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Contos-->PADRÕES -- 26/03/2009 - 00:16 (Jose Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
1969. Madrugada de domingo e eu não conseguia dormir, tamanha minha excitação. Eu ia ver o mar pela primeira vez! Nossa viagem iria começar às 04:00s e eu não via a hora de partir, eu havia me deitado na véspera e fiquei o tempo todo olhando para os ponteiros do relógio, como se quisesse com a força do pensamento fazer o tempo passar mais depressa e a ansiedade me consumia. Só sei que dormi talvez no máximo umas duas horas naquela noite e quando chegou a hora de partir, meu coração batia mais rápido e era como se eu estivesse sendo levado para receber um prêmio há muito desejado.

Naquela época, as viagens não eram tão confortáveis e tão rápidas como hoje, mas ir num ônibus de excursão tinha vantagens que nos de trajeto convencionais não estavam disponíveis aos passageiros. Me lembro que durante a descida da serra de São Paulo para o litoral paramos três vezes e as paisagens que pudemos admirar eram de fazer qualquer ficar pasmo com a exuberância da natureza da mata atlântica. Eram cachoeiras que despejavam suas águas a dezenas de metros acima no topo das montanhas, fazendo com que as águas se dissipassem durante a queda transformando-se em gotas que formavam uma chuva quente e deliciosa quando chegava a nós cá em baixo onde estávamos parados.

A mata, com suas plantas molhadas pelas gotas de água caídas das cachoeiras exalava um perfume fantástico que era um misto de cheiro de madeira molhada com cheiro de ervas e flores silvestres, era para mim um sonho sendo vivido ali naquele exato momento. Levamos três horas para chegar ao litoral e durante este tempo de viagem aproveitamos o máximo que pudemos nas paradas que fizemos pelo caminho. Nosso destino era a cidade de Itanhaem, mais precisamente a Praia dos Sonhos onde chegamos às 07:00s e quando o ônibus se aproximou da orla marítima e o mar se tornou visível, não posso descrever exatamente o que senti, pois foi uma mistura de tudo, êxtase, excitação, alegria, encantamento, medo, paixão à primeira vista, respeito e contemplação da imensidão do que significa estar vivo.

Nossa parada era um Hotel que ficava do lado direito da Praia dos Sonhos, bem em cima dos rochedos e foi lá que descemos do ônibus e eu sem poder me conter fui correndo para a areia da praia, já com os pé nos chão, para sentir o prazer de ter os grãos infinitamente pequenos sob meus pés, causando aquela sensação de grandeza de enormidade de ser gente, de estar vivo e fazendo parte integrante da natureza. Todos os outros garotos que foram na excursão, mais do que depressa foram colocar seus trajes de banho e caíram na água imediatamente, porém eu não.


Rodeando o Hotel haviam rochedos estonteantes para mim e som do mar arrebentando-se nas pedras me atraiu mais do que ir para a água com os outros e fui andar pelas pedras e admirar a força e a imensidão do mar em toda sua magnitude. Muito jovem eu era, mas tinha um diferencial, eu já pensava muito e aprender sobre o mundo e as coisas que o compunham era para mim um prazer inenarrável. Fiquei nas pedras muito tempo, horas mesmo, observando as ondas e seus padrões, queria compreender como e porque elas se formavam e porque sempre se arrebentavam nas pedras, ou morriam nas areias da praia.Eu só queria entender para poder aprender a ouvir a voz do mar.

Neste ponto, falar sobre a voz do mar é algo que pode parecer incompreensível para alguns, mas para mim, desde o primeiro momento em que ouvi o som do mar, pude sentir no mais profundo intimo de meu ser, que ele estava falando, sim falando em sua própria linguagem, em seu próprio idioma, que ele estava vivo, que era forte e poderoso, que poderia ser muito bom, mas muito cruel também, dependendo de como ele fosse tratado. Que ele é um ser vivo como qualquer outro, que sente dor, alegria, tristeza, paz, tranqüilidade ou no extremo a mais completa fúria e revolta quando é agredido. Observando as ondas e seus padrões, estudando-os, eu pude compreender como agiam e quais os fatores que traziam alterações em seu comportamento. Foi como se o mar, ele mesmo falasse dentro de minha cabeça, que eu era parte dele mesmo, que mesmo nunca tendo estado perto dele nos meus quinze anos de vida eu sempre havia sido parte dele, talvez até mesmo por toda eternidade.

Padrões na vida e na natureza são comuns, mas os padrões também podem sofrer alterações e o mar é a maior prova de que nunca se pode confiar totalmente em padrões, que nunca se pode confiar cegamente em coisas que são comuns e constantes em nossas vidas, que elas podem mudar, assim como o mar muda os padrões de seu comportamento, quando a natureza e as circunstancias ao seu redor o obrigam a mudar a direção e a intensidade das ondas, causando em determinadas situações, arrebentações tão violentas que destroem tudo que encontram pela frente. Assim como o mar, nossa vida pessoal é cheia de padrões, de situações que são tão costumeiras e continuas que muitas vezes confiamos demasiadamente em suas constâncias e acabamos sofrendo muito com as alterações repentinas que ocorrem, sem que estejamos preparados para isto.


É comum e muito confortável confiar num padrão de comportamento para com as pessoas que amamos e esta confiança pode ser a causa de muitas tristezas que sofremos, e mesmo sem saber, nós somos os causadores destas mudanças que tanto nos afetam. Assim como o mar sofre alterações em todo o seu ser durante uma tempestade, alterando os padrões das ondas que se comportam totalmente diferentes de quando o céu esta limpo e o vento sopra suavemente, nossas vidas também são afetadas pelas mudanças repentinas dos padrões que nos são tão comuns. O mar tem seus padrões criados pela natureza e mesmo assim eles podem ser alterados de acordo com as circunstancias que se apresentam ao longo dos tempos, porém, nós seres humanos criamos nossos próprios padrões e muito convenientemente acreditamos que eles serão eternos e não nos preocupamos com as circunstancias em que vivemos, nem como nos comportamos em relação às pessoas que amamos, crendo piamente nos padrões que nós mesmos criamos e é ai, que muitas vezes perdemos na vida pessoas que verdadeiramente amamos, por não nos preocuparmos com as mudanças dos padrões que criamos.

O mar de alguma forma faz parte de mim, de minha alma e ele sempre me ensina com sua voz que ecoa dentro de minha mente, desde o primeiro momento em que o vi, como se telepáticamente ele se comunicasse comigo desde então, me dizendo que na vida um marinheiro pode escolher o vento que pode levar seu barco a um porto seguro, mas o vento pode ter em mente sua própria direção. Nunca devemos confiar cegamente em padrões, pois padrões também mudam, assim como pode mudar o vento que o marinheiro escolhe, levando seu barco a se arrebentar nos rochedos, e com ele, o marinheiro e sua vida.



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