Eu era um marxista empedernido. Queria salvar a classe operária, mal sabendo que classe que não tem classe não se salva. Eu li o Livro Vermelho. Li "O Capital" inteiro e escrevi uma tese sobre Lênin. Tive que apoiar até mesmo o realismo socialista que chegava de Moscou. Virei comunista, fui preso pela ditadura militar, sofri um bocado. E, como todo bom comunista, achava Freud dispensável, e considerava a psicanálise apenas uma "técnica de manipulação pequeno-burguesa". Mas eis que o Acaso na esquina da vida em forma de vaso caiu-me por sobre. E o meu grande amigo Gaiarsa me virou a cabeça. Apaixonei-me por ele e pelas coisas que dizia. Coisas óbvias, mas que eu nem percebia. Mudei. Conheci Moreno e Reich. Deitei-me com Jung e Cioran. E depois fui jogado nos braços de Osho ao lado de uma cachoeira escandalosa em São Francisco. Desabei-me sobre mim num balaio de flores e estrelas. Vi ruírem todas as minhas estruturas intelectuais. Vi que a seriedade era risível. Agarrei-me no Livro Orange. Destruí as minhas convicções. Rasguei minhas gravatas, desfiz os meus laços, descasei-me em baciada. Aquilo que sempre desprezei passou a ser fundamental, de uma hora para outra. Nietzsche, de quem eu mantinha enorme distància política, passou a ser meu sócio nas loucuras mais gostosas. Comecei a dançar a vida com Roger Garaudy. Tirei a máscara e mostrei meu rosto. Existenciei-me. Transei com Sartre, e beijei Henry Miller na boca. Meu Deus! Acordei para sempre. E o próprio tempo passou a ser meu. Enfim, assumi o comando do meu destino.