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Contos-->O AVENTUREIRO -- 20/04/2009 - 13:47 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
No início do segundo milênio da era cristã, ainda na Idade Média, a Igreja Católica, herdeira do Império Romano, dominava entre a cruz e espada, principalmente voltando a espada aos prosélitos e devotos a outras religiões, como o judaísmo e islamismo. A sua área de abrangência limitava-se aos países e regiões ocupados, outrora, pelo império romano.
Qualquer filosofia ou ensinamento que não confluísse aos seus preceitos arcaicos e tiranos representava sacrilégio e heresia.
Roma continuava a ser o epicentro do mundo conhecido.
Durante o século XII, nos primórdios do Renascimento, a Santa Madre Igreja enfrentou uma das maiores rebeliões em seu seio sagrado – a doutrina cátara.
O catarismo, movimento religioso nitidamente diferente da Igreja Católica, teve início na Itália, numa reação a determinadas práticas, como venda de indulgências e a soberba vida de riquezas e prazeres dos padres, bispos e cardeais da época.
Do grego katharos, que significa puro, o catarismo, seita cristã da Idade Média, surgiu em Limousin, França, no final do século XI. Praticava um sincretismo cristão, gnóstico e maniqueísta, manifestado num extremo ascetismo, e concebia a dualidade entre o espírito e a matéria, assim como, respectivamente, entre o bem e o mal.
Na Idade Média, marcada pela violência e sede de poder da Igreja, o catarismo chocou-se frontalmente com o dogmatismo católico.
O principal ponto de discordância, talvez o mais original e que afrontava o papa, referia-se ao fato de os cátaros não admitirem qualquer tipo de intermediação entre o homem e Deus.
Para eles, o papa não era o representante de Deus na Terra.
Por esta razão, e também pela força do catarismo, a Igreja combateu ferozmente a sua expansão, classificando o movimento de heresia.
Condenados pelo 4.º Concílio Lateranense, em 1215, pelo Papa Inocêncio III, os cátaros foram aniquilados por uma cruzada e ações da Inquisição, tornada oficial em 1233.
Em novembro de 1207, o Papa Inocêncio III escreveu ao rei da França, e a vários nobres do alto escalão francês, obrigando-os a suprimir os “hereges” em seus domínios por meio da força militar. Em troca, receberiam diversas recompensas, como absolvição dos pecados e vícios, liberação de pagamento de juros sobre dívidas, isenção da Jurisdição dos Tribunais Seculares. Além de todas as vantagens explícitas, obteriam permissão para saquear, roubar, pilhar e expropriar propriedades. Como resultado surgiram batalhas e massacres que a Igreja considerava uma Guerra Santa, travada em nome de Deus, mas de um Deus que somente a Igreja conhecia e que se beneficiava da sua proteção.
Apesar de contar com o apoio de pequenos condados, os cátaros não conseguiram resistir às cruzadas.
Em uma época em que o poder religioso confundia-se com o poder real, o Papa Gregório IX, em 20 de abril de 1233, editou duas bulas que marcam o início da Inquisição, instituição da Igreja Católica que perseguiu, torturou e matou inimigos, ou aqueles que ela entendesse como tais, acusando-os de hereges, durante vários séculos. A bula Licet ad capiendos, dirigida aos dominicanos e inquisidores, dizia: “Onde quer que os ocorra pregar estais facultados, se os pecadores persistem em defender a heresia apesar das advertências, a privar-los para sempre de seus benefícios espirituais e proceder contra eles e todos os outros, sem apelação, solicitando em caso necessário a ajuda das autoridades seculares e vencendo sua oposição, se isto for necessário, por meio de censuras eclesiásticas inapeláveis”.
No mesmo ano, Roberto El Bougre foi nomeado inquisidor da região de Loire e, dois anos mais tarde, tornou-se responsável pela Inquisição em toda a França. Em 1252, o Papa Inocêncio IV editou a bula Ad extirpanda, que institucionalizou o Tribunal da Inquisição e autorizou o uso da tortura. O poder secular era obrigado a contribuir com a atividade do tribunal da Igreja.
Nas temidas cortes da Inquisição, a acusação era sinônimo de condenação, e esta, uma sentença de morte provocada pelos mais variados e cruéis métodos – flageladas e mutiladas pelos torturadores, com a carne dilacerada e os ossos quebrados, as vítimas confessavam as coisas mais absurdas. Os que tinham mais sorte eram decapitados ou mortos de maneira relativamente mais humana, antes que seus corpos fossem reduzidos a cinzas em fornos. E os azarados, queimados vivos em fogueira de madeira verde, para prolongar a agonia.
Esse terror durou aproximadamente 300 anos e ceifou a vida de milhares de inocentes que não tiveram a opção de lutar pela sua própria liberdade de expressão. Tal frenesi de ódio e homicídio alastrou-se como fogo em diversos lugares, incendiando a vida civilizada da França, Itália, Alemanha, Espanha, Países Baixos, Inglaterra, Escócia, Áustria, Noruega, Finlândia, Suécia e, por um breve período, atravessou o Atlântico e inflamou, inclusive, o Novo Mundo.
Aquele que cometesse erros ao interpretar as sagradas escrituras, criasse uma nova seita ou aderisse a uma já existente, não aceitasse os sacramentos da doutrina Romana ou tivesse opinião diferente da Igreja e duvidasse da fé cristã era barbaramente torturado.
Sorrir era proibido! O tom sério afirmou-se como a única forma de expressar a verdade e tudo o que era importante e bom. O riso, por sua vez, expressava o que era mau, em outras palavras, o pecado, considerado uma emanação do diabo. O cristão deveria sempre conservar a seriedade para demonstrar arrependimento e a dor que sentia na expiação dos seus pecados. É interessante notar que, nas histórias infantis medievais, essa articulação entre bem e seriedade, mal e riso é fortemente representada. A mocinha, que é boa, sofre e é tristonha; a bruxa ou feiticeira, que é má, está sempre gargalhando. Seguindo o raciocínio moral da Idade Média, no final da história o sofrimento será recompensado e o riso, castigado.
Haveria um tempo em que qualquer bispo católico, no lugar de se deter para salvar vidas, estaria enviando centenas delas para a morte.
Assim, a Igreja foi a principal responsável pela mudança nas atitudes das pessoas e nas lavagens celebrais, que até hoje perduram em nosso meio, e na política oficial que resultaram numa grande carnificina.
Nesta época, em Portugal, existiam minorias étnicas e não católicas. Esses contingentes diferenciados e mais expressivos eram formados por judeus, mouros e ciganos, trazidos por invasões ou protecionismos régios, devido as suas fortunas e atividades liberais privilegiadas, como medicina, farmácia, artesanato, tecelagem, sapataria, alfaiataria e, principalmente, em ourivesaria e pequenos estabelecimentos de crédito. Tais atividades destacavam-se em uma nação agropecuária e piscatória, e os seus praticantes seguiam as suas religiões, falavam os seus idiomas, a despeito do mal-estar constante causado pela Inquisição, que não estava em vigor nesse país.
Em 1492, a Espanha da Rainha Isabel de Castela e do rei Fernando II de Aragão expulsou cerca de 60.000 judeus que não quiseram converter-se ao cristianismo. A maioria dirigiu-se a Portugal, cujo rei era D. João II, influenciada pelos judeus importantes que habitavam a corte. Porém, tal permanência exigis o pagamento de oito ducados de ouro por pessoa, quantia elevada na época. Os que não podiam pagar tinham a metade de seus bens confiscados para a Coroa.
Com o falecimento de D. João II, seu sucessor, D. Manuel, ainda tolerante com aqueles impossibilitados de arcar com essa despesa, continuou protegendo-os. Mas, pressionado pela Igreja, decreta, em março de 1947, a expulsão da comunidade judaica de Portugal.
No entanto, com o objetivo de impedir a saída de tantos profissionais necessários ao país e, principalmente, evitar a evasão de capital financeiro, D. Manuel decretou a conversão forçada de muçulmanos e judeus ao cristianismo. Assim nasceu o conceito de cristão-novo. Aquele que recusasse a conversão teria de abandonar Portugal e suas colônias ultramarinas.
Em abril de 1499, um alvará proíbe a partida de todos os cristãos-novos. Esta resolução não os impedia de casar com cristãos-velhos nem de exercer cargos eclesiásticos ou na Corte. Apesar de uma certa liberdade ilusória, e de alguma proteção, a situação assumiu rumos dramáticos na Páscoa de 1506, quando se iniciou uma revolta popular, sob a liderança dos frades franciscanos contra os cristãos-novos, que durou cerca de três dias.
A população, envolta e movida pelo fanatismo religioso, perseguiu, violou, torturou e matou centenas de indivíduos acusadas de ser judeus. Essa revolta, conhecida como “o massacre de Lisboa”, acentuou o clima crescente de anti-semitismo e levou centenas de famílias a abandonar Portugal.
Alguns, porém, permaneceram fiéis a suas origens, e foram chamados de marranos ou criptojudeus.
O fracasso de muitas conversões levou D. João III a pedir a instalação oficial da Inquisição em Portugal, em 1536.
Sob o terror da Inquisição, nunca mais os cristãos-novos tiveram sossego em Portugal. Começaram, então, a fugir para os Países Baixos, Constantinopla, Norte da África, Itália e Brasil.
Entre os convertidos, mas que mantiveram os seus costumes milenares, estava a família do judeu ortodoxo Mayer Jacó Nathan, que nos documentos adotou o nome de Jacinto Augusto Pereira dos Santos.
Jacinto chegou a Amsterdã, Holanda, em 1537 e lá se estabeleceu como pequeno banqueiro e ourives.
Nesta época, nos Países Baixos já havia algumas igrejas separadas do Vaticano, seguindo o protesto da Igreja Sueca. Mas a família Pereira dos Santos abandonou de vez as sinagogas e se converteu, de corpo e alma, à Igreja Calvinista, fundada em 1541 por João Calvino em Genebra, Suíça.
Muitos judeus convertidos adotaram sobrenomes de árvores frutíferas, como Carvalho, Laranjeira, Pereira, Macieira, Figueira, Videira, Moreira – advinda da amoreira – e outros. Outros preferiram animais, como Carneiro, Coelho, Cordeiro, Leitão, Gato e Leão. Alguns colocaram sobrenomes compostos, como Carneiro Leão e Carvalho Gato.
Já em Carvalho Pinto, o Pinto não se refere ao filhote da galinha, mas sim a um apelido que vem de Portugal, desde a Idade Média, dado às pessoas que tinham pintas nos rostos e no corpo, principalmente as sardentas – pintado. Com o passar do tempo, abreviou-se para Pinto.
A família Pereira dos Santos cresceu e prosperou e, em 1608, nasceu o quinto bisneto de Jacinto, batizado José Augusto Pereira dos Santos, carinhosamente apelidado de Zé Augusto.
Zé Augusto nasceu durante a Guerra dos Oitenta Anos, também conhecida como a Revolução Holandesa, que durou de 1568 a 1648, cujo objetivo era livrar-se do jugo espanhol, ao qual pertenciam os Países Baixos, e também da perseguição dos católicos pelos calvinistas.
A guerra tornou a Holanda uma potência militar e marítima.
Zé Augusto participou de diversas batalhas sob o comando do príncipe Mauricio de Nassau.
Depois de diversas tentativas de invadir o nordeste do Brasil Colônia, em busca de madeira e alimentos, principalmente açúcar, a Holanda foi rechaçada em 1621 pelos portugueses, na Bahia.
Em 1630, uma segunda expedição, bem organizada e armada, ocupou as costas de Pernambuco e estabeleceu um governo na cidade de Olinda.
Durante a ocupação, a Holanda enviou Mauricio de Nassau para aqui criar uma colônia holandesa. Neste período, Nassau dominou boa parte do nordeste brasileiro.
Com ele veio o seu ajudante de ordens, Zé Augusto.
Após anos de permanência holandesa, começaram a ocorrer muitas revoltas, provocadas pelos altos impostos cobrados. Com a volta de Mauricio de Nassau para a Holanda, as posições holandesas foram se enfraquecendo.
Neste período, Zé Augusto, aventureiro de nascença, aproveitou para conhecer o litoral brasileiro.
Ao chegar em São Vicente, ficou impressionado com as histórias contadas pelos índios sobre as grandes expedições sertão adentro, em busca de pedras preciosas e ouro, esteio de sua família, na Europa.
Ao retornar a Pernambuco, Zé Augusto envolveu-se na primeira Batalha dos Guararapes, em 19 de abril de 1648. Gravemente ferido, foi levado a um hospital de Recife, de onde soube da segunda batalha, em Jaboatão dos Guararapes, em 19 de fevereiro de 1649.
Depois de perder outras batalhas, a Holanda capitulou paras as tropas formadas principalmente por colonos brasileiros, com o apoio de Portugal e Inglaterra, em 1654, no Recife, de onde todos os navios da armada holandesa partiram, rumo à Europa.
Zé Augusto, com 46 anos, fugiu do hospital com nome falso, embarcou como grumete em uma caravela portuguesa que descia o Atlântico, levando armas e munição para a Capitania de São Vicente.
Enquanto seus companheiros voltavam para a Holanda, Zé Augusto estava bem longe. Tinha acabado de subir a Serra do Mar, em lombo de jumento, e se encontrava na província de São Paulo de Piratininga, fundada em 1554 pelos padres jesuítas.
O pequeno vilarejo entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, com suas choupanas de pau- a-pique e casarões de taipa, em meio a matas e ruelas lamacentas, ia vivendo de forma pacata.
Nesse lugar, completamente abandonado, raramente apareciam homens de negócios, padres e políticos, enquanto os paulistas não arredavam pé de suas enormes fazendas.
Os dias passam entre as plantações de trigo, marmelo, algodão, cana-de-açúcar e vinhas.
Era rudimentar o modo como viviam as quase duas mil pessoas daquele planalto pertencente a quatrocentas famílias que sobreviviam, praticamente, da troca de bens.
Isolados pela Serra do Mar, os paulistas eram ignorados. Assim esquecidos, gozavam de autonomia. Conceito a que aprenderam dar valor desde de cedo!
É neste ambiente que nasce Fernão Dias Paes Leme, em 1608, filho dos paulistas Pedro Dias Leme e Maria Leite. O prestígio do nome reserva-lhe os papéis mais cobiçados. Ninguém se atreve a negar o respeito que impõe a sua linhagem: o bisavô, João do Prado, chegara ao Brasil com Martim Afonso de Sousa. Além do mais, é parente, embora distante, de Pedro Álvares Cabral.
O medo de perder essa liberdade levou os paulistas a um projeto audacioso de separação da Coroa.
Quando Portugal restaurasse a independência da Espanha e D. João IV subisse ao trono, proclamariam o rico Amador Bueno como o El Rei de São Paulo. Mas os notáveis do lugar, como Fernão Dias Paes Leme, não aceitaram esses ensejos de entusiasmo. Assim, continuaram colonos de Portugal.
Aos dezoito anos, Fernão Dias assume o cargo de almotacé: fiscaliza mercadorias postas à venda. É a sua primeira experiência na vida pública. Político de nascença, sobe logo na carreira. Com o trabalho na Câmara Municipal e investindo em terras, não tarda a enriquecer.
Zé Augusto, imediato de veleiros, mestre em armas, bem apessoado e falando diversas outras línguas, além do português, tornou-se figura notória e conhecida na pequena cidade.
Depois de ajudar os padres jesuítas na luta contra índios revoltados, aceitou o convite e foi morar no colégio, onde conheceu Fernão Dias Paes Leme.
Zé Augusto começou a fazer parte das Bandeiras organizadas por Fernão Dias, principalmente para caçar índios no sertão e depois vendê-los como escravos para fazendeiros da Capitania de São Vicente.
A palavra Bandeiras ou Bandeira é oriunda das excursões paulistas Brasil afora, com início no século XVII. Outrossim, palavra bandeiras, entre os seus organizadores, vem da expressão militar “bando”, muito comum em Portugal, na Idade Média, que designava um grupo de homens armados.
Os bandeirantes mais notórios foram: Fernão Dias Paes Leme, o Caçador de Esmeraldas; Manuel da Borba Gato; Antonio Raposo Tavares; Domingos Jorge Velho; Bartolomeu Bueno da Veiga, o Anhangüera; Gerônimo Leitão, organizador da primeira Bandeira, e Francisco Bueno, entre outros.
Certas bandeiras chegaram até a Bolívia, Paraguai e Uruguai.
Fernão Dias, em 1638, integrou a famosa Bandeira de Antonio Raposo Tavares, no sul do país, que atacou missões jesuítas para aprisionar índios e transformá-los em escravos. Esses acontecimentos causaram a primeira revolta jesuíta em São Paulo.
Em 1640 ocorreram graves revoltas no povoado. As famílias Pires e Camargo, ambas com sede de poder, envolvem os paulistas em uma guerra civil. O caos foi total – mortos pelas ruas, casas e plantações incendiadas e os poucos negócios, em ruínas. Fernão Dias, líder nato, prega a conciliação, principalmente entre paulistas e jesuítas, em nome do progresso da cidade. Nessa ocasião, foi eleito juiz ordinário.
Destemido mestre em remover obstáculos, Fernão Dias aceita desafios cada vez maiores e se vê obrigado a participar do movimento de expulsão dos jesuítas, contrários a escravidão indígena, de quem eram os principais protetores. Na época, um escravo negro custava muito caro – os índios aprisionados saíam mais em conta.
Depois das brigas com os paulistas, no século XVII, os jesuítas foram expulsos do Brasil, em 1759, pelo Marquês de Pombal, primeiro ministro de D. José I, rei de Portugal. Assim, a Companhia de Jesus foi surpreendida, em 1773, pela bula Dominus ac Redenptor, do papa Clemente XIV, que cedeu a várias pressões, principalmente dos governos da França, Espanha, Portugal e Nápoles.
Os 22.589 jesuítas que trabalhavam em 669 colégios e universidades, 61 noviciados, 340 residências religiosas, 171 seminários, 1.542 igrejas e 271 missões, em todo o mundo, foram proibidos de viver em comunidade e, em certos casos, até de exercer o sacerdócio. A Companhia de Jesus precisou permanecer oculta e inativa durante 41 anos.
A restauração da Companhia de Jesus aconteceu em agosto de 1814. Porém, somente em 1842 os jesuítas voltaram ao Brasil, pelo Rio Grande do Sul, vindos da Argentina.
A Companhia de Jesus foi fundada por Ignácio de Loyola, espanhol, guerreiro de família nobre e aprovada pelo papa Paulo III, em 1540.
Voltemos aos nossos bandeirantes.
Abre-se uma nova frente para os negócios dos paulistas.
A venda de índios passa a ser a maior fonte de riqueza no planalto. Com esse dinheiro, que não era pouco, a cidade começa a trazer da Europa armas, munições, louças e até tecidos.
Na defesa de seus interesses econômicos, forma-se a chamada elite burguesa, com mais de 200 pessoas, que não temem a Coroa ou a Santa Sé. Nem a ameaça de excomunhão do papa Urbano VIII amedronta os bandeirantes que aprisionavam os índios. Entre eles, Fernão Dias e o nosso aventureiro, Zé Augusto.
As ameaças não detêm os bandeirantes que adentram o país principalmente pelo Oeste e Centro-Sul, tomando cada pedaço de terra por onde pisam, expandindo o mapa do Brasil, pois o Tratado de Tordesilhas foi ignorado e resultou em grandes perdas territoriais e outros prejuízos para a Espanha.
No retorno das suas bandeiras, Fernão Dias encontra São Paulo enfraquecida pelo conflito que já dura quase vinte anos. Decide, então, devolver moral à Vila, principalmente a religiosa.
Sem os antigos jesuítas, que ele ajudou a expulsar, resolve ir ao Rio de Janeiro à caça, não de índios, mas de diversos sacerdotes.
Volta com jesuítas com a promessa de que estes jamais tentarão impedir a escravatura de índios nem abrigar fugitivos.
A construção do Mosteiro de São Bento, que teve início em 1650, foi administrada e financiada, em parte, por Fernão Dias.
Em 1655, Fernão Dias e Zé Augusto, depois de três anos pelo sertão do Paraná, no “reino indígena da nação Guaianás”, retornam com 4.000 índios capturados e acorrentados para servirem de mão-de-obra escrava para os produtores de cana, principalmente.
A produção açucareira no nordeste tinha diminuído assustadoramente com a expulsão dos holandeses. Do Brasil eles seguiram para as Antilhas, e de lá teve início uma forte concorrência. A região, ainda abalada pelas lutas contra os holandeses, estava desprovida de mão-de-obra.
Outro fator de preocupação com a lucrativa escravidão de indígenas foi o fim do bloqueio contra o tráfico de escravos negros da África para o Brasil. Não há mais compradores de índios. A fonte de riqueza de Fernão Dias parece acabar.
Sem saber o que fazer com tantos índios escravizados, ele os leva para a sua fazenda, às margens do rio Tietê, onde monta uma aldeia indígena, cujo chefe é ele mesmo.
Em 1655 chega da Corte a surpreendente ordem de D. Afonso VI – ele deveria formar uma grande bandeira e partir em busca de ouro, metais e pedras preciosas.
Passou-se um longo tempo quando, em 1752, Fernão Dias recebe uma carta especial do novo rei de Portugal, D. Pedro II, encarregando-o de encontrar, de qualquer maneira, tais minas.
Além de honras futuras, a Corte promete auxílio financeiro, jamais dado, para montar a bandeira.
Fernão Dias, sempre ajudado por Zé Augusto, forma durante três anos a sua nova bandeira em buscas das preciosidades.
Reúne brancos, índios e mamelucos, num total de quase 700 homens, dispostos a dar a vida pela aventura e pelo sonho de se tornar milionários. Partem, então, em direção das nascentes do rio das Velhas, sertão de Minas Gerais.
Os bandeirantes Matias Cardoso e Bartolomeu da Cunha Gago foram os primeiros a seguir, abrindo caminho para plantar milho e outros víveres para a expedição.
A tropa principal partiu de São Paulo no dia 21 de julho de 1674.
No comando, além de Fernão Dias e Zé Augusto, está o seu filho, Garcia Rodrigues Paes, e seu genro, Borba Gato, além de outros sertanistas experientes.
Fernão Dias era casado com Maria Garcia Paes Betim, nascida em São Paulo, em 1642.
A bandeira do Caçador de Esmeraldas, como ficou conhecido Fernão Dias, saiu da Vila de São Paulo, fazendo praticamente o mesmo percurso da atual rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte.
Ao chegar à Serra de Sabarabuçu, o bandeirante exige de seus homens mais trabalho e esforços desdobrados, pois, segundo informações do sertanista Marcos Azevedo, já falecido, ele teria encontrado esmeraldas naquela região, no início do século XVII.
Fernão Dias, obstinado pela missão da qual fora imbuído, não quer desapontar os que nele confiaram.
Mesmo com a ingratidão do sítio onde pisa, somando o mal-estar de muitos dos seus homens, não vê sinais do tesouro. Mesmo assim, vasculham, pedaço a pedaço revirando o chão que vão trilhando.
Os homens estão cada vez mais exaustos. Má alimentação, corpos fracos e mentes contaminadas pela idéia do fracasso fazem com que diversos deles sucumbam. Muitos vão ficando pelas águas dos rios e veredas das serras, vitimados por epidemias ou ataques de animais selvagens. Começa a faltar munição e a viagem torna-se cada vez mais difícil. Fernão Dias esbraveja para que os fracos confiem no instinto dos mais fortes. E pede proteção divina para que não deixe escapar a sua fortuna.
Em determinada noite, Fernão Dias não consegue dormir, pensando se valia a pena voltar para São Paulo sem as esmeraldas. De repente, uma índia, em estado de choque, balbuciando, revela que há uma conspiração em andamento contra ele.
Acostumado aos motins e traições, encaminha-se, sorrateiro, ao local iluminado por fogueiras, onde estavam os conspiradores. Abismado, vê amigos, que considerava sinceros, tramando contra a sua vida. Queriam a sua morte para terminar, de vez, com aquela “busca desvairada”.
Zé Augusto não estava entre eles.
Bem cedo, na manhã seguinte, reúne o seu estado maior para julgar os traidores. Ordena a prisão de todos os envolvidos. E, usando os seus poderes de juiz, condena o líder à morte por enforcamento – seu próprio filho, Garcia Rodrigues Paes, que havia pouco tinha chegado com notícias e mais dinheiro, mandado pela esposa.
Esse episódio revoltou ainda mais os desgostosos com a expedição. Muitos desertaram. Até os dois padres que estavam na bandeira, desde o início, ficaram para trás.
Fernão Dias, mesmo com o coração partido, pouco a pouco reanima-se, pensando na descoberta das esmeraldas.
Decidiu, então, enviar novos emissários a São Paulo para angariar os fundos necessários ao restante da viagem. No planalto, conta com a ajuda de sua esposa, Maria, que vende objetos da casa e jóias da família, em prol da missão, e consegue empréstimos entre os paulistas. O padre João Leite da Silva, irmão de Fernão Dias, encarrega-se de recolher os mantimentos doados.
No Arraial do Sumidouro, onde aguarda a chegada dos recursos, a debandada de seus homens é cada vez maior. Até o seu lugar-tenente, Matias Cardoso de Almeida, faz o caminho de volta com grande parte da tropa.
Zé Augusto continua firme, assim como outros poucos homens.
Finalmente chega o ano de 1681.
Depois de sete anos de caminhada pelo sertão em busca das esmeraldas, Fernão Dias Paes Leme, com 73 anos, cansado, doente, com a barba completamente branca cobrindo o seu rosto marcado pelas aventuras, a grande recompensa acontece.
Nas encostas das serras chamadas por ele de Martírios, léguas depois do Arraial do Sumidouro, em um dia de forte tempestade, ele, de joelhos, louvando a Deus, descobre uma mina de pedras verdes, brilhantes como faíscas, que refletem sob os violentos raios de trovão.
Comovido, pega uma grande quantidade de esmeraldas nas mãos e brada:
– Olhem a prova de que estávamos certos!
Em seguida, ordena ao seu sobrinho, Francisco Ribeiro, que viaje a São Paulo para dar a notícia:
– Leve algumas pedras para que eles tenham certeza.
De volta ao Arraial do Sumidouro, às margens do rio das Velhas, Fernão Dias sente-se cansado e febril. Pede a Zé Augusto para ficar só. Deitado na relva, permanece absorto por algumas horas. Sentindo o corpo banhado de suor, chama os seus homens, tira as pedras do bolso, mostra a todos e diz:
– Meus filhos, agora já posso morrer!
Em poucos instantes, sem nenhum padre ao seu lado, somente alguns poucos companheiros, Fernão Dias faleceu com a cabeça apoiada no colo de Zé Augusto.
E as chuvas continuam. Na travessia do rio das Velhas, vira a canoa que transportava o corpo embalsamado de Fernão Dias para São Paulo que, apesar de intensa procura, não foi encontrado.
Nesse ínterim, chega ao arraial o comissário das minas de D. Pedro II, o espanhol Rodrigo de Castel Blanco, perito em pedras e metais preciosos.
Acirra-se a disputa pelas jazidas de esmeraldas. Antes de avaliar a mina descoberta por Fernão Dias, o espanhol assume o comando da bandeira e se recusa a entregar à família do bandeirante a parte da fortuna que lhe cabia, deixando a viúva e cinco filhas, além cinco sobrinhas, em profunda miséria, já que todos os bens haviam sido empenhados pelo sucesso da missão.
Borba Gato revolta-se e tenta matar Rodrigo, atirando-o do alto de um penhasco e, por isso, teve de fugir das autoridades portuguesas, levando com ele, sertão afora, o que restou da bandeira de Fernão Dias.
Algum tempo depois, com a melhora do tempo, o corpo de Fernão Dias apareceu, em uma das margens do rio. Trazido a São Paulo, foi sepultado no Mosteiro de São Bento e lá está até hoje, ao lado de sua esposa, no átrio central.
Zé Augusto, depois dos funerais de seu grande amigo, também idoso e cansado de tantas aventuras, decide retornar para a Europa.
Desce para São Vicente e fica à espera de uma caravela portuguesa com destino a Portugal.
Em pouco tempo a nau Sereia parte rumo a Paraty, onde apanharia barras de ouro.
Em março de 1682, ao deixar o porto de Paraty, carregada de ouro para a Corte, além de quinhentas léguas da barra, a Sereia foi atacada por dois corsários franceses.
Após violenta batalha naval, a caravela portuguesa foi posta a pique.
Na luta morreu Zé Augusto, com 74 anos de aventuras.
Faleceu como sempre desejou: lutando com uma arma na mão. Pois esse é o destino do verdadeiro aventureiro.


Roberto Stavale
São Paulo, Março de 2009.-
Direitos Autorais Registrados®


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