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Cronicas-->Diálogo Interior -- 29/03/2006 - 15:13 (ERIOSVALDO LIMA BARBOSA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Talvez possa ser a melhor coisa que faço em minha vida, já que tenho uma forte tendência a perder as coisas que conquistei: deixar de conquistar. Será que a gente só perde o que tem? Se assim for, daqui para frente não perderei mais nada.
Baterão em minha porta e sairão de mãos vazias, entrarão em meu coração e o acharão batendo sozinho com seus toscos bombos sem ter ninguém para ouvir a melodia da vida que sai de seus tambores.
Olharão para os meus olhos e saberão que eu não moro mais neles, pois o verde que anunciava a minha estada, desbotou-se diante das águas que por eles passou. Meus olhos e a sua cor de vida foram inundados pela correnteza que neles se alojou perpetuamente. Já não consigo ver, só chorar. Isso é um bom sinal. Sinal de que não perderei mais nada a não ser aquilo de que ainda não tenho consciência de que tenho. Mas isso também é efêmero. Logo será incluso na lista daquilo que deixei de ter. Alías, talvez nunca tivera. O que piora mais ainda.
A minha pele já não retém o calor do sol de que precisa para manter-se jovem e saudável. Rebelou-se contra mim, escondeu-se, foi juntar-se a outros para me maltratar. No seu lugar só restou velhos sulcos enrugados e empoeirados que a água ainda não limpou. A velhice veio ao meu encontro e quis em mim fazer morada. Não pude dizer que não, já que meus sinais eram-lhe propícios a estabelecer-se. Tudo é velho. Só uma coisa há de novo: o próximo sofrimento da perda.
A minha voz tornou-se cansada e confusa. Perdeu seu encanto e charme e já não serve para cativar os corações das mulheres. Seus antigos ecos será que ainda se fazem presentes naquele coração que um dia morou? Ou ao menos reconhece este o som dessa voz? Coração novo possui uma vantagem: acumula muitos sons e reconhece ao chamado de todos eles. Mas somente o do amado permanece nele para sempre.
Meus pêlos caíram e já não brilham como antigamente. O dourado tornou-se fugidio, pois não queria a companhia da pele seca e enrugada. Seria perda de tempo, seria estragar-se sem nenhuma recompensa. Foi juntar-se a um corpo de mais proveito. Foi embora e no seu lugar ficou o vazio. Como de costume.
Meus ossos despedaçam-se como vidros atirados na parede. Tornaram-se fracos e sem rumo. Resolveram partir para não morrer. Deixaram-me sozinho. No seu lugar, uma bengala serviu -me de consolo aos movimentos que também já anunciavam retirada. Essa foi a gota fatal. Não tinha mais o que perder e o pouco do que restou não dava nem para viver e nem morrer. Fiquei oscilando entre a morte e a vida; entre o sentido e a falta de sentido; entre o ter e o não ter; entre o ser e o ter; entre uma e outra coisa; entre mim e eu. Fiquei sozinho, assim, exatamente assim. Assombração de mim mesmo.
O "eu" fora despedaçado. Só as lembranças permaneceram alojadas em minha alma sem corpo. Vaguei. A minha alma pedia que, pelo amor que eu tivesse por ela, deixasse-a ir, seguir o ser caminho em outro corpo, novo, sem marcas profundas para ter que lidar. Ameaçado a ficar sem ela, achando que teria misericórdia de mim, deixei-a ir. Foi o meu último erro, pois o desejo dela era de ir mesmo, assim como os outros que de mim desistiram.
Foi-se a minha vida e com ela até as lembranças, pois que importa lembrar sem uma alma para chorar, para sentir, para sorrir? Que valeria uma só lembrança sem a presença dos olhos para ver? Sem a presença da pele para sentir o arrepio daquele beijo ou daquela carícia? Sem a força dos ossos para reforçar o abraço sincero e gratuito? Sem o som da voz que torna vívida as juras de amor feitas durante o passeio de domingo à tarde? Que adianta, pois as lembranças se já não tenho mais a minha alma? Sou um desalmado, mal-amado sem cor, sem pele, sem voz, sem ossos, sem movimento, sem olhos. Sem mim.
Auto lá, nem tudo está perdido! Disse-me um único sopro de vida, aqueles seres que resistem a tudo. Propós-me uma reunião com tudo aquilo que perdera. Cada um veio ao meu encontro para tentar me animar de novo, mas sem nenhuma esperança de que iriam ficar. Vieram só para reunião. Assim começou o olho:
- sabe, acho que você deveria olhar mais para você, se enxergar mais, dá mais atenção a si; olhar para as mil e uma possibilidades de reconstruir a vida, já que é disso que você parece reclamar e ter falta; olhe ao seu redor e veja quanta coisa ainda está por ser feita por você! Veja o seu talento, o quanto é inteligente! Veja! Veja! Veja! Veja o quanto é bonito! Veja quanta mulher interessante e madura você poderia ter! Veja tudo isso! Veja! Veja as maravilhas da vida!
Esse foi o discurso do olho que logo se despediu dizendo que era tudo que podia fazer. Adeus! Em seguida falou a voz:
- você não tem do que reclamar! Estive contigo durante todo esse tempo. Você é teimoso e não quis me escutar. Nunca me escutou. Mesmo assim resolvia a ficar, mesmo indo embora. E você sabia que quando eu ficava era para dizer que estava partindo. Falei muito. Aliás, por tanto falar você acabou não me suportando! Falei o que pude para ajudar, mas..., fui sincera, amiga, fiel, mas...você não tem do que reclamar, tudo isso é problema seu! Eu fiz o que pude. Adeus!
Depois disso, desfaleci completamente. Tudo em mim se desmanchava. Demorei a recobrar os sentidos, mas que sentidos? Fui sacolejado pelos movimentos que me diziam:
- Reaja! Nem tudo é como você vê. Concentre-se no que você pode fazer de diferente, mas para isso, é necessário movimentar-se, agir. Recobre seus movimentos, não se deixe levar pela estática. Você sempre foi dinàmico, expansivo, criativo. A hora é de se deixar levar pelo movimento, ritmo que o momento lhe cobra. Levante a cabeça e comece a andar. Ande, passeie, visite amigos, só não pare. Parar agora é pecar de novo. É negar o que você está passando. Portanto, companheiro, levante-se e ande.
Fiquei me perguntando como isso seria possível se não posso contar com os meus ossos, fracos e estilhaçados. Nesse momento veio a pele e disse-me:
- A força de que você precisa para andar não está em seus ossos, mas dentro de você. Busque isso o mais depressa possível. Não perca tempo! Toda a beleza da pele não está nela mesma, nem no brilho de seus pêlos. Essa beleza está dentro de você. É dela que você tem que ir atrás. É dela que você precisa. É tudo que tenho a dizer.
Todos esses discursos têm uma coisa comum: "estamos com você agora, mas permanecemos separados. Não queremos que você sofra nem mais um pouco. A nossa presença só serve para lhe confundir. Não achamos conveniente que nos veja de novo. Estamos aqui só para dizer que não estamos. Nos preocupamos agora com outra coisas da vida. Queremos dizer que você já teve a sua chance. Nos voltamos agora para aquele que nos quer de verdade e que nos sintamos em harmonia e em paz. A reunião está acabada! Boa sorte!".
Nada mais,
Tristão.



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