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Contos-->O CRISÂNTEMO E A VELHA LATA -- 26/07/2009 - 23:59 (Jose Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Tem certas coisas que marcam a nossa vida de forma muito profunda e mesmo que o tempo se passe, e a gente envelheça, é como se elas estivessem acontecendo no momento em que estamos nos recordando delas, e num destes momentos, Ana se lembrou de um homenzinho, pequeno como uma criança que ela conheceu quando ainda era apenas uma menininha.

Há muitos anos trás, a casa onde moravam, era na mesma rua onde ficava a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Ela e sua família viviam na parte de baixo da casa e alugavam o piso superior do sobrado onde se hospedavam os pacientes que vinham de todos os lugares do interior para se submeter a tratamentos, que só eram possíveis na capital. A vida deles era muito difícil, ela tinha muitos irmãos e seu pai trabalhava dia e noite sem parar para poder sustentar a família e dar a eles o mínimo possível. Alugar parte de sua casa não foi uma decisão muito fácil, mas sem alternativa, não tiveram outra opção. Assim como a família de Ana, muitas outras na mesma rua faziam o mesmo, e pela qualidade do tratamento oferecido pela Santa Casa, a procura era grande e muitas vezes, não sobravam vagas para atender a todos que procuravam um lugar para ficar por alguns dias, ou mesmo dormir por uma noite.

Certo dia sua mãe estava terminando o jantar quando bateram à porta e ela foi atender. Ana, ainda pequena e curiosa, a seguiu até a porta. Quando Dona Zélia sua mãe a abriu, do lado de fora, havia um homem tão pequeno, que Ana imaginou a princípio que ele fosse algum amigo de seu irmão de nove anos. Contudo, ao olhar melhor, ela viu que ele tinha o rosto enrugado, cabelos grisalhos e sua pele, com varias manchas vermelhas, parecia sofrer de algum tipo de irritação, ou coisa pior. Sua mãe o olhou atentamente e Ana sentiu que ela até estremeceu, afinal o homenzinho não era nada agradável de se ver. Contudo, para surpresa das duas, quando ele disse bom dia a elas, sua voz era doce, suave e muito agradável. Ele estava lá como tantos outros na mesma situação, porque precisava de um lugar para ficar, mas não havia encontrado. Ele falou que talvez fosse por causa de seu rosto, que não era agradável de se ver.

Quem sabe até houvesse vagas, mas as pessoas não se sentiam bem com sua aparência e para se livrar logo do incomodo, diziam que não havia mais lugar. Disse também que os médicos tinham lhe assegurado que com mais alguns meses de tratamento ele ficaria curado. Sua mãe após ouvi-lo falar, para surpresa de Ana, mudou seu comportamento e ela o ouvia com um sorriso simpático e até conversou com ele, descobrindo que era de São Sebastião e seu ônibus só partiria da rodoviária pela manhã no dia seguinte. Ela lhe assegurou que na casa deles realmente não havia vagas, o que era a mais pura verdade, e que sentia muito em não poder ajudar. O homenzinho humildemente baixou a cabeça. Agradeceu a atenção, e então, após um momento de hesitação, ele disse a mãe de Ana que se ela permitisse, ele poderia dormir na varanda da frente e que de forma alguma, iria incomodar.

Sentindo naquele homem uma bondade, uma humildade e honestidade fora do comum, Dona Zélia disse a ele que iria encontrar um colchão ou colchonete para que ele pudesse dormir na varanda, arrumou uma cadeira para ele se sentar e entrou para terminar o jantar. Quando já estava tudo pronto e todos foram se servir, Ana perguntou a sua mãe se ela poderia chamar o “homenzinho” para jantar. Dona Zélia sorriu, deu um beijo em Ana e com um ar aprovador, mandou que ela fosse chamá-lo para se juntar a eles na mesa da sala de estar. Ana correu alegre e ao abrir a porta, disse a ele que sua mãe o estava chamando para jantar com eles e com a mesma voz suave e educada, agradeceu mostrando um saco marrom de papel, dizendo que ele já tinha o suficiente, mas agradecia de coração a bondade de sua mãe.

Depois do jantar, quando todos tinham terminado de ajudar a lavar a louça e guardar todos os itens em seus devidos lugares, Dona Zélia foi até a varanda, pois de alguma forma, ela sentia que precisava dar a ele um pouco mais de atenção. Não demorou muito para que ela descobrisse que aquele pequeno homenzinho, tinha um coração muito maior do que seu próprio corpo. A conversa se estendeu por algum tempo e ele contou que ainda trabalhava porque precisava ajudar sua única filha a sustentar quatro filhos, pois ela era doente também e seu marido a tinha abandonado. A mãe de Ana percebeu claramente, que de fato, em cada sentença que ele pronunciava, ele não estava reclamando de nada, que cada palavra dita por ele, era um prefácio de um agradecimento a Deus pela benção de viver.

Realmente estava a agradecido a Deus pelo fato de que sua doença, o que parecia ser algum tipo de câncer de pele, não lhe causava nenhuma dor e que a cada dia ele encontrava na fé, as forças que precisava para continuar em frente, seguindo seu caminho para cumprir sua missão. Na hora de dormir, Dona Zélia que já tinha por ele uma grande admiração, arranjou um jeito de colocar um colchão no quarto apertado onde Ana e seus irmãos dormiam todos juntos e excitados com a novidade, o arrastaram para lá. Foi uma noite memorável, para ela e seus irmãos. Ele contou várias histórias a eles, e enquanto falava, ninguém sequer piscava um olho. Nelas não havia Bicho Papão, nem Boi da Cara Preta, mas eram povoadas por anjos, fadas e duendes. Foi a noite mais agradável que tiveram em muito tempo. Já era tarde da noite quando todos foram dormir. Quando acordaram pela manhã ao som do despertador, ele já tinha se levantado. Toda a roupa de cama que Dona Zélia tinha colocado no pequeno colchão para ele dormir estava impecavelmente dobrada e ele estava na varanda.

Ele se recusou a tomar o café da manhã e pouco antes de sair para pegar o ônibus que o levaria à sua casa, como se estivesse pedindo à mãe de Ana um grande favor, perguntou se poderia voltar e ficar com eles na próxima vez que viesse à Santa Casa. Acrescentou que ficaria feliz de dormir na varanda até mesmo numa simples cadeira e que não iria incomodá-los de jeito nenhum. Com toda a sua humildade e simplicidade, enquanto Ana segurava a mão de sua mãe no portão onde estavam se despedindo dele, ela viu quando ele olhou para ela e para seus irmãos e sorrindo, disse à Dona Zélia que as crianças o tinham feito sentir-se em casa. Que os adultos e muitas outras crianças sentiam-se incomodados com sua presença por causa de sua aparência, as dela não. Para elas, sua aparência não importava.

Mesmo ainda pequenina, Ana se lembra de ter deixado uma lagrima sentida rolar de seus olhos. Ela se lembra de ter compreendido profundamente o que ele quis dizer. Dona Zélia apertou a mão dele e lhe disse que seria muito bem vindo quando quisesse e ele partiu sorrindo. Com sua pequena figura desaparecendo no final da rua ele ainda acenou. Dona Zélia olhou para Ana, e sorriu docemente. Na sua próxima consulta para o tratamento na Santa Casa ele chegou antes das seis horas da manhã. Como presente, ele trouxe um enorme peixe salgado e uma fieira de caranguejos o que foi a maior festa para as crianças. Trazer aqueles presentes foi uma coisa que ninguém esperava que acontecesse, afinal, quantos e quantos hospedes já haviam ficado em sua casa e nenhum deles sequer agradeceu a hospedagem e o tratamento que davam a todos. Nos anos seguintes, quando ele vinha para passar a noite com Ana e a família, nunca houve uma só vez que ele não trouxesse alguma coisa de presente.

Quando não eram peixes salgados, eram frutos do mar, quando não, eram frutas e vegetais que ele produzia numa pequena horta que cultivava. Algumas vezes, a família recebia via correio pacotes contendo queijos, doces, coisas não perecíveis, que ele mandava sempre com uma cartinha onde agradecia a Deus pela amizade de todos naquela casa, o que tornava os presentes duplamente preciosos para todos, pois sendo muito pobre, deveria estar fazendo grandes sacrifícios para poder posta-los. Dona Zélia, sempre que recebia uma destas lindas lembranças do bom homenzinho, lembrava-se de um comentário desagradável feito por Dona Sofia, a vizinha do lado, quando ele se hospedou na casa deles pela primeira vez. Ela disse em tom reprovador, que Dona Zélia não deveria hospedar gente como aquele horrível homenzinho, pois certamente iria perder muitos hóspedes por causa disto.

Nestes momentos de lembranças, Ana pensava que talvez eles tivessem perdido alguns hospedes por causa dele, mas se aquela vizinha e todos os hóspedes que eles perderam pudessem tê-lo conhecido, quem sabe a dor e o sofrimento de suas vidas teriam sido mais fáceis de se suportar. O tempo se passou, as coisas mudaram, os valores para muitos continuam os mesmos, mas hoje, ela sabe que toda a sua família vai ser eternamente agradecida por tê-lo conhecido, porque com ele, todos aprenderam que temos que aceitar as coisas ruins que nos acontecem na vida sem reclamar e as boas, com eterna gratidão ao nosso criador. Pouco tempo atrás, visitando uma velha amiga que tem verdadeira paixão por plantas e flores, ela a chamou para mostrar sua horta, suas flores e seu jardim. Num canto de uma cerca, havia uma destas latas de leite pó e dentro dela, a mais bela flor de todo o jardim.

Era um Crisântemo cor-de-rosa, absolutamente encantador. Ana pensou, mas não disse à sua amiga, que se aquela flor fosse dela, a teria colocado no mais belo vaso que tivesse em casa e a teria colocado na sala de estar, mas logo depois, sua amiga a fez mudar de opinião. Ela disse que estava sem dinheiro para comprar vasos e sabendo quão bela seria aquela flor, ela pensou que ela não iria se importar em começar naquela velha lata vazia de leite Ninho, pois seria por pouco tempo, somente o suficiente para ela crescer e ganhar forças, para depois ser transplantada no jardim. Sem querer, Ana começou a rir sem parar. Sua amiga contagiada também começou a rir junto com ela e depois de algum tempo, perguntou do que estavam rindo. Foi então que Ana contou a ela a historia do bom homenzinho e que ela estava rindo porque comparou o que tinha acontecido com o Crisântemo plantado na lata de leite Ninho, com a vida que ele levava naquele corpo feio e minúsculo.

Ana disse que imaginou a cena que aconteceu no Céu, no dia em que Deus escolheu a alma que iria colocar naquele corpo tão frágil e pequeno. Que dentre todas as almas, ele escolheu a mais bela, pois tinha certeza de que ela não iria se importar em começar num corpo tão pequeno. Sua amiga ouvindo a historia não pode deixar de ser tomada de uma grande emoção. Ela, uma amante da vida e da natureza, que sabia exatamente do que Ana estava falando, sentiu quando duas lágrimas quentes e sentidas rolaram livremente em seu rosto. Ao vê-la chorar, Ana a abraçou, e juntas, ficaram admirando a beleza e o esplendor daquele belíssimo Crisântemo, que nasceu, cresceu de floriu, naquela simples lata vazia de leite Ninho.

A visita de Ana à sua velha amiga foi ha apenas algumas semanas e o contato dela e sua família com aquele homenzinho tão pequeno e com uma alma e coração tão grandes, foi ha tanto tempo atrás, mas agora, ela imagina que assim como o Crisântemo que estava plantado na lata velha de leite Ninho deve estar enorme e encontrou seu lugar no jardim, quão grande também deve estar, já de volta ao céu, aquela alma linda e especial, que habitava aquele corpo tão pequeno.

Neste exato momento, ela deve estar em meio a tantas outras almas, tão lindas quanto o Crisântemo que nasceu e cresceu numa lata velha, mas com certeza, esta segurando a mão de Deus, nos Jardins do Paraíso.

Julgamos tudo pela aparência, não pelo conteúdo. Esquecemos de que dentro de uma caixinha, aparentemente simples e insignificante, pode estar escondido um diamante de infinito valor.

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