava. Ele ficou com a mão em meu ombro algum tempo. Sorrindo em olhando em meus olhos. Lágrimas rolaram naquele instante, dos olhos dele, e dos meus. Foi um momento emocionante que uniu dois seres humanos da maneira como deve ser.

Pelo amor. Pela solidariedade. Pelo prazer de fazer o bem sem olhar a quem. Por uns poucos instantes, nosso mundo foi um só. Nossas metas eram as mesmas, e juntos, sem as barreiras do orgulho, do preconceito e da discriminação, nos unimos pela nossa essência humana. Aquela que nasce conosco quando aqui chegamos, mas é corrompida pela dita sociedade. Varias pessoas que passavam por nós, olhavam para aquela cena como se não acreditassem que eu pudesse deixar aquele mendigo me tocar daquele jeito. Aquilo antes poderia ter me incomodado, mas naquele momento não mais. O que havia dentro de mim era algo que até então eu desconhecia, mas aquela sensação, sem dúvida nenhuma estava me fazendo muito bem. Ele retirou a mão de meu ombro, estendeu-a em minha direção para que eu a apertasse. Sem hesitar eu correspondi. O que aconteceu naquele instante de minha vida, foi o aperto de mão mais sincero e mais verdadeiro que eu já tinha recebido. Ele se virou, caminhou até seu carrinho cheio de tralhas, e seguiu seu caminho. Pensei que ele fosse ir embora sem olhar para trás. Mais uma vez eu me enganei. Depois de caminhar uma boa distancia, ele deu uma parada e virou-se para acenar com a mão. Com o coração mais leve do que nunca em minha vida, sentindo uma paz que eu nunca senti, eu também acenei e sorri. Em uma das travessas ele virou uma esquina, e desapareceu. Não sei porque, mas tive uma vontade imensa de vê-lo mais uma vez. Andei em direção à esquina em que ele havia virado, mas quando olhei ao longo da rua onde ele entrou, misteriosamente ele havia desaparecido. Um tanto chateado e confuso com aquilo, eu retomei meu caminho.

Meus amigos envergonhados por eu ter parado para ajudar o velhinho, já tinham ido embora para a praia. A rua Haiti voltou ao normal. Nas calçadas, dos dois lados da rua, havia pessoas indo de lá para cá. Não sobrou nem sinal do que havia acontecido há bem poucos minutos atrás. Enquanto eu caminhava, relembrei de mil outras situações que aconteceram antes em minha vida, onde eu poderia ter ajudado, mas não o fiz. Por orgulho, por preconceito, por vergonha de me expor, mas principalmente, por achar que o mais importante era o que as outras pessoas iriam pensar de mim. Que coisa estúpida. Eu pensei. Leve como uma pluma, eu caminhei em direção à praia. Ao chegar lá, fui procurar meus amigos no lugar de sempre, mas não os encontrei. Lembrei-me de procurar no quiosque que ficava quase em frente ao supermercado Beija-flor. O lugar onde eles adoravam tomar uma cervejinha e comer peixe frito e camarão. Foi lá que os encontrei. Passamos o resto da tarde conversando, rindo e brincando o tempo todo. Fui motivo de piadas e brincadeiras a respeito do que eu fiz. Mas nada parecia me afetar. Se eles fizessem brincadeiras como as que estavam fazendo comigo em outros tempos, eu não teria gostado e provavelmente teria revidado. Mas naquela tarde não.

Eu estava num alto astral tão grande. Sentia me tão bem para comigo mesmo, que eu não dava a mínima para o que diziam. Eu não ligava mais para o que as pessoas pudessem pensar de mim. Em certo momento, pareceu-me não ouvir mais ninguém à minha volta. Com os olhos distantes e fixados na direção do mar, eu estava me sentindo com uma estranha energia. Foi algo tão forte que é difícil explicar. Aconteceu de uma maneira como nunca senti em toda a minha vida. Lembrando de tudo que aconteceu e pensando bem, aquele pobre homem, triste e sofrido, que quando o vi pela primeira vez carregava no rosto uma expressão imensa de dor e tristeza, me apresentou a alguém que sempre esteve dentro de mim, mas eu sempre fiz de tudo para evitar o contato com ele. Ao dizer aquele simples obrigado depois que o ajudei, colocando sua mão em meu ombro, com aquele sorriso doce e meigo em seus lábios e compartilhando comigo aquelas lágrimas sentidas, ele me apresentou a mim mesmo. Ao meu verdadeiro Eu. Um Eu que eu nunca soube existir. Alguém diferente do que sempre fui, apenas para agradar as outras pessoas, e ser aceito normalmente pela dita sociedade. O Eu que não tem medo do que elas possam falar ou pensar dele. Uma pessoa autentica que faz o que faz, por achar que é a coisa certa a ser feita.

Não porque os outros e o sistema criado pelos próprios homens determinam que seja feito assim, ou assado. Este novo Eu estava me fazendo feliz. Olhando o mar, com suas ondas mansas naquela tarde, um sorriso brotou em meus lábios, eu sorri para mim mesmo. Uma sensação de plenitude tomou conta de meu ser. Descobri que havia me transformado em um alguém muito melhor do que era há poucas horas atrás. Sentia do fundo de minha alma, que sentado no banquinho daquele quiosque da Praia Grande, estava um ser humano diferente. Que aprendeu que depois de amar, o mais lindo verbo que se pode conjugar, é o verbo ajudar. Que tudo que estava acontecendo comigo, só foi possível porque aquele pobre homem humilde e sofrido, com apenas uma palavra de agradecimento e um sorriso, me apresentou a uma pessoa muito especial. Ele me colocou em contato com alguém que sempre esteve dentro de mim, mas do qual eu nem sabia da existência, pois estava cego pelos padrões de comportamentos criados e ditados pela tal sociedade dos homens. Este que antes eu não conhecia, era o meu verdadeiro Eu. Que até então, nada mais era do que um estranho dentro de mim.

A bondade existe no coração do ser humano por essência e ela nasce junto conosco quando chegamos a este plano astral. Contudo, desde pequenos, somos instruídos pelo sistema ditador da sociedade, que somos obrigados a aprender e seguir cegamente as regras e padrões existentes, apenas para sermos aceitos como pessoas normais.

Uma sociedade que em poucas palavras, cria as leis dos homens, mas não segue como deveria as verdadeiras e únicas Leis. As Leis de Deus. O nosso Eu interior é uma centelha divina. Carrega em si todo o poder do amor. Há dentro de cada um de nós um estranho, dando sinais o tempo todo de que esta lá. De que precisa ser conhecido e libertado para poder se manifestar e agir em nome daquilo para o qual fomos criados. Somos parte viva e pulsante do amor deixado neste mundo quando Deus nos criou. Alguns de nós, descobrem esta verdade ainda em tempo, mas outros, quando já é tarde demais. Precisamos conhecer e acreditar pelo nosso bem e pelo bem das futuras gerações, na existência do nosso verdadeiro Eu, o estranho dentro de nós.

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