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Contos-->Verdade -- 22/03/2000 - 10:22 (Carlos Henrique Magnata Cordeiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ela sempre soube me enganar. Dissimula para ter o que quer. Sei disso e, ainda assim, caio toda vez na sua lábia. Enquanto estávamos juntos, conseguia flores, Martinis, poemas e outros agrados por meio da dissimulação e do dengo. Mesmo quando acabou o namoro, esperando um filho meu, tirava-me de Boa Viagem, fazia com que eu viajasse até Maria Farinha, só para lhe dar alguma carona ou levar-lhe algo que precisava.

Mas esse dia foi muito diferente de tudo. Sempre soube quando ia cair, nesse dia foi uma imensa surpresa. Ligou fazendo voz de nervosa. Dizia-se preocupada com a saúde do nosso bebê e, quando eu cheguei em sua casa, estava me esperando dentro de um preto nocauteador. Eu, já visivelmente desnorteado, recuei e perguntei pelo nosso filho. Ela disse que ele estava melhor e que agora ela precisava falar comigo. Ainda sóbrio, sentamos no sofá.

Havia um brilho diferente no seu olhar, algo longe do desprezo do momento em que disse não mais gostar de mim ou do amor que jurou no São João de Caruaru; era algo novo, que eu nunca tinha visto. Depois de haver notado o vestido e o olhar, notei que a ferida ainda não havia cicatrizado, havia um pedaço meu que ainda gelava, como uma antiga bala que se sente nos tempos frios. A dor do abandono não foi capaz de me fazer esquecê-la. Apesar dessa constatação, há muito decidira não mais me envolver com ela, meus brios haviam sido atiçados.

Seus olhos fitavam diretamente os meus, como quem quer dar confiabilidade ao que diz. Até aí eu não escutara nada, preferia evitar ser tocado por aquela voz. Preferia escutar somente o sentido do que dizia, dar algum conselho sincero, voltar pra casa e fingir mais um bom tempo que ela não existia. Toda sexta-feira eu buscava meu filho e todo domingo levava de volta para a sua casa, quase nunca cruzava com ela. Só nos falávamos por telefone, onde eu conseguia mentir que era só uma amiga.

Quando senti que ela iria falar a essência do motivo que me trazia ali deixei de olhar os novos quadros na parede e comecei a prestar um pouco de atenção. Ela notou e começou com o jogo mais louco da minha vida. Ela queria passar a noite comigo; eu tinha que resistir, escapar dela, ou seria presa fácil ainda por muito tempo.

Aquela mulher me conhece demais. Se eu fosse um Gângster, ela já estaria morta. Sabia cavernas em meu ser que nem mesmo eu conhecia. Sabia meu jeito de sofrer, de fingir e de amar. Sabia que eu estava sofrendo, fingindo e que a amava. Sabia quão controlado eu era. Sabia que não daria o braço a torcer. Sabia que o meu limite era ainda longe de onde chegara, mas sabia que eu estava a quase um ano sem ninguém. Sabia que não saio por aí fazendo caçando a esmo. Sabia que ainda a desejava.

Sabia seduzir e usou toda a carga de sensualidade na tentativa de me mostrar sem querer qualquer parte sua entre o busto e o joelho. Usou sabendo que não seria suficiente. Sabia que ainda não era o momento de usar tudo, tinha o suficiente guardado pra quando as minhas defesas estivessem baixas.

- Liguei por que preciso do velho amigo...
Falou.
- Estou aqui, o que está havendo?
Perguntei.
- Andei repensando a minha vida, estou vendo que inverti alguns valores e hoje tenho o que não quero e perdi o mais importante.
- Sobre o que você está falando?
Tentei pensar que não era comigo.
- Meus sentimentos... Ando muito confusa, muito só.
- Não deixe que a solidão a confunda a ponto de envolver outras pessoas nisso. Alguém sempre acaba machucado.
- Desculpa ter te machucado tanto, mas eu tinha que ser dura, ou continuarias tentando me conquistar...
- Isso acabou, estou bem. Não falo de mim, falo de qualquer pessoa que entre na sua vida agora.
- Não tem ninguém na minha vida desde que você se foi. Quem se interessaria por uma mulher de 23 anos com um filho no colo?
- Você está se fazendo de louca. Sabe que é linda; pode conquistar quem quiser.

Nesse momento, aproximou-se um pouco mais. Inclinou a cabeça sobre o meu ombro. O seu perfume agia feito cocaína no meu cérebro. Eu estava perto demais para resistir àquele cheiro. Afastei-a a ponto de olhar diretamente nos seus olhos a uma distância segura. Acariciou a minha face.

- Beija a minha boca.
- Não peça isso.

Tirei suas mãos de mim. Um pedaço de dor surgiu no seu semblante. Afastou-se por inteiro e se olhou com repugno.

- Está vendo?!? Não atraio nem o cara que expulsei.
- Não atrai porque expulsou.

Voltou a se aproximar. Agora com dó nos olhos, acaricia o meu pescoço tentando se redimir de um possível erro.

- Desculpa... Beija a minha boca.
- Não faça isso com a gente...
- Com a gente?!?
- Comigo, com você, com o nosso filho... Vamos continuar sendo amigos...
- Não estou precisando de amigos!!!
- Por que me chamou?!?
- Seus olhos estão me pedindo um beijo...
- Esquece os meus olhos. Por que me chamou?!?
- São lindos...

Eu tinha que escapar do seu argumento maior: meu desejo. A cada frase eu ficava um pouco mais perto dela, do beijo dela. Ao mesmo tempo, ia ficando com raiva da vontade que eu ainda tinha de dar o que quer que ela quisesse. Tinha que escapar de qualquer forma. Precisava me convencer de que aquilo era só solidão, que não valeria a pena, que ela não queria nada mais que uma noite de prazer.

- Por favor, escute: eu sou só um amigo. Você decidiu assim.
- Algumas vezes a gente decide errado...
- Mas me machucou muito. Além do mais, você foi muito coerente ao explicar porque nunca gostara de mim...
- Eu estava de cabeça quente e precisava de um tempo só pra mim...
- Você só pensou em si mesma...
- E em nosso filho!!! Eu não podia estar sofrendo com o menino na barriga, faria mal a ele.
- E a mim?!?
- Desculpa. Eu só queria um pouco de espaço, você me sufocava...
- Pedia!!!
- Quantas vezes pedi? Você nunca me deu. Só quando eu lhe pus abaixo de um verme.
- Você me machucou demais.
- Também sofri.
- Por outro, não por mim.
- Por você também...
- Mentira!!!
- Eu juro!!! Você foi a pessoa que mais me ensinou sobre a vida, que mais me tratou como uma mulher quer ser tratada... Você se dedicou ao máximo, mas eu estava cega...
- E eu acho que estou louco! Você viu muito bem o que passei.
- Eu sei, mas não consegui enxergar o homem que estava perdendo...
- Que perdeu!
- Duvido!
- E ainda vem com impetulância?!? Ponha-se no seu lugar! Você conseguiu apagar qualquer vestígio de paixão em mim.
- Exceto este que brilha agora nos seus olhos, não é?!?!
- Fodam-se os meus olhos...
- Fodam-se os meus erros...
- Pára! Por favor...
- Me beija, por favor...
- Não pede. Eu não quero, não vou lhe beijar.

A verdade é que era tudo o que eu mais desejava na vida, naquele momento, mas não estava disposto a pagar o preço de uma noite com aquela mulher. Eu faria amor, ela teria sexo e nada mais.

- Você quer e vai me beijar.
- Eu não quero!!!

Empurrei-a para um pouco mais longe de mim. Fui até violento, mas foi importante. Saímos do transe e recomeçamos a conversar, agora sem exageros. Enquanto falava sobre quanto fui bom, quanto a respeitei, abriu as pernas, acomodou os braços sobre elas e acariciou a nuca, fitando diretamente meus olhos. Nesse momento eu já não sabia se olhava as coxas, o decote nos seios, a nuca, ou seus olhos. Na dúvida, criei uma sede e disparei à cozinha.
A porta dos fundos parecia gritar: "foge enquanto é tempo...". Mas um misto de tesão e curiosidade me obrigou a ficar até saber onde aquilo acabaria.

Quando voltei, seus olhos negros voltaram aos meus.

- Eu também estava com sede.

Falou.

Quando ia me levantando para buscar-lhe água, apertou minha mão como só ela sabe o quanto me atinge.

- Tô com muita sede de carne, tua carne...

Meu coração parou de bater por uns dez segundos, aliás eu parei de existir por uns dez segundos. Só existia aquela voz, forte, contundente, verdadeira, no mundo todo.

Ela se levantou.

- Eu te amo, meu amigo.

Deu o golpe de misericórdia. Atingiu diretamente o único ponto que poderia me derrubar aquela noite: a verdade.

- Eu te amo como amigo, e quero fazer amor contigo. És quem mais merece meu sexo e eu mereço sexo. Há muito tempo não faço nem carinho sexual. Há muito tempo não fazemos com mais ninguém. Nós merecemos ser felizes hoje.

Decretou.

Eu fui dela essa noite, completamente dela, desesperadamente fomos um do outro. Tivemos sexo como se fosse a nossa primeira vez, fomos plenos e verdadeiros conosco, era o que importava. Hoje eu sei que não a amo como um marido ama uma esposa. Amo-a mais como um irmão ama uma irmã, como um amigo ama o outro. Sabemos da nossa importância dentro da vida de nós três e não jogaremos fora o que conquistamos por nada. Sou casado, ela também. Nos falamos quase diariamente e fazemos verdade constantemente. Pois ela diz que não suporta que o marido seja sensível, compreensivo e verdadeiro, mas depois de mim, ficou viciada em homens desse tipo. Diz só conhecer um assim; fico lisonjeado.
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