Agora sei, não foi um sonho...
Naquela tarde de verão, entorpecida por alucinantes desejos, sai sem destino.
Na avidez de um encontro fortuito, entrei no primeiro ônibus que vi.
Este, estava quase vazio, digo quase porque logo em seguida entrou alguém, um homem de beleza estonteante, um alvo para o qual meus olhos se direcionaram... Era ele!!!
Pude perceber, pela sua expressão, que não ficou indiferente à minha presença, ao contrário, senti que seu corpo vibrava, enfeiticei-o de pronto e de pronto, fui enfeitiçada. Que olhar, que boca, que corpo, isso já era demais, quase não consegui controlar os impulsos de atirar-me em seus braços, de provar do seu sabor.
Sem dar muita demonstração, tratei de lançar-lhe olhares provocantes, sedutores, tentei...
O dia estava claro e o sol que via-me de frente permitia que ele vislumbrasse por entre fino tecido a nudez de um corpo sôfrego em viver uma paixão.
No subir e descer de ladeiras dentro deste ônibus vazio, passageiros ocasionais não eram visíveis aos nossos olhos compenetrados no firme propósito de alcançar determinado objetivo.
Sem importar-me com possíveis espectadores, sutilmente escorreguei minha mão por sobre as pernas bronzeadas pelo sol, e, com igual delicadeza, sem importar-me com o palpitar do coração, dei-lhe a entender que meu vestido encurtara em seu comprimento pelo mero balançar da lotação.
Capitei sob a lente de seus óculos o brilho intenso de um desejo avassalador.
Descemos no mesmo ponto, deixei que ele pensasse ser puro acaso do destino irmos para o mesmo lugar.
Destino que tracei quando o vi adentrando ao ônibus vazio, destino planejado por conta de um corpo másculo, pela calça apertada que visivelmente mostrava seu sexo desejoso de alívio, pelas sensações capitadas pela minha mente também ávida de igual acontecimento.
Sob frondosa árvore de flores brancas que lembravam a paz, entregamo-nos à paixão.
Palavras não foram necessárias diante da cumplicidade que trocavam nossos olhares, nossos corpos, nossas almas.
Flores que caiam eram trazidas pelo vento que cumpliciava o momento, seu aroma misturava com o perfume exalado pelo desejo, pelo encantamento, pelo torpor de sentimentos.
Mas o que era provável não aconteceu... Ao ônibus ainda vazio, retornamos, e entre olhares lânguidos e na lascívia de pensamentos, nos embebedamos.
Depois de refazer o trajeto com o carro quase vazio e ainda entorpecida pelos sentimentos desconcertantes, como autômata desci próximo ao meu esconderijo, caminhei como se estivesse no ar, tamanha a sensação de estranheza que meu corpo experimentava...
Adormeci... Horas mais tarde acordei e imaginei que tudo não passara de um sonho, mas em meu corpo, seu perfume ficou impregnado, não foi sonho, foi real, imoral, mas naquele momento, normal.
Hoje entro em todos os ônibus vazios na espera de encontrar o desconhecido tão conhecido, tão íntimo, tão desejado... Não o encontro, talvez amanhã eu mude meu costume, meu itinerário, entrarei em um ônibus lotado, talvez aí o encontre e consiga entregar o que a ele está guardado.