A SENHA
Antonio Accacio Talli
Já formado, ingressei no INSS onde trabalhei durante 18 anos como médico ginecologista. Era muita gente para ser atendida por poucos médicos. O limite de consultas era de 20 por dia; porém, atendiam-se até 60. O Doutor tinha que ser rápido, pouca conversa e muita ação.
A paciente chegava de madrugada, recebia uma senha e ficava na fila por horas a fio. Na sua vez, ela entrava na sala entregando ao médico a senha.
Num determinado dia, uma senhora adentra a sala de consultas com um papel na mão. Imediatamente, o Doutor tira a sua senha e deposita-a num recipiente em cima da mesa. Rapidamente, ela apanha de volta o referido papel e segura-o firme. Novamente, o Doutor avança sobre o pequeno papel e tira-o bruscamente de suas mãos. Delicadamente, a mulher volta a pegá-lo com firmeza. Essa cena repete-se por várias vezes. Perdendo a paciência e achando que a mulher estava a fim de irritá-lo, fala em alto som:
“Minha senhora, por favor, deixe a senha aí”.
É nesse instante que o Doutor nota o drama que estava sendo vivido por aquela infeliz criatura.
Com lágrimas nos olhos e falando com dificuldade, responde:
“Doutor, esse papelzinho é o meu passe de ônibus”.
A CARTA
Antonio Accacio Talli
Em uma outra ocasião, uma doente entra no consultório com um envelope na mão.
O Doutor, já cansado por ter atendido mais de 40 mulheres naquela manhã, pega o envelope, rasga-o e retira os exames.
Ao iniciar a análise desses exames, para sua surpresa, percebe que aquele papel era uma carta que a pobre mulher estava endereçando a seu filho que residia em Jequié, na Bahia, afastado dela havia mais de dez anos. Após a consulta, ela iria depositar a carta nos Correios.
Tarde demais. O Doutor, com a velocidade de um raio, numa demonstração de péssima relação médico-paciente, simplesmente acabara com a relação mãe-filho.
|