Usina de Letras
Usina de Letras
150 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62228 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22536)

Discursos (3238)

Ensaios - (10365)

Erótico (13569)

Frases (50624)

Humor (20031)

Infantil (5434)

Infanto Juvenil (4767)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140803)

Redação (3305)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6190)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->O SEGRÊDO DE DONA VERIDIANA -- 09/08/2009 - 13:00 (Jose Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Já fazia muito tempo que Ana Lúcia não via a velha e boa Dona Veridiana. Raramente se lembrava dela. Ela não tinha “tempo”. Sua vinda para São Paulo de mudança, faculdade, estudos, rapazes, baladas, carreira, negócios, muitas responsabilidades. Tudo mudou, a vida seguiu seu caminho e ela nem se lembrava mais de quando foi a ultima vez que a viu. Na verdade, desde que ingressou na Faculdade São Francisco para fazer o curso de Direito, seu “tempo” era curto, mas a princípio, de vez em quando ela ainda achava um jeito de voltar a Minas Gerais para ver seu velho pai. Contudo, no segundo ano do curso, ela conseguiu uma vaga de estágio em uma sociedade de advogados e ai então, o pouco "tempo" que tinha para respirar se esgotou de uma vez. Ela se dedicava de corpo e alma ao trabalho, mas principalmente aos estudos para realizar seu sonho de se formar e tornar-se uma grande advogada.

Ana Lúcia era muito boa no que fazia, tanto, que os donos da empresa onde estagiava a elogiavam sempre, dizendo que gostariam de ter pelo menos 10% de sua capacidade de raciocínio rápido e objetivo. “Tempo”? Para que ela precisava dele? Afinal, ela estava trabalhando firme, se esforçando ao máximo para garantir seu futuro e alcançar suas metas. Nada poderia detê-la. Nesta labuta, na correria do dia a dia, com as responsabilidades que assumira ao montar seu próprio escritório de advocacia, ficava desde cedo até tarde da noite no trabalho e ainda levava pilhas de processos para analisar em casa. Ela quase não dormia. Sua vida era o trabalho e nada mais. Ao longo dos anos, no ritmo frenético que se tornou sua vida, ela mal via seu velho pai e perdeu totalmente o contato com Dona Veridiana, uma antiga vizinha de seus pais no interior de Minas Gerais, que após a morte de sua mãe, acabou tornando-se a sua segunda mãe neste mundo.

Certo dia, muitos anos depois, ela mal tinha chegado ao escritório quando numa ligação telefônica, seu pai lhe disse que Dona Veridiana havia falecido e que o funeral seria no dia seguinte. Ao ouvir o que seu pai disse, memórias de seu tempo de sua infância e adolescência tornaram-se claras em sua mente. Ela parecia estar vendo um filme sobre quando ela era pequena e ficava aos cuidados da boa e carinhosa Dona Veridiana, enquanto seu pai trabalhava. Do outro lado da linha, sem ouvir resposta ao que ele estava dizendo, o pai de Ana Lúcia perguntou se ela ainda o estava ouvindo. Ela quebrou o silencio que perdurou alguns poucos minutos, pedindo desculpas ao seu velho pai. Disse que o estava ouvindo e na sequencia, disse também que sentia muito pelo que aconteceu. Ela queria dizer a ele que já fazia muito tempo que ela não ouvia falar da pobre velhinha, mas calou-se com um remorso súbito que invadiu seu coração.

Seu pai continuou a falar, contando como tudo aconteceu e quando ele terminou, Ana Lúcia disse que havia pensado que Dona Veridiana tinha morrido há muitos anos atrás. Ao ouvir isto, seu pai lhe disse que ela, muito pelo contrário, nunca a tinha esquecido. Que todas as vezes que se encontravam, a boa velhinha perguntava sobre ela, como estava sua vida, sua saúde, sua carreira e principalmente, seu coração. Disse que Dona Veridiana ficava muito feliz sempre que ao estarem conversando, lembrava de quando Ana Lúcia era pequena. Que especialmente, ela gostava de contar a ele, detalhes de quando ela preferia ficar do outro lado do muro, no quintal da casa dela, onde as duas brincavam muitas vezes o dia todo sem parar. Com o coração sangrando e seus olhos cheios de lágrimas, ela disse ao seu pai:

- Eu amava a velha casa em que ela morava Papai e mais ainda, estar ao lado dela o tempo todo.

- Sabe filha, depois que sua mãe morreu, quando você ainda era muito pequena, Dona Veridiana quis se certificar de que você teria uma figura feminina ao seu lado, já que eu não quis me casar de novo. Ela foi para você uma segunda mãe.

- Ela me ensinou tudo que eu sei sobre cuidar de mim, da casa, do senhor, o que eu fiz até quando eu estava ao seu lado. Até me ensinou a bordar, a fazer tricô, a ser uma pessoa justa, valorizando e lutando para que a justiça fosse feita em qualquer situação. Se não fosse por ela Papai, acho que nunca teria pensado em ser uma advogada. Dona Veridiana passou muito tempo comigo e me ensinou a reconhecer e a valorizar as pequenas grandes coisas da vida.

Numa súbita decisão, Ana Lúcia disse que podia esperá-la, que ela ligaria assim que chegasse ao aeroporto, pois iria ao enterro da boa velhinha. Seu pai por conhecê-la como a palma da mão, duvidou que ela fosse, mas mesmo ocupada o tempo todo com seus clientes, com os processos e os prazos, daquela vez ele se enganou.

Ao desligar o telefone, ela acionou o interfone e disse à sua secretária que tinha um compromisso urgente naquele final de tarde e também no dia seguinte. Ligou pessoalmente para a agência de viagens e conseguiu um vôo para Belo Horizonte no mesmo dia. O funeral de Dona Veridiana foi um evento quase não notado. Havia muito poucas pessoas no velório e também no cemitério. Ela não tinha filhos e quase todos os seus parentes já haviam morrido. Na volta do enterro, Ana Lúcia e seu pai pararam em frente à casa onde morava Dona Veridiana que ficava ao lado da casa onde eles viveram muitos anos, antes de se mudarem para um apartamento. O portão estava aberto, não havia trancas impedindo a passagem e eles entraram. Sentada nos degraus que davam acesso à porta de entrada da velha casa, Ana Lúcia parou por um momento. Ela não sentia e nem via nada que estava ao seu redor.

Era como se ela tivesse atravessado algum portal que a transportou para outra dimensão, além do tempo e do espaço. A casa estava exatamente como ela se lembrava dela. Cada degrau daquela escada guardava em si as recordações de grandes momentos que aconteceram entre as duas. Ela levantou-se em silencio e caminhou até a porta. Por algum motivo a tinham deixado aberta também. Bastou girar a maçaneta para ela se abrir. Ao entrar na enorme sala habitada agora apenas pela mobília e pelos objetos que Dona Veridiana amava e cuidava com todo carinho, ela percebeu que cada quadro, cada móvel, cada copo na cristaleira, estava no mesmo lugar onde ela se lembra de tê-los visto pela última vez.

De repente, ao olhar para o velho aparador encostado numa das paredes, Ana Lúcia parou.

- Que foi filha? Seu pai perguntou.

- O cofrinho de ferro desapareceu! Ela respondeu.

- Que cofre filha? Ele questionou curioso.

- Em cima daquele aparador, havia um pequeno e velho cofre que ela mantinha trancado o tempo todo.

- Quantas e quantas vezes, eu perguntei a ela quando era pequena, sobre o que havia guardado dentro dele e ela sempre me respondia que era a coisa que ela mais valorizava na vida, e por isto, estava guardada no cofrinho trancado com dois pequenos cadeados e as chaves, ela carregava penduradas por um pequeno alfinete, em seu sutiã, bem na altura de seu coração.

- Agora ele se foi pai.

- Tudo nesta casa esta exatamente como eu me lembrava, exceto pela ausência do cofrinho. Quem sabe alguém da família dela, ou algum amigo o tenha levado embora, com medo de que o roubassem, afinal, ela dizia a todos a mesma coisa quando lhe perguntavam o que havia dentro dele.

- Nunca vou saber o que era a coisa que ela mais valorizava na vida.

Triste, de cabeça baixa, Ana Lúcia disse ao seu pai que precisavam ir embora, pois ela tinha que voltar para casa e para seu trabalho no último vôo daquele dia. Passaram-se algumas semanas desde que Dona Veridiana faleceu. Certo dia, ao voltar para casa, retornando de seu trabalho, já tarde da noite, o porteiro lhe entregou um pacote que havia sido entregue pelos correios na tarde daquele dia. Ela ficou surpresa. Não estava esperando nenhuma entrega naqueles dias. De qualquer forma, ela pegou o pacote e nele, não havia nome nem endereço do remetente, apenas seu nome como destinatária. Numa situação normal ela não o teria recebido, poderia ser algum tipo de armadilha feita por algum devedor que se considerava prejudicado por causa de algum processo no qual ela atuou. Tudo era possível numa profissão como a dela, onde a luta do bem contra o mal é uma constante para que a justiça prevaleça. Talvez alguém realmente estivesse querendo se vingar dela de alguma forma, usando aquele pacote como portador do mal, mas estranhamente, ele se sentiu compelida e levá-lo para seu apartamento.

Como estava cansada, com fome e com sono, ela o colocou em cima da mesinha de centro de sua sala, tomou um banho revigorante, colocou um roupão macio e aconchegante, comeu alguma coisa leve e foi dormir. No dia seguinte, bem cedinho, ela levantou-se e antes de mais nada foi até a sala e pegou o pacote em suas mãos. Sem pensar duas vezes ela abriu a embalagem e dentro dela havia um velho cofre de ferro avermelhado, todo enferrujado e trancado com dois pequenos cadeados. Olhando para ele, fisicamente parecia que o cofrinho tinha sido enviado a centenas de anos atrás. Em uma das alças laterais, havia uma etiqueta e numa caligrafia muito difícil de se ler, estava escrito:

Dona Veridiana Muniz

Ana Lúcia estremeceu. Com uma rapidez incrível, ela virou o cofrinho de todos os lados para ver se não havia mais nada pendurado. Emocionada, ela viu que no fundo dele, coladas com uma fita adesiva, estavam as chaves dos pequenos cadeados que impediam que ele fosse aberto. Trêmula, Ana Lúcia destrancou os dois, abriu lentamente a tampa e viu que dentro dele havia um envelope cor de rosa. Ao lado dele, também estava um pequeno porta retrato com uma foto dela quando pequenina. Ela estava sentada no colo de Dona Veridiana usando seu vetido de primeira comunhão. Dentro do delicado envelope, havia uma carta que ela leu enquanto suas mãos tremiam de emoção:

- Depois que eu partir deste mundo, quem encontrar este cofrinho e seu conteúdo, por favor, pela graça de Deus, faça com que ele chegue às mãos de Ana Lúcia Martins, advogada, filha do Sr. Pedro Martins que foi meu vizinho por muitos anos. Dentro dele, além desta carta onde peço este grande favor, esta um pequeno porta retrato, e escrito atrás da foto, a revelação do que foi a coisa mais importante de minha vida.

Com o coração batendo a milhões por segundo, com os olhos cheios de lágrimas, Ana Lúcia pegou o pequeno porta retrato, tirou cuidadosamente a foto e leu o que estava escrito atrás dela.

- Aninha minha eterna menininha, obrigada pelo seu tempo!

- Ele foi a coisa que eu mais valorizei em toda a minha vida!

- Um beijo na testa, como eu sempre lhe dava, quando você me chamava de mamãe e mesmo sem ser minha filha, eu sempre me considerei sua mãe, de todo meu coração!

- Sempre te amei filha e nunca a esqueci. Tenha certeza de que até meus momentos finais neste mundo, quando eu estiver dando meu ultimo suspiro, terei você em meus pensamentos.

- Sua mãe de coração, Veridiana.

Com as lágrimas correndo livremente em sua face, sentindo turbilhão de emoções que nunca havia sentido em toda a sua vida, Ana Lúcia segurou a foto por alguns poucos minutos e então ligou para o seu escritório, cancelando todos os compromissos até o final daquela semana.

- Mas por quê?

Perguntou com voz preocupada, do outro lado da linha, Rose, sua fiel escudeira, secretária, telefonista, recepcionista e mais do que tudo, sua amiga. Uma funcionária que ficava com ela no escritório até altas horas da noite, deixando de lado até mesmo sua família para ajudá-la, mesmo que ela não percebesse isto com a vida louca e corrida que levava em seu dia a dia.

- Depois eu explico Rose. Vou passar no escritório só para pegar minha bolsa e casaco que deixei ontem quando sai.

Quando ela chegou ao escritório, Rose perguntou novamente a ela qual era a razão daquela súbita decisão e Ana Lúcia respondeu com um sorriso calmo e tranqüilo, que sua secretária nunca tinha visto em seu semblante desde que começou a trabalhar com ela, que era porque precisava passar algum tempo com seu velho pai. Ainda sem compreender muito bem o motivo daquela atitude tão inesperada, a secretária a observou enquanto pegava seu casaco e sua bolsa em sua sala para sair. Ao vê-la passar pela recepção em direção à porta de saída, certa de que teria que ficar lá para atender a todos os clientes, que certamente, iriam querer uma boa explicação pela ausência de Ana Lúcia, Rose quase caiu de sua cadeira quando sua empregadora de tantos anos, virou-se para ela, colocou a bolsa em cima do balcão da recepção, e com as duas mãos na cintura, e um sorriso maroto nos lábios, disse algo que ela nunca pensou que iria ouvir:

- Rose, pegue já as suas coisas, vá para casa e curta sua filhota linda, e isto, é uma ordem!

- Nem pense em se atrever a não cumprir, estamos entendidas?

- Ah! Mais uma coisa Rose, obrigada pelo seu tempo!

Às vezes, não percebemos o quanto nosso "tempo" é importante para aqueles que nos cercam. Sejam colegas de trabalho, sejam amigos, parentes ou namorados, sejam maridos, esposas, filhos, netos, pais ou avós, e também, é comum não enxergamos o quanto o "tempo" destas pessoas também é importante para nós.

Muitas vezes, só damos conta disto quando as perdemos por causa de nossa incapacidade de enxergar o mal que pode causar na vida das pessoas a nossa falta de “tempo”, ou quando partem de nossas vidas para sempre, quando se vão deste mundo, para nunca mais voltar, e ai então, já é tarde demais...

Autor: José Araújo
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui