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Contos-->O TREM AZUL -- 30/03/2009 - 20:45 (Jose Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"Dia 26 de março de 1962, dia de meu aniversário, hoje eu faço 8 anos de idade e como sempre não vai ter nada, mas para mim é um dia mais do que especial, hoje eu vou poder viajar de trem pela primeira vez em toda minha vida, mal posso esperar!"

Era exatamente assim eu estava naquela manhã, numa expectativa total, com ansiedade, agitado, com medo de algo dar errado e acabar com meu sonho de subir a bordo daquele trem que eu vivia contemplando por anos a fio. Mesmo sem saber se um dia eu iria ter a chance de embarcar naquele trem, sempre que dava o horário dele passar, eu corria para a beira do rio Tietê que passava bem ao lado de minha casa, de onde eu podia vê-lo lá no alto do morro e ficava fascinado quando aquela nuvem de fumaça que saia da locomotiva surgia na curva, por entre as árvores, mesmo antes de se poder enxergar o trem.

Para mim, ele era a única coisa real com que eu podia contar, parecia vivo, nunca falhava e aparecia na curva, pontualmente às 11:00 da manhã, apitando quando se aproximava da estação da Vila Sorocabana, que ficava do outro lado do rio, depois da Rodovia Presidente Dutra e para mim ela era algo inatingivel, pois para chegar lá, eu precisaria atravessar o rio de canoa e depois atravessar a pista da rodovia, sendo que sozinho eu nunca o faria, não tinha coragem e de qualquer maneira, sem um adulto era impensável. Seu apito era como musica para meus ouvidos, onde quer que eu estivesse, o que quer que eu estivesse fazendo, saia correndo para poder vê-lo passar todos os dias. Me lembro que naquele dia, minha mãe estava doente e meu pai estava num lugar chamado Barra Funda, nome estranho que eu imaginava literalmente, ser um lugar muito fundo, onde as pessoas iam para lá trabalhar e ficavam presas, sem poder sair.

Minha tia foi nos visitar pela manhã e viu que não havia nada em casa para comer e faltavam muitas outras coisas e então, ela resolveu logo cedo que iria até o Mercadão de São Paulo e precisaria de alguém para ajuda-la a carregar as coisas, assim eu fui o escolhido, por não haver outra opção. Quase não pude acreditar que aquilo estava acontecendo! Precisamente às 10:15 da manhã, saímos em direção à estação, atravessamos o rio de canoa com a ajuda de um peão da Olaria onde morávamos e depois cruzamos a rodovia que naquele horário, quase não tinha movimento de carros. Minha apreensão só diminuiu, quando chegamos à estação à 10:55 e subimos à plataforma de embarque, que não tinha sequer uma escada, era possível subir apenas com a ajuda de um homem que parecia estar lá, só para ajudar as pessoas na dificil tarefa de subir até lá.

Pontualmente às 11:00, ouvi o apito do trem e vi a fumaça vindo por trás das arvores em nossa direção, nem posso descrever a sensação que senti naqueles momentos, foi algo que era uma mistura de tudo, mas principalmente, a realização de um sonho meu. O barulho da locomotiva foi crescendo mais e mais à medida que ela se aproximava da estação, eu tremia, admirando as engrenagens que faziam suas rodas girarem, em completa perplexidade, estava no céu naquele momento. Quando o trem finalmente parou e o maquinista liberou o vapor em excesso, faltou muito pouco para eu cair sentado, achei que tudo ia explodir, mas logo voltei a contemplar a maquina com admiração, pensando comigo: Que força! Que poder!

O bilheteiro desceu a escadinha do trem para a plataforma e gritou para todos embarcassem logo, pois tinham que cumprir o horário, coisa que muito tempo depois, fui compreender que naquela época, era ponto de honra tanto para ele, quanto para o maquinista. Minha tia segurou minha mão, subimos a bordo, eu nem piscava tamanha minha ansiedade de ver o vagão por dentro, em cada detalhe. Os vagões por fora eram pintados de azul claro, sendo que por dentro os bancos de passageiros eram feitos de ripas de madeira amarelada, lisinhas, chegavam a brilhar, as paredes internas do vagão eram em um amarelo bem claro, sendo o chão também de madeira, porém em marrom escuro. Para mim, era o lugar mais lindo que já havia visto na vida, pois minha casa era muito pobre e de chão batido. Nos sentamos, minha tia me deixou ficar na janela e nesse momento, meu sorriso era radiante, era tudo que eu sempre quis, estava feliz e não via a hora de partir.

Em poucos momentos, o maquinista apitou dando sinal de partida e a locomotiva deu um tranco de arranque, começamos a andar devagar, aumentando gradativamente a velocidade e eu apreciando da janela, tudo por onde passávamos. Não conseguia ter noção se nós estávamos andando para a frente, ou se tudo lá fora é que estava cada vez mais, correndo para trás. A Estrada de Ferro Sorocabana fazia a ligação da Cidade de Guarulhos com o Mercado municipal na Estação Areal e até chegar lá, a linha percorria vários bairros que só podiam contar com o trem como meio de transporte. Lembro-me ainda hoje, que quando o trem fazia as curvas da estrada de ferro, eu fiquei fascinado ao ver o último vagão lá atrás, virando curva, após curva, como se estivesse nos seguindo por onde quer que fossemos. Árvores, macacos, pontes, rios e lagoas, assim como casas e vilas de ferroviários, se revezavam rápidamente pelo caminho. Tudo que eu nunca havia visto, que somente ouvia os adultos falarem, estava passando bem ali, na minha frente e graças àquele trem tão querido, que todo mundo chamava de Maria Fumaça e eu só não entendia, por que chamavam um trem, com nome de mulher.

Tive a melhor experiência dos meus 8 anos, bem no dia do meu aniversário, um presente que não foi programado, mas que eu recebi e ficou gravado em meu coração e em minha alma para sempre, numa viajem de sonhos, saindo de onde eu morava, passando por Vila Augusta, Jardim Tranqüilidade, Tucuruvi, Jaçanã, Torres Tibagy, entre outros, até chegar à Estação Areal, ao lado do Mercadão, hoje Mercado Municipal de São Paulo, próximo ao Parque D.Pedro II. Fiquei por dias atordoado com todos os acontecimentos bons daquele dia, coisa que não era comum acontecer comigo, mas por um acaso do destino, tive o melhor e único presente de minha infância. A Maria Fumaça da Estrada de Ferro Sorocabana, menos de um ano depois, foi substituída por uma locomotiva a Diesel que todo mundo passou a chamar de “Cara Chata” e pelo que sentia nas conversas que ouvia, era muito pior que a velha locomotiva movida a vapor, pois mesmo ela sendo nova, vivia quebrando e sempre chegava atrasada.

A magia que girava em torno da Maria Fumaça, não afetava somente a mim, mas aos adultos também e eles sentiram assim como eu, uma tristeza profunda com a desativação da velha locomotiva. O tempo passou, o progresso veio e levou consigo até mesmo a antiga estrada de ferro, que deu lugar a um enorme Anel Viário, que hoje vive entupido de automóveis. A frieza, a falta de magia e romantismo das ruas e avenidas asfaltadas, não nos traz nenhum sentimento especial como tínhamos em nossos corações naquela época. Porém, por uma daquelas coisas do destino, a musica que marcou minha vida e a da pessoa por quem me apaixonei pela primeira vez na vida, foi “Seguindo o Trem Azul”, cuja letra fala de um Trem Azul de uma forma muito especial e a magia do Trem dos meus sonhos, a cada vez que a ouço esta música, volta à minha mente e associo aquele raro momento de felicidade de minha infância, com toda a felicidade que esta pessoa trouxe à minha vida.

O Trem Azul passou pela minha vida e eu embarquei nele por duas vezes, a primeira quando criança, realizando um velho sonho de menino e na segunda, ele me levou para longe através da música e me fez conhecer a estação do amor, me mostrou vida, luz, esperança, paz, carinho e crença de que tudo pode ser, quando o amor é verdadeiro, pois ele fica para sempre no coração, mesmo que este amor um dia não esteja mais presente fisicamente em nossas vidas, assim como foi com a velha Maria Fumaça, que há muito se foi, mas permaneceu em meu coração por toda a vida. De vez em quando, eu fecho meus olhos me transporto no tempo e no espaço, posso até ouvir o apito da locomotiva, e por vezes, quando abro os olhos novamente, fico na dúvida se estou acordado ou sonhando, se de repente ela não vai aparecer dobrando a curva, trazendo com ela meu grande amor que há muito se foi para o céu. Nestes momentos, peço a Deus que um milagre aconteça, que o Trem Azul possa levar nele, a mim e ao meu amor, juntinhos mais uma vez, mesmo que seja pela última vez, para que façamos de uma forma mágica e sublime, a viagem final...


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