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Contos-->A SEREIA -- 31/03/2009 - 20:57 (Jose Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Num dia de domingo, ha muitos anos atrás, quase todos os personagens do folclore brasileiro se reuniram no salão paroquial da igreja que eu freqüentava e lá, marcando suas presenças estavam o Curupira, o Saci Pererê, a Mula sem Cabeça, o Boitatá, o Lobisomem, a Caipora, a Cuca e todos eles estavam fazendo um verdadeiro barulhão, correndo de um lado para o outro, cada um querendo mostrar que podia ser mais rápido e mais esperto que o outro, gritando, pulando, puxando e empurrando, um verdadeiro pandemônio e lá estava eu, no meio de tudo aquilo, apreciando e tentando coordenar os grupos por espécie, dizendo a eles quem ficava de que lado do salão e no meio de qual grupo de seres cada um deveria ficar.

Naquele dia, a pessoa que cuidava das crianças na faixa etária que ia dos 6 aos 12 anos não pode comparecer e alguem tinha que cuidar delas enquanto os pais assistiam a cerimônia dominical e como o padre sabia que eu adorava crianças e tinha muita paciência para com elas, me incumbiu de substituir o rapaz e logo imaginei um jeito de entretê-los, mas teria que ser de uma maneira que todos participassem ao mesmo tempo, interagindo uns com os outros para que houvesse um bom entrosamento entre elas e tambem pudessem se auto conhecer um pouco melhor.

Resolvi então fazer um jogo que envolvia a participação de vários “seres” do folclore brasileiro, fiz uma lista de nomes no quadro negro e pedi às crianças que escolhessem quem cada um queria ser e o resultado, logo foi uma grande agitação.

Entre sussurros de consultas uns aos outros, seguidos de gritos logo após decidirem quem cada um queria ser, já que cada um queria gritar mais alto que o outro o nome do ser folclórico que havia escolhido ser, logo se formaram vários grupos de todas as espécies da lista de seres mitológicos do folclore que eu havia lhes dado e o salão paroquial logo estava em polvorosa.

A idéia, era que eles adquirissem durante a brincadeira o senso de grupo e identidade individual, coisa que nesta faixa etária começa a ter um grande valor para formação de um futuro adulto, que jamais se esquece daquilo que aprendeu com seus mestres, isto é claro, se for ensinado da maneira correta, de modo que qualquer que seja o assunto abordado, não seja dirigido só à mente, mas também e principalmente ao coração.

Cada grupo de Curupiras, de Sacis, de Mulas sem Cabeça, de Boitatás, de Lobisomens, de Caiporas e de Cucas, já havia se posicionado no salão, todos prontos para começar a competição, após eu ter explicado as regras do jogo e de repente, eu ouvi uma voz tímida, quase inaudível no meio daquela algazarra toda, que me perguntava onde ficavam as Sereias.

Olhei para baixo e segurando minha calça com uma de suas mãozinhas, lá estava uma pequena garotinha, deveria ter uns 6 anos, muito linda, de cabelos pretos longos, lisos e com um olhar expressivo, onde se podia ler que ela esperava que naquele exato momento, eu lhe dissesse onde ficava o lugar das sereias naquele jogo.

Após um certo silencio eu finalmente falei:

Onde ficam as sereias?

E ela me respondeu:

Sim!

Onde elas ficam, porque eu sou uma sereia, você não vê?

Depois de olhar à minha volta, percorrendo os grupos já formados, onde não havia sequer uma sereia, pois eu nem mesmo havia dado às crianças esta opção, minha reação foi dizer a ela que não existiam tais seres e eu o fiz, mas ela não se conformou, não desistiu e afirmou...

Você está enganado!

Elas existem sim!

Eu sou uma!

A pequenina não se via sendo nenhum dos outros personagens que eu havia dado como opção para as crianças escolherem, ela conhecia bem sua espécie, ela era uma sereia e não estava disposta a mudar de idéia, ou sair do jogo por que não havia outras sereias no local e também não iria baixar a cabeça sentindo-se inferiorizada por ser única, como faria alguém com espírito fraco, como um verdadeiro perdedor.

Ela tinha a intenção de participar da brincadeira de alguma maneira, onde que quer que pudesse haver encaixe para uma sereia no jogo, mas não iria abrir mão de forma alguma de manter sua dignidade e principalmente sua identidade.

Ela tinha certeza de que havia um lugar para as sereias e que eu era a pessoa que iria lhe dizer onde ficava este lugar.

Calado, olhando para ela, não pude deixar de pensar naqueles breves instantes de silêncio, que aquele que conseguir dizer onde ficam as sereias, ou todos aqueles que não se encaixam nos esquemas e normas criadas pela sociedade, no intuito de que façamos o que ela quer e percamos nossa verdadeira identidade, sendo apenas fantoches em suas mãos, este alguém, que conseguir responder a esta questão, poderia construir com este conhecimento uma cidade, uma nação, um mundo, um universo.

Enquanto eu ainda pensava na resposta, ela puxou minha calça para chamar minha atenção e eu então tive um daqueles momentos de luz que acontecem algumas vezes em nossas vidas e disse a ela:

Voce quer saber onde ficam as sereias?

Ora!

Bem aqui ao meu lado!

Pois eu sou Netuno, o Rei dos Sete Mares!

Foi ai que aquela linda garotinha, pegou na minha mão e a ficou segurando o tempo todo em que permanecemos naquele lugar, observando atentamente todo o movimento, enquanto eu tentava sem sucesso coordenar as tropas de seres mitológicos, que em disparada, iam de lá para cá no meio do salão, num turbilhão de gritos, puxões e empurrões, numa selvagem confusão.

Hoje, se alguém me disser que as Sereias não existem, eu digo com toda certeza de que não é verdade que as sereias não existem, elas existem sim e eu pessoalmente, tive uma delas ao meu lado e mais, segurei sua mão por um longo tempo, há muito tempo atrás...

Aprendi com uma sereia que o que é certo para uma alma, pode não ser certo para outra e que isto, pode significar que tenhamos que encontrar nosso próprio lugar na vida e fazer muitas vezes coisas que possam parecer estranhas aos olhos dos outros.

Eu estava lá com intenção de ensinar, mas a lição quem me deu foi ela, a pequena sereia que apareceu na minha vida, naquele dia de domingo, no meio de um simples jogo com a criançada no salão paroquial.

Ela me ensinou que por pior que seja a situação em que nos encontremos em algum momento de nossas vidas, não devemos desistir e abrir mão de nossa dignidade e principalmente de nossa identidade, que temos que conquistar nosso espaço na vida e no mundo, porque ele existe, ele está lá, em algum lugar, esperando que o encontremos.

Se vamos encontra-lo e tomar posse dele, ou não, só depende de nós...

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