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Poesias-->NO ÔNIBUS, RUMO À PRAIA -- 13/10/2010 - 17:00 (Cláudia Brandão Schwab) |
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O céu amanheceu hoje coberto de bruma.
É agosto, mas faz calor como se fosse setembro.
O sol é uma bola vermelha e a atmosfera
não parece da Terra. Parece Marte.
Parece março de um ano passado.
Parece outro mundo, outro tempo, outra vida.
A estrada é reta, é plana, é vazia.
Corta, esta estrada, uma planura infinita:
De um lado, o arroz viçoso e verde musgo.
De outro lado, a pastagem e o gado gordo,
pastando, mugindo e abanando moscas
com o rabo comprido. Parece outro mundo.
As pessoas no ônibus têm cara de sono.
Não vêem o sol vermelho e brumoso.
Não vêem o gado, não vêem o arroz.
Olham para dentro de suas vidas,
olham para a nuca do passageiro da frente.
Não sabem que cruzam um campo de Marte.
Eu olho para fora, através do vidro
que a respiração das pessoas às vezes embaça.
E atravesso a vidraça e mergulho no verde
profundo do arroz. E afundo meus pés
até os joelhos no verde-úmido do solo de Marte
e ergo meus braços ao sol da manhã, irreal e tão rubro.
É tudo tão novo, é um mundo tão outro
que não percebo a parada do ônibus,
não percebo a descida do ônibus,
não percebo a partida do ônibus.
Olho o sol já não tão vermelho, nascendo da bruma,
e o céu amarelo me devolve ilesa à superfície da Terra.
De olho no mar que reluz no horizonte
abro os braços em cruz sob o olhar espantado
da gente que passa. E digo bom dia ao domingo
de agosto com cor de setembro. Bom dia
a Terra com cara de Marte, ao dia presente
que me parece um dia qualquer de um março passado.
Digo bom dia a mim mesma, em voz alta e grave,
sob o olhar espantado da gente que passa.
E respiro bem fundo e sigo o caminho
um pouco sem rumo, inundada de verde profundo,
abençoada de sol vermelho de bruma,
sem saber se é março, setembro ou agosto.
Sem saber se ando na Terra ou em Marte:
sabendo apenas que vivo e que gosto
de lua e de sol, de vento e de água,
de verde e vermelho e de amarelo e de bruma.
E que falo sozinha quando ando na rua
e rio sozinha e abro, sempre que posso, meus braços ao sol.
Basta-me saber que hoje há bruma
e amanhã talvez chova. E que depois de amanhã
o céu pode ser azul por completo. E perceber
que brotou um matinho qualquer em uma fresta da minha janela.
E olhar as pessoas nos olhos e não pela nuca e fazer poemas
sem pé nem cabeça, que talvez jamais sejam lidos.
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