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Contos-->OS JARDINS DO PARAÍSO -- 24/03/2009 - 00:12 (Jose Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Há muito, muito tempo atrás, talvez até duas vezes mais tempo tenha se passado, do que eu possa contar, no Bairro da Consolação, na capital de São Paulo, um homem muito forte morava numa casa onde não havia muros, apenas uma pequena cerca de madeira e do lado de dentro dela, ficava seu lindo jardim. Era um jardim muito grande, com uma grama suave e ao longo dele, muitos pessegueiros faziam a alegria dos passarinhos nas manhãs ensolaradas e cheias de luz. O Jardim era tão lindo, que não havia aquele que passasse em frente à casa, e não se apaixonasse pela visão, principalmente, quando chegava a época das floradas dos pessegueiros, que se transformavam em verdadeiros buquês de lindas flores pequeninas, em tons de Rosa bem suave e de um Amarelo bem claro, com nuances peroladas, que verdadeiramente davam encanto e magia, à atmosfera do jardim.

O homem grande e forte que morava na casa, se chamava João, mas era conhecido por todos no Bairro como João Montanha. Este apelido lhe havia sido dado pelas suas complexões físicas avantajadas, pois além de ser muito forte, era muito grande também. Ele vivia só, era viúvo, havia perdido sua esposa no parto de seu primeiro filho e desde então, ele perdeu a fé, não acreditava mais em Deus, pois ele achava que se Deus existia, ele era ruim e não tinha compaixão, pois como poderia um Deus bondoso, tirar dele, a pessoa que mais amava na vida e seu filho que estava por nascer. Durante a semana ele trabalhava, saia cedo de casa e só voltava à noitinha, assim, quando as crianças saiam da escola, por volta de meio dia, elas vinham correndo para brincar no jardim, tão belo e florido que fazia a alegria de seus corações. Mas um dia, João Montanha resolveu passar em sua casa no período da tarde, para pegar uns documentos que ele havia esquecido e quando lá chegou, ficou enraivado e furioso com o que viu. As crianças brincavam alegremente por todo o jardim, muitas haviam subido nos galhos das arvores, outras brincavam de pega-pega ou esconde-esconde, numa euforia sem igual, mas quando elas o viram, o jardim inteiro emudeceu.

As crianças não disseram nem mais uma palavra, até os pássaros nas arvores pararam de cantar e João Montanha enfurecido, ordenou aos gritos com sua voz de trovão, que todos saíssem imediatamente de seu jardim, porque aquele lugar é sua propriedade e ele não iria permitir a invasão de quem quer que fosse, muito menos das crianças, a quem ele detestava e de quem ele nem queria ouvir falar. Ele, no auge de sua raiva, mandou derrubar a pequena cerca de madeira e construiu um muro de dois metros de altura, com um portão de ferro, cheio de pontas de lança, para que ninguém pudesse entrar. Desde aquele dia, as crianças não tinham mais onde brincar. Elas tentaram brincar nas ruas, mas não era a mesma coisa, pois as ruas eram sujas, duras, cheias de pedras e elas não gostavam disto. Era muito comum se juntarem em grupos, meninos e meninas, conversando e falando sobre a falta que sentiam de brincar no jardim e se lembravam com tristeza, de quão felizes elas eram, naquele lugar mágico e cheio de luz.

Então como sempre, a Primavera chegou e por todo o Bairro da Consolação, nas floreiras das janelas, nos jardins das casas e das praças, lindas flores desabrocharam e os mais lindos pássaros cantavam alegremente, pareciam querer dizer com seu canto, que natureza, assim como eles, estava feliz com a chegada dela. Contudo, no jardim de João Montanha, a Primavera não chegou, nele, ainda era Inverno, pois os pássaros não mais se importavam em pousar nas arvores, já que nele não havia mais crianças a brincar e as arvores por sua vez, de tanta tristeza, esqueceram-se de florir. Até mesmo uma pequena flor desavisada, quando resolveu se abrir e viu o clima frio e tenebroso de Inverno do jardim, recolheu-se em seu botão e voltou a dormir. Os únicos que estavam felizes naquele lugar, eram o vento frio e a geada, que com sua temperatura abaixo de zero, queimava até mesmo a grama do jardim.

O frio e a geada estavam tão felizes com aquele lugar que até disseram que já que a Primavera havia esquecido aquele jardim, ali elas permaneceriam o ano inteiro. O vento que carregava um frio congelante, arrancou todas as folhas das arvores e a geada, cobriu todo o chão com um manto branco, em tons de prata, matando sufocadas e queimadas, as folhas pequeninas e delicadas, da grama do jardim. Sentindo-se solitários, o frio e a geada convidaram os ventos das geleiras do Pólo Norte para vir lhes fazer companhia e quando eles chegaram, já entraram devastando com sua força, o que havia sobrado do jardim de João Montanha. Os ventos das geleiras se lembraram que seu primo, o redemoinho dos ventos, iria adorar o lugar e eles o convidaram também e quando ele chegou, entrou rodopiando e rodopiando, carregando consigo tudo que encontrava pelo carinho, e assim ele ficou, de lá para cá, até que resolveu arrancar algumas telhas do pequeno coreto que havia no jardim.

O redemoinho gostou tanto daquele lugar, que não resistiu e quis compartilhar aquela delicia com seu amigo americano o tufão e ele veio. Quando ele chegou, já foi logo arrancando parte do telhado da casa de João Montanha, quebrando varias janelas sem dó nem perdão e lá dentro da casa, sentado próximo a uma das jalenas, ele olhava para o ambiente cinza e sombrio de seu jardim e não compreendia, o porque daquele Inverno tão rigoroso e violento, muitos menos, o porque da Primavera ter chagado a todos os outros jardins, mas estar demorando tanto para chegar ao dele. Lá no fundo de seu coração, de alguma forma, ele precisava acreditar que ainda era possível o tempo mudar. Mas a Primavera nunca mais chegou, nem o Verão. O Outono trouxe consigo frutas douradas e todos os jardins da região, mas no jardim de João Montanha não, e assim, lá naquele lugar, antes lindo, cheio de flores, cheio de vida, agora era sempre Inverno, com geada cobrindo a grama e os ventos das geleiras e o redemoinho, dançando num imenso frenesi, entre as arvores do jardim.

Numa manhã, muito tempo depois, João Montanha estava ainda deitado em sua cama, envolto em toneladas de cobertas, quando ouviu uma linda canção e ela soava em seus ouvidos, como o som de uma orquestra, tocando em uníssono, a mais bela valsa de Strauss. Mas não, era apenas um canarinho, cantando do lado de fora de sua janela, mas já fazia tanto tempo que ele não ouvia um pássaro cantar em sua janela, que para ele, era musica mais linda do mundo. Então ele se levantou de sua cama e foi até a janela para ver se conseguia ver o pequeno pássaro cantor e o que ele viu, encheu se coração de alegria, pois a geada havia derretido, os ventos das geleiras haviam se transformado em brisas suaves, o redemoinho e o seu amigo americano o tufão, pareciam ter desaparecido, tão rápido quanto chegaram, e um perfume suave e maravilhoso entrava pelas frestas de sua janela. O que aconteceu, foi que com a força dos ventos das tempestades, do tufão e dos redemoinhos de vento, uma parte do muro havia caído e por lá, as crianças entraram no jardim e estavam brincando alegremente na grama e nos galhos dos pessegueiros, na verdade, em cada arvore havia uma criança e elas estavam tão felizes com a volta das delas, que floriram como num passe de mágica, tornando o jardim de João Montanha, o próprio espírito da Primavera.

Os pássaros voavam em torno do jardim, de galho em galho, felizes e cantando e as flores, pareciam sorrir, acariciadas suavemente pela brisa da manhã e esta visão era a mais linda que ele havia visto em sua vida, contudo, em um canto de seu jardim ainda era inverno e a geada, os ventos das geleiras, o tufão e o redemoinho ainda agiam sem piedade e lá, em meio a tudo aquilo, embaixo da arvore, havia um pequeno garotinho e ele chorava copiosamente tremendo de frio, mas ele chorava não era pelo frio, era porque não conseguia subir nos galhos do pessegueiro como os outros meninos. Seu pranto era tão triste e sentido, que ao ver, perceber a dor do garotinho, o coração de João Montanha que havia se tornado frio e insensivel derreteu e ele, vestindo-se o melhor que pode, saiu para o jardim em direção ao garotinho, mas quando as outras crianças o viram sair da casa, elas correram de medo daquele homem forte e de mau humor. Quando elas acabaram de sair do jardim, no mesmo instante, a área em que elas brincavam, foi novamente tomada pelo Inverno, e com ele todos os seus amigos e seus convidados.

João Montanha então percebeu o quanto tinha sido ranzinza e egoísta, ele compreendeu o porque da volta da Primavera ao seu jardim, mas sua atenção estava voltada para aquele pequeno garotinho e tamanha foi a pena ele sentiu do pobrezinho que ele só pensava em ajudar aquela tão frágil criancinha. O garotinho não percebeu a aproximação dele, porque seus olhos estavam embaçados pelas lágrimas e quando João Montanha foi chegando mais perto, ouviu a arvore dizer ao garotinho que ela iria baixar seus galhos, o mais que ela pudesse para ele subir, mas ele era tão frágil e pequenino que não conseguiu alcança-los e seu pranto de dor e desencanto foi ainda maior. Aquele homem enorme pegou nos braços o pequenino, o colocou sentado num dos galhos do pessegueiro e no mesmo instante, as flores da arvore se abriram, envoltas em tons de Rosa e Amarelo Perolado, os pássaros foram se chegando, sentaram-se nos galhos dela e logo começaram a cantar.

O pequenino, sentado no galho e apoiado por João Montanha, abriu o mais belo sorriso, passou seus pequenos braços em volta do pescoço dele e com um olhar de adoração, deu a ele o mais delicioso beijo que uma criança pode dar. As outras crianças vendo tudo aquilo, voltaram uma a uma e brincaram no Jardim e em suas brincadeiras elas passaram a incluir o Tio João, como agora era chamado por elas e ele, mais parecia uma delas enquanto brincava com todos e seu novo amiguinho e assim, aquele que antes tinha um coração duro, frio e era tão egoísta a ponto de não querer compartilhar com as crianças as belezas da natureza, transformou-se também em uma criança, porque dentro dele, daquele coração duro, havia também um garotinho, só esperando que alguém o chamasse para brincar.

No final da tarde, todos foram embora na promessa de voltar no dia seguinte e Tio João, depois muitos e muitos anos de solidão e insônia, pode dormir em paz consigo mesmo e realizado por ter libertado o garotinho quer havia dentro dele também. Nos próximos dias, nas próximas semanas, nos próximos anos, todas as tardes depois das aulas, o jardim dele se transformava em um Play Ground e isto, não importava a estação do ano, porque lá, com a presença das crianças em sua vida, era sempre Primavera. Contudo, seu amiguinho, aquele pequenino que ele ajudou a subir nos galhos do pessegueiro, que lhe deu o primeiro beijo de sua vida, nunca mais apareceu e o tempo foi passando, as crianças iam crescendo, Tio João ia envelhecendo enquanto outras crianças surgiam para brincar em seu jardim, mas em sua memória, estavam guardadas as lembranças dos olhos cheios de amor e vida, daquele garotinho quando o abraçou e beijou.

Por vezes ele indagava aos jovens adolescentes que haviam sido crianças brincando em seu jardim, se eles tinham tido alguma noticia, ou se souberam do paradeiro do garotinho que ele tanto amava, mas de quem, nem o nome sabia e as respostas de todos eram negativas, pois o pequenino, do jeito que apareceu, desapareceu, sem deixar vestígios. O tempo como sempre não volta atrás e Tio João, tão amado pelas crianças, agora já era o Vovô João, um homem velho, cansado, com artrite e reumatismo, já não podia mais andar direito, quanto mais brincar com as crianças em seu lindo jardim, mas ele, se contentava em ficar sentado em sua cadeira na porta de sua casa, admirando as crianças correrem de lá para cá, ouvindo o som de seus sorrisos, esbanjando felicidade e ele dizia a si mesmo, que as crianças são a maior benção de Deus.

Numa manhã, ele acordou e viu algo estranho através de sua janela, levantou-se com dificuldade para ver melhor, era o Inverno que havia chegado ao seu jardim, mas ele não detestava mais o Inverno, porque ele sabia que como a Primavera, as flores também precisavam descansar, mas algo mais lhe chamou atenção, num dos cantos de seu jardim, ao lado de um dos pessegueiros, estava um jovem rapaz, cabelos pretos e compridos, naquele frio, vestindo uma camiseta branca, calça Jeans e calçando um par de sandálias havaianas. Ele ficou curioso para saber o que aquele jovem rapaz estava fazendo lá. Vovô João saiu de seu quarto em direção à porta de sua casa e desceu com dificuldade as escadas para o jardim. Quando ele se aproximou do rapaz, ele não quis acreditar no que viu, esfregou seus olhos com os dedos, para ter certeza de que não estava vendo coisas.

No rosto daquele rapaz, que o olhava com um sorriso doce e suave, estavam aqueles mesmo olhos que lhe ficaram na memória desde muito tempo atrás. Eram os olhos do pequenino que ele ajudou a subir na arvore, há tanto tempo, que ele já tinha até perdido a noção de quanto. O jovem estendeu seus braços em sua direção e o abraçou longamente, e entre lágrimas de alegria e contentamento, Vovô João disse a ele quanta saudade ele havia sentido nos anos todos de sua ausência. Após o abraço, ele quis segurar as duas mãos do jovem rapaz que tanto amava e quando ele as teve entre as suas, seu rosto ficou vermelho de revolta e indignação, pois no meio de cada uma das mãos do rapaz, e também em cada um de seus pés, havia uma cicatriz que obviamente tinha sido feita através de um prego que nelas atravessou. Quase sem conseguir falar, ele indagou ao rapaz quem teria feito com ele tamanha maldade, dizendo que iria tomar providências contra a pessoa de tamanha maldade, pois o jovem quando pequeno certamente, deveria ter sido vitima de violência infantil e isto, isto ele não iria admitir.

Mas o rapaz, com seus cabelos negros e longos, com sua barba comprida e seus olhos de um intenso azul da cor do céu, disse a ele que não, que ele não precisava mais se preocupar, porque aquelas marcas em suas mãos e em seus pés, já haviam cicatrizado ha muito tempo, que ele havia sofrido muito e injustamente quando os pregos atravessaram suas mãos e seus pés, mas que agora para ele, elas eram nada mais, nada menos, do que as marcas do amor. Vovô João, que um dia foi o João Montanha e depois o Tio João, naquele momento, sentiu uma emoção imensa tomar conta de seu ser e caiu de joelhos em frente ao jovem que havia sido o portador quando pequenino, do primeiro beijo que ele recebeu de uma criança. O rapaz sorriu e disse a ele para se levantar e por estranho que parecesse, ele não sentiu dificuldade em faze-lo e enquanto isto, o rapaz lhe dizia que quando criança, ele o havia ajudado a subir no galho do pessegueiro e permitiu gentilmente que ele brincasse com ele em seu jardim, e que agora, ele iria retribuir a gentileza, levando-o para brincar em sua casa, em seus próprios jardins, que ficavam lá no Paraíso.

Vovô João respondeu ao rapaz que ele não tinha mais forças para caminhar, que mesmo que chegasse com ele até sua casa para conhecer seus jardins, não poderia mais brincar, nem correr, estaria tão cansado da viagem do Bairro da Consolação ao Bairro do Paraíso, que só iria querer dormir. Foi então, que o rapaz ainda sorrindo, com o braço em volta de seu pescoço, disse a ele que não haveria cansaço algum, e quando lá chegassem, ele poderia brincar e correr com ele o quanto quisesse, sem dores, sem medos, sem o peso do tempo em suas costas, porque na verdade, ele o iria levar para o Céu, para brincar para sempre, nos jardins do Paraíso.

Naquela tarde, quando as crianças chegaram para abraçar, beijar e brincar com o velho e querido Vovô João em seu jardim, elas o encontraram morto, ele estava deitado, como se estivesse dormindo e tendo um lindo sonho, embaixo de um dos pessegueiros, coberto por um manto flores caídas da arvore, em lindas nuances de cores, que variavam entre o Rosa bem claro e o Amarelo pálido, com tons perolados, numa mistura de cores tão linda e especial, que só poderia mesmo ter sido criada, pelas mãos do maior artista de todo o Universo, por mãos divinas, pelas mãos de Deus.

Certamente, enquanto todos velavam o corpo do velho Tio João, entre lágrimas e preces por sua alma, tentando imaginar como era possivel que em pleno Inverno, ele estavivesse coberto de flores quando partiu deste mundo, ele estava lá em cima, ao lado de seu amigo, o primeiro amigo verdadeiro que ele encontrou em sua vida, e que mudou seu destino para sempre.

Tal qual uma criança, livre, leve, solto, como nunca se sentiu na vida, com um sorriso largo nos lábios, agora ele estava brincando, nos Jardins do Paraíso.
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