ETERNAMENTE EM NOSSOS CORAÇÕES
Fernando Zocca
Movendo seus 63 kg concentrados em 1, 80 m de altura, ela caminhou tranqüila em direção à porta da saída. Os cabelos longos, castanhos e meio que rebeldes, esvoaçaram por decorrência dos passos.
Com o filme que acabara de alugar, dentro da bolsa, ajeitou as chaves do carro. Ao se aproximar, notou a beleza das novas lanternas traseiras.; atribuiu também à suspensão, o conforto que lhe proporcionava o banco de couro.
Deu a partida, e como que num passe de mágica acionou um dispositivo ligando o rádio. Era raro, naquele horário, aquela emissora transmitir noticiários. Mas o locutor explicava: "O INSS paga em média, 340 reais mensais, para 20 milhões de brasileiros. Existem atualmente, 1.000 servidores públicos, que absorvem 20.000 reais por mês, da instituição. Esse desequilíbrio e suas conseqüências você, meu caro ouvinte, pode sentir nas feições, vestes e saúde aparente dos cidadãos brasileiros mais comuns".
A moça sentiu uma zoada nos ouvidos.; o formigamento dos membros preocupou-a. "Talvez fosse o calor do ambiente" - pensou ela., acionando o ar condicionado. Seus olhos injetados foram logo ocultos pelas lentes dos óculos de sol. Ela pensava no rábula. Podia ser que o escroque ainda estivesse vivo. Imaginou uma forma de mostrar ao mundo a safadeza que ele aprontou. Pensou em dar-lhe um sopapo igual ao que o Subrata desferiu no Júnior, atacante brasileiro, morto num jogo de futebol, lá na Índia.
Um espirro violento fez com que ela desligasse o ar condicionado. Abriu então as janelas frontais.
Depois de entrar numa rua menos movimentada, notou uma senhora corpulenta varrendo a frente da casa. Como Simone não tinha pressa, aliviou a pressão no acelerador, aguçando a vista. Ao passar pela mulher viu quando ela abaixou-se para erguer alguma coisa. "Ih, olha lá o cofrinho da vovó!" - exclamou.
Quando parou na esquina, à espera da passagem de outro carro, pensou: "Nunca deveria ter assinado aqueles documentos. Fui roubada! Ah, dog of the hells! Cane degli inferni! Maledetto! Um dia pagarás! De hora em hora, lembranças minhas sentirás!"
Simone acelerou, vencendo facilmente, a rampa mais íngreme da entrada do seu bairro. Lá no cume ela matutou: "Ele vai se arrepender de ter falado que eu gosto de pegar na mangueira todos os dias."
Ela almejava deixar aqueles dramas todos para trás. Na cidade já tinha gente falando mal do prefeito que nem posse ainda tomara. Os maledicentes, e seus teclados peçonhentos, propalavam ser o cérebro do Jarbas igual a repartição pública: existir, existia, mas não funcionava.
Desejava tirar umas férias. Quem sabe, passar uns bons dias lá no Porto de Galinhas, perto de Recife, ajudassem espairecer. Passear de buggy pelas praias, onde o mar tinha águas calmas, seria ótimo. Queria esquecer aquele ladrão pançudo, e seus arquivos mortos.; que seu rabo se incendiasse!
As piscinas naturais fariam bem para a vista, pele, e a saúde em geral.; recarregariam as energias. Se se encorajasse a ir, não deixaria de chegar às praias urbanas de Maceió. A de Pajuçara não escaparia.
Quando estacionou o carro, Simone desligou tudo, saiu e, com o chaveiro-controle-remoto, fechou os vidros e travou as portas. Ao abrir a da sua casa pensou: "Tenho de procurar um médico urgente. Essa coceira na cincha está me perturbando.; um saco!. Não agüento mais tanta siririca. Quero aproveitar pra falar, ao doutor, sobre os efeitos ruins do Xenical. O chato é que ele vai martelar a mesma tecla: reeducação alimentar! Quer saber, amiga? Cansei!"
Num outro derradeiro bate-papo virtual com uma figura imaginária Simone asseverava:
- Não quero riqueza, não fofinha! Isso tolhe a liberdade da gente. O que mais anseio é um trampo bacana, donde possa tirar o sustento pra minh alma.
Fernando Zocca é escritor, advogado e jornalista
Leia também da série Finalmente Tupinambica das Linhas se Ferrou: TARJAS FÚNEBRES, TARJAS FÚNEBRES II, A PACHEQUICE, ABRE TEUS OLHOS, O COLARINHO BRANCO DO JARBAS, ZÉ TAPINHA, JARBAS, O NÓ CEGO, e A LOUCURA COLETIVA.
Breve: O CHUVEIRINHO.
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