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Humor-->As Laranjas Que Me Perseguem -- 19/05/2000 - 17:12 (Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Para Joana D arc Possas dos Santos



“Quando a laranja aparece, a dália e a rosa se eclipsam. A laranja
aparenta-se ao lustre de Baudelaire: um objeto circular, luminoso, que acende a imaginação.”


Murilo Mendes


Joana Siqueira era uma manicure respeitada naquela cidade-a Barbacena maviosa, cidade das flores e dos loucos. Era bela e elegante. Não dependia sequer de seu ordenado como manicure; seu pai, Marcos Adonias Filho, era um empresário da indústria de perfumes. Ele nunca negara apupos à filhinha caçula.
Porém um prosaico incidente veio tirar Joana da vidinha pacata que ela vivera até os vinte e três anos. Em sua casa a sobremesa sempre fora farta e variada, naquela noite não era diferente -- mas havia dentro da fruteira algumas laranjas. Joana sempre odiara aquele fruto repulsivo. Após o jantar nada mais comeu: foi ao banheiro escovar os dentes. Horrorizada, encontrou na pia a laranja ameaçadora -- a mãe e o pai de todas as laranjas. Joana dominou seu asco, levou a fruta proletária para a cozinha e, armada de uma faca, despedaçou a criatura horrenda sobre o mármore. Aliviada, trancou-se no quarto e dormiu.
Ao acordar no dia seguinte, sentou-se para o café e saboreou várias frutas -- como por milagre, todas as laranjas da casa haviam desaparecido.” Pedirei a meu pai para nunca mais comprar tais abomináveis vegetais”, pensava ela enquanto saía tranqüila para o trabalho.
Uma vez no salão, Joana abriu a bolsa e foi tirando seus objetos de uso diário: alicate, lixa, laranja...
LARANJA?! Sim, havia uma laranja entre suas coisas! Enojada, Joana cravou as unhas no fruto de seu ódio.Em represália, gotas de sumo lhe arderam nos olhos. Só conseguiu se ver livre daquele tormento pedindo ajuda a uma colega de trabalho, que, sensibilizada pelo horror estampado no rosto de Joana, gentilmente atirou a coisa na rua em frente. Da vidraça do salão assistiu-se à morte gloriosa do cítrico, destruído pelas rodas dos carros. Joana trabalhou às pampas com as madames e depois foi observar o local onde “aquilo” falecera. Havia apenas uma marca de suco dramaticamente esparramada no asfalto. Joana regozijou.
Mas a satisfação assassina não durou muito. Na manhã seguinte ela acordou com uma enorme laranja flutuando sobre a cabeceira de sua cama. Furiosa, atirou contra a esfera enervante o despertador -- que na parede se espatifou. Logo, a laranja estava penetrando a mente de Joana com ondas telepáticas. Boquiaberta, descobriu que as laranjas eram naves extraterrestres infiltradas por todo o planeta. E ela fora escolhida para ser vigiada e punida pela Laranja Guardiã por sua fúria anticítrica. Incrédula ainda, a moça saiu do quarto, tentando ignorar aquela esfera pútrida que agora a perseguiria.
Apavorada diante dessas descobertas,tirou longas férias no emprego e viajou para uma pequena cidade litorânea. Durante toda a viagem o sol lhe pareceu ser aquela maldita disfarçada e a lua uma delatora tentando ocultar-se no branco.
Instalada em um hotel quatro estrelas, caminhava pela praia lendo Freud, tomando Lexotan e tentando relaxar. As laranjas pareciam ter ficado para trás, junto com a paranóia da grande metrópole. De noite Joana jantava frutos do mar e outros petiscos, assistia na TV às novelas e telejornais. Dormia depois da novela das oito, para bem cedo ir à praia tomar Lexotan.
Havia três semanas que estava em férias, já convencida de que estivera com estafa grave --quando acordou com tudo alaranjado ao redor. Ela não conseguia lembrar onde estava, nem se aquilo era sonho ou realidade. Ouviu um silvo bem leve ao seu lado...Olhou e viu...Um estranho ser, uma laranja de olhos de pomba. Tentou fugir, mas estava imobilizada. Sua casca era escamosa como a de uma víbora lenta, Joana não conseguia sair do quarto, estava imóvel...A laranja disse numa voz cavernosa:
“Agora estamos juntas, Joana...Seremos uma só...Vamos nos divertir um pouco antes do fim da Terra...”
Dito isto, a tenebrosa criatura avançou sobre seu corpinho indefeso e fez com que a jovem sentisse seu hálito doce, estranhamente perfumado.
Joana sentiu-se então como Joana D’arc, cercada pelos anglo-borgonheses e capturada em Compiègne. Não adiantaria, então, rezar para São Miguel, não funcionaria nem mesmo erguer um estandarte com a flor de lis. Ao invés de ter de libertar a maior parte da França do domínio inglês e de Filipe O Bom, ela sentia ter de avisar toda a humanidade da verdadeira intenção daquelas frutas macabras. Joana via-se como uma terráquea herética que logo seria tostada por raios laser. E a heroína francesa era quase da idade dela quando morrera -- e pior, ninguém sabe se ela fazia as unhas ou arrancava cutículas -- na fogeira como bruxa em Rouen, sem que Carlos Oitavo e sua corte sequer propusessem resgatá-la aos ingleses.
Mas a Laranja Guardiã não permitiria contestação ao seu domínio: cravou dois dentes curvos e cheios de veneno na carne da moçoila. Joana sentiu-se desfalecer lentamente, ainda pensando na sagração de Carlos Oitavo em Reims e na batalha vindoura de Castillon, onde finalmente a Aquitânia seria tomada pelo rei da frança.
No cair da tarde um funcionário do hotel deparou com a cena: uma pomba pousada na cama de Joana Siqueira devorava avidamente uma laranja. As cascas e o sumo recobriam a cama, as paredes, o criado-mudo. O mesmo funcionário espantou a avezinha e comunicou à gerência do hotel o desaparecimento súbito da hóspede.
Quanto às investigações, bem...O corpo jamais foi encontrado. A polícia acabou convencida de que Joana era na verdade uma agente da CIA que viera infectar com agrotóxicos letais os cítricos brasileiros.Teria, segundo eles,como objetivo principal aumentar o preço do suco de laranjas produzido na Flórida, o qual, apesar das constantes geadas, tufões e levas de refugiados cubanos que chegam à região, é vendido como sendo delicioso e refrescante.

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