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Artigos-->Eu fui às touradas em Madri.... -- 30/12/2002 - 15:45 (Sergio Marcondes Cesar de Araujo Lopes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Realmente, eu fui. E fui durante a viagem mais agradável e importante de minha vida, minha Lua-de-mel.

Pude, desta feita, constatar de perto, de muito perto, uma das maiores covardias realizadas pelo ser humano contra os animais, uma tourada.

Antes que alguns se ponham a defender a tradição, a cultura e a própria alma espanhola, vamos deixar bem claro que essa conversa de tradição e afins deve-se ater puramente a fatos e eventos que de uma maneira ou de outra se insiram no contexto dos dias de hoje, não por convenção, mas por bom senso. Se tradição tivesse necessariamente que ser mantida, veríamos os descendentes dos astecas sacrificando virgens no México, os nobres europeus casariam suas filhas com seus irmãos, como era praxe em séculos não tão distantes. Não tenho visto noticiários a respeito de japoneses utilizando-se do haraquiri para deixar esse mundo.

Em todo caso, esse é apenas o meu relato sobre o que vi e senti em uma tourada.



A arena em que estive serve para acomodar bem umas 15.000 pessoas, sentadas, e por uma pechincha pode-se alugar umas almofadinhas para sentar-se de maneira mais confortável.

A tourada resume-se a uma serie de seis touros, ou às vezes novilhos (touros bem novinhos, que se fossem gente seriam adolescentes, imberbes, com suas acnes e físicos menos avantajados, ainda em desenvolvimento) que adentram a arena para enfrentar um sem fim de carrascos que, de maneira formatada e ensaiada, torturam e executam o animal.

Antes de mais nada, cabe perguntar o porque do touro. Por que não um leão, um tigre, ou mesmo um pittbull? Talvez por se tratar o touro de um animal com péssima visão, herbívoro, sem mobilidade alguma, sem dentes afiados, sem garras, que não utiliza suas patas para nada a não ser andar, um animal que não salta, mal consegue virar seu pescoço e tem natural índole de “come-e-dorme”. Ah, vocês tem razão, ele tem aqueles chifres pontudos, ameaçadores, terríveis! Mas esses chifres são cuidadosamente limados em suas pontas, a fim de que se evite “acidentes” com os heróicos toureiros.



Pois esse animal, que já vem de fabrica com características bem pouco vantajosas para esse prélio, e submetido inicialmente a uma serie de dribles por parte do toureiro, que desta feita não se aproxima muito do ruminante, sempre ajudado por um séquito de 4 ou 5 toureiros-assistentes que se encarregam de chamar a atenção do touro no caso dele se aproximar demais do toureiro, ou do mesmo parecer pouco à vontade em determinadas situações. Nesse balé, ovacionado com gritos de “Ole”, o toureiro faz uso, sempre, de sua capa rosa-avermelhada, que chama a atenção do touro, que tem dificuldades naturais para enxergar certas matizes, como as da festejada “roupa de luzes”, um traje cheio de lantejoulas douradas fixadas sobre uma roupa bem justa, que, nitidamente, buscam se confundir com a areia e a terra do piso da arena, sempre fazendo o “bichinho” ter em seu primeiro plano de visão a capa do nosso herói.

Após a serie de dribles, entram na arena um cavalo vestido com uma “roupa à prova de chifres” e seu cavaleiro, armado com uma lança pontiaguda. Enquanto o touro investe inutilmente contra o cavalo, que tem seus olhos vendados para não ver o papelão que lhe é imposto, o cavaleiro espeta fria e meticulosamente o dorso do terrível animal. Após alguns poucos minutos e muitas espetadas, a dupla eqüestre se retira e o grupo de toureiros-assistentes passa a se revezar simultaneamente entre distrair o touro e fincar-lhe nas costas alguns espetos coloridos, conhecidos estranhamente por bandeirilhas. Mais alguns minutos e vários espetões depois, já com o animal tingido pelo próprio sangue, entra em cena nova e definitivamente o matador, como é conhecido o sujeito em trajes reluzentes que vem dar fim ao espetáculo. O toureiro depara-se com um animal irado, porem quase exânime e enfraquecido a ponto de vez por outra dobrar as patas frontais, quase como ajoelhando-se e clamando por um golpe de misericórdia. Após uma outra serie de “olés”, desta vez com um nível de proximidade maior entre touro e toureiro, o matador desembainha uma espada com a altivez de quem vai defender a honra de uma donzela “shakespeariana” e parte para, após mirar bem o alvo com a calma de quem tem um animal semimorto a sua frente, enfiar a espada na nuca (se é que touro tem nuca) do touro, talvez esse golpe se de coincidentemente no exato lugar em que o cavaleiro “blindado” havia feito um enorme rombo com sua lança quixotesca. Poucos segundos depois o touro põe alguns litros de sangue boca afora e deita-se para, finalmente, agonizar em paz. Mas qual foi minha surpresa ao ver que a paz do bicho ainda não chegara. Eis que um senhor, com trajes tão exóticos quanto os do matador, surge com uma pequena faca em suas mão e, enquanto o que sobrou do touro treme no chão da arena, ele retira, cirurgicamente, as duas orelhas do quase-finado animal. Aí sim, o bicho morre, como um herege nos tempos da Santa (?) Inquisição espanhola, ele morre só após descobrir que há coisas na vida que podem ser muito piores do que a pura e simples morte.

Pois foi isso o que eu vi, por duas vezes, antes de me retirar e passar o resto do dia pedindo desculpas à minha esposa e tentando apagar da minha memória as cenas dantescas por mim testemunhadas naquela fria tarde da primavera madrilenha. Por que fiquei lá por mais um sacrifício? Para ter a certeza de aquilo era sempre igual, frio, repetitivo e cruel como nada que conheço, ou ouvi falar, no mundo do turismo ou das tradições.



Dizem que a tourada na Espanha, que por sinal trata-se de um pais maravilhoso, é comparável ao nosso futebol. Apenas esquecem-se de dizer que nesse “jogo” o resultado é sempre o mesmo, um boi a menos no mundo, e o numero de toureiros mortos na arena é inferior a um por ano, bem menor do que o numero de lutadores de boxe que morrem após nocautes nos ringues por aí.



E aos que disserem que isso se compara à medonha (na minha opinião) “Farra do Boi”, vale lembrar que a bizarra pratica sulista que por aqui se vê, não pode ser, nem de longe, comparada ao espetáculo espanhol, que ocorre por todo o pais, em cidades de todo porte, 8 meses por ano, todos os finais de semana, alem de cobrar ingresso e pagar gordos caches aos matadores.



Eu fui às touradas e Madri....... E não volto mais.

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