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Artigos-->SOCIEDADE PERFEITA -- 22/12/2002 - 20:27 (Wilson Coêlho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Não, não me refiro à "República" de Platão, considerando que – se naquela os poetas foram expulsos – aqui eles ainda insistem re-presentar o mundo invisível no mundo dos sentidos. Mas aqui no "melhor dos mundos possíveis", parafraseando Voltaire, há algumas características básicas que nos permitem identificar elementos para uma consciência de que paira sobre nossas cabeças, no dossel do suposto conhecimento, uma espécie de platonismo fossilizado, ou seja, impera a manutenção da idéia de que o Estado ideal, baseado no conceito de justiça, é aquele que escolhe entre os seus guardiães os guerreiros da classe já preparada e selecionada e... que tudo mais vá pra caverna!

Recentemente, ouvi que – somente no estado do Espírito Santo – existem 80 cargos vacantes para o exercício e glória da função de juiz de direito. Escassez de advogados para a disputa do cargo no famigerado mercado? Não! Supõe-se incompetência, levando em conta o número de candidatos dos concursos até então realizados que têm considerado os advogados concorrentes incompatíveis com o perfil e o quilate da função de "juiz".

Noutro momento oportuno, o superintendente de um órgão qualquer de segurança afirma que a ineficácia da milícia no combate à violência se dá em virtude da carência de "efetivos" (leia-se, uma espécie de homem-cidadão-soldado) e, ainda, pela ausência de viaturas (leia-se, um tipo de carro que pode estacionar em qualquer lugar, avançar sinal, sem placa, provido de um sinal sonoro e luminoso e com um número pintado na lataria, antecedido pelas letras RP).

Em outra ocasião, um delegado e um carcereiro ostentam o mérito de terem sob seus controles um exacerbado volume de prisioneiros, como quem se orgulha de estocar mercadoria, ao mesmo tempo em que lamentam a incapacidade dos presídios em "hospedar" outra quantidade de marginalizados, entendido meramente e imediatamente (sem a mediação da razão) por eles como "elementos" marginais.

Mais adiante, membros do Tribunal de Justiça expõem diante de uma câmera de TV um arquivo atulhado de processos, uns quase quatro mil. Justificativa: não existem oficiais de justiça suficientes para entregarem as intimações. Solução apontada: estabelecer parceria com igrejas e associações de moradores para realizarem o serviço de entrega das intimações. Mão-de-obra gratuita muito utilizada nos chamados "mutirões", amigos da escola (inimigos da faxineira, da copeira, dos encanadores, dos eletricistas, dos auxiliares de serviços gerais, etc) e, agora na nova versão, os amigos da prisão, mesmo que seja contra os de sua classe econômica.

Estes são apenas alguns poucos exemplos daquilo que poderia se transformar numa enciclopédia de muitos volumes. Mas pelo que tudo indica, a sociedade permanece perfeita em sua estrutura. Imperfeitos são alguns dos indivíduos que a compõem e, resolver o problema, trata-se apenas de uma questão de tempo para se adequar à nova realidade do mundo globalizado.

Não é por acaso que alguns políticos apregoam a pena de morte já que, além de amenizar a questão do desemprego com a garantia de trabalho para jagunços assassinos, ainda estarão dando a muitos a sensação de que foi feito justiça e, a outros, uma justificativa perante a sociedade, principalmente, quando o morto for o morto dos outros.

Há também os políticos que defendem a privatização das cadeias. Outra estratégia de capitalizar o crime transformando numa espécie de compensação a máxima de que o crime não compensa. É dizer que o crime compensará para muitos na medida em que prisioneiros sejam transformados em trabalhadores escravos. Na medida em que estes trabalhadores estejam produzindo lucro para os proprietários das cadeias e, pior ainda, sem nenhum interesse de que os mesmos sejam capazes de se reintegrar à sociedade, aliás, melhor que cometam outros crimes e que aumentem suas penas (estabilidade) e que outros também sejam presos para aumentar a produção e o crescimento dos negócios.

Por outro lado, o poder executivo lança a idéia de legitimar a miséria e controlar os miseráveis. Os camelôs uniformizados. Os catadores de papel e de resto de lixo, mais conhecidos como "burros sem rabo" em virtude de arrastarem carroças abarrotadas, com seus "veículos" emplacados e ainda pintados com propaganda da prefeitura. Os "flanelinhas" e/ou guardadores de carros também com figurino padronizado e uma autorização para o "trabalho". Eis aí o grande passo para a cidadania, ou seja, a estratificação da miséria através de uma camisa-de-força que distingue o direito e o dever daquele que não pode e sequer é aceito nas instâncias onde tais descalabros são decididos.

E a sociedade continua perfeita em sua estrutura.

Mesmo existindo aqueles pobres imbecis que insistam em afirmar que são pobres com muita honra.

Mesmo que a tomada de consciência passe pelo crivo do pecado. Mesmo que muitos negros admitam a existência da alma e, pior ainda,

cooperando com a idéia de serem negros de alma branca.

Mesmo que os Tupi, os Guarani, os Krenak, os Ianomamis e tantos outros povos sejam chamados de "índios" e não possam ser respeitados como autênticas culturas e – para que sejam aceitos – tenham que aceitar Jesus e serem alfabetizados.

Mesmo que o homem de terno e gravata seja o divisor das águas para decidir sobre a razão do maltrapilho.

Mesmo que a sociedade dividida em classes julgue as ações dos dominados pelas leis criadas pelos que dominam.

Mesmo que duvidar destes juízos de valor seja considerado uma ameaça à ordem e, qualquer tentativa de crítica, uma grande conspiração.

Enfim, vivemos ou habitamos uma sociedade perfeitamente perfeita para aqueles que criaram uma justiça ajustada a seus ideais, para aqueles que estabeleceram os valores do que definiram por existência e se utilizam de quaisquer mecanismos – independente dos meios – que sejam capazes de sustentar o conceito daquilo que compreendem por perfeição.

Wilson Coêlho é escritor, dramaturgo, encenador, membro do Grupo Tarahumaras de Teatro e professor de Filosofia e Ciência Política



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