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Contos-->A PERSEGUIÇÃO -- 23/08/2009 - 18:24 (Jose Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Segunda Feira. Noite fria na capital paulista. O expediente no escritório acabou logo depois das 18hs, mas ela teve que ficar até mais tarde. Depois de colocar o serviço em dia, ela desliga seu computador, tranca a sua gaveta, pega sua bolsa e vai para o elevador. Não há quase ninguém na empresa e a portaria esta silenciosa. Só quando passou pela porta giratória e pisou na calçada, foi que ela teve conhecimento do tempo frio e da noite escura que havia lá fora. Um calafrio percorreu sua espinha. Quando começa a caminhar em direção ao semáforo para atravessar a rua, ela ouve passos atrás dela. Ela se sente desconfortável. Tenta desviar sua atenção do barulho, mas não consegue. Ela cruza a rua, mas os passos atrás dela continuam, fazendo crer que realmente esta sendo seguida. Desde que saiu do trabalho, às 21hs, por várias vezes ela tentou livrar-se do som dos passos que a acompanham constantemente, mas foi em vão. Ao passar em frente a uma confeitaria não se contem. Ela entra nela em busca de refúgio. Precisa ganhar tempo. Ela precisa pensar no que fazer.

Talvez um café bem forte possa ajudar a pensar com mais clareza. Quem sabe, ao invés de café, um bom chá de erva cidreira, acompanhado de alguns biscoitos fosse melhor. Preciso me acalmar. Ela pensa. Quase uma hora depois, ao terminar, sentindo-se um pouco mais segura, ela sai para a rua. Mal ela começa a andar pela calçada e os passos novamente se fazem ouvir. Ao passar por uma coluna ela não pensa duas vezes e se encolhe atrás dela. Aproveita a escuridão que reina naquele canto para se esconder. Os passos desaparecem. Sem compreender muito bem como ou porque eles sumiram, ela sai detrás da coluna e atravessa a rua rapidamente. Num ultimo recurso para se ver livre de seu perseguidor ela apressa o passo. Por instantes ela não ouve mais nada, apenas o som das buzinas dos carros, das sirenes de ambulâncias e caminhões de bombeiros que passam numa rua paralela atendendo a alguma ocorrência. Mesmo andando depressa, sem ouvir passos atrás de si ela não pode deixar de sentir-se espionada.

Os passos recomeçam. Nada que ela faça pode distrair seu perseguidor, que por sua vez mais ou menos, mantém distancia, mas sem perder de vista sua vítima. Ela quer olhar para trás para ver quem é, mas teme seus próprios medos. Aquele ou aquela que a persegue, sabe disso e continua a segui-la descaradamente, sem se importar em ser discreto. Se quem a persegue pudesse ter usado sapatos próprios para dançar sapateado, com chapinhas de ferro em suas pontas, ele o faria para poder confirmar mais expressivamente sua presença. Carrasco poderia ser seu nome. Seja quem for não tem pena, não sente medo, nem conhece temores. Afinal ela nem ao menos teve a delicadeza, ou melhor, coragem de mostrar seu valor, voltando-se para ver quem a seguia, conhecendo finalmente seu executor; ela nem ao menos permitiu uma apresentação furtiva. Ela continua sua caminhada pela calçada. Seus medos são maiores do que qualquer coisa. Ela não enxerga mais nada ao seu redor ao não ser seu próprio medo ouvindo os passos atrás dela.

Alguém a persegue, disto ela não tem mais dúvidas. Basta uma silhueta imaginável, uma sombra mais saliente em seu caminho, e ela se afunda ainda mais em seu desespero. Ela vê um cachorro vira-latas procurando comida no lixo, poucos passos à sua frente. O cão a olha como se não a visse. Ao invés de latir ele uiva. Ela estremece. O animal uiva com tanta veemência, que parece ter sido violentamente espancado. Ela sente que ele parece estar uivando para manifestar sua indignação pela sua covardia. Mais à frente, com os passos propositalmente martelando seus ouvidos, ela se esconde atrás da fachada de um prédio na tentativa de despistar seu perseguidor. No momento em que ela se esconde, os passos deixam de ser ouvidos. Com o coração batendo tão violentamente que parece querer sair pela garganta, ela se desespera. Quem a esta perseguindo parou. O ruído surdo de seus sapatos não mais se fez ouvir. Ele deve saber onde me escondi. Disse a si mesma.

Ela decide sair e procurar outro lugar para se proteger. Não poderia pedir ajuda a nenhum estranho porque talvez, qualquer pessoa a quem ela se dirigisse, fosse quem a estava perseguindo. Começa a andar novamente pela calçada, o mesmo som se faz ouvir. O maldito Tic-tac da perseguição. Quanto mais ela apressa seus passos, mais rápido os passos se fazem ouvir. Eles alteram ainda mais seu mecanismo biológico. Esta frio. Ela esta sem blusa mas transpira. O suor escorre pelo rosto, em suas costas. Seu vestido de Cetim esta grudado em seu corpo. Desta vez eu não escapo. Descontrolada, ela pensa. A porta de um bar noturno surge em seu caminho. Ela entra, mal consegue respirar. Senta-se numa mesa e pede uma bebida forte. O garçom sugere Whisky. Ela aceita. Quem sabe um pouco de álcool seja a solução. Uma dose, outra dose ela bebe. Mais relaxada, sentindo sua cabeça girar levemente ela resolve sair de lá. Depois que ela sai, mais de meia hora depois de entrar naquele lugar, como um martírio, os passos parecem estar cambaleando atrás dela.

É como se aquele som infernal estivesse querendo dizer a ela que o dono, ou a dona daqueles sapatos também havia bebido. Ao ouvir seu rastreador, o medo faz com que o álcool que a deixou tonta a faça se sentir ainda mais perseguida. Ele age em seu metabolismo e ela adquire todas as características de uma presa que esta numa caçada desleal. Seus nervos e músculos não mais respondem aos estímulos de seu cérebro como deveriam. Ela começa a trançar as pernas e a tropeçar em seus próprios pés. Suas mãos transpiram. O suor é grudento, viscoso, cúmplice quem sabe, de quem a persegue. Seus lábios tremem e seus pensamentos são escassos. Ela reage. Mais uma vez ela apressa os passos. A rapidez pode ser minha aliada nesta luta. Ela pensa. Meio atordoada ainda pelo efeito do álcool que ingeriu para tentar fugir daquilo que a estava amedrontando, caminhando o mais rápido que pode, tenta de desvencilhar de quem a persegue. Pura ilusão! Muito pelo contrário.

Quanto mais rápido ela anda, mas alto são ouvidos os passos atrás dela. Eles são como uma tortura nos ouvidos da vítima, para que ela perca seu controle e baixe a guarda e ai então o predador pode atacar. Quando o eco da perseguição se torna mais alto do que nunca, ela procura furtivamente algum reflexo de quem a persegue nos vidros das lojas, bancos e casas da avenida. Ela olha para todos os lados, para todos os cantos onde houvesse vidros que pudessem refletir o seu, ou sua perseguidora e seu medo aumenta, porque não consegue ver absolutamente nada. Tudo que ela consegue ver nos vidros mudos e silenciosos é sua própria imagem, e é claro, a da cidade àquelas horas da noite, quase deserta naquela região. Ela não agüenta mais. Prefere morrer a ter que suportar a perseguição de alguém que ela não vê. Qualquer pessoa, homem ou mulher pode ser seu carrasco e executá-la ali mesmo. Talvez não haja testemunhas quando for atacada, mas se houver, certamente ira fingir que não viu nada para não se envolver e será meu fim. Ela pensa.

Decide então atravessar a rua novamente, mas pára para pensar direito e ao parar, os passos atrás dela desaparecem. Tremula, ela acaba por chegar à conclusão de que é mesmo melhor voltar pelo caminho por onde veio. O final da avenida à sua frente parece mais escuro e tenebroso. Ao menos, pelo caminho em que andou para chegar até onde esta, as vitrinas e janelas são maiores, os vidros são limpos e polidos. A cidade onde ela vive e trabalha se reflete mais nítida nelas, assim como pode ser refletido quem a persegue, contudo, ela já não tem mais esperança de escapar de seu perseguidor. Finalmente ela atravessa a rua com o ruído dos passos novamente em seu encalço, e por um momento, pensa em virar-se, mas teme o que vai ver. Os passos estão se aproximando. Ela chora. Vou morrer. Ela pensa. Mas de maneira inexplicável, misteriosamente eles mantém certa distancia. Em meio ao pânico e terror, ela se recorda das janelas e vitrinas das lojas e busca com seus olhos embaçados pelas lágrimas a imagem de seu carrasco.

Mais uma vez se vê caminhando em meio ao som de algo que ela não pode ver. Ela pensa em atravessar de novo. Não há ninguém por perto. Outra vez ela busca com os olhos qualquer pista da localização de quem a esta perseguindo, mas nada vê. Somente ouve os passos surdos que a acompanham por onde for. O rumor da perseguição continua. Cada vez mais desequilibrando seu cérebro, sua mente. O medo aumenta a cada passo. De repente, um rato passa correndo em sua frente. Ele nem sequer parou para olhá-la, entrando no primeiro esgoto que encontrou. Certamente ele estava com pressa para encontrar o caminho para o seu lar, talvez uma favela no lado sujo e pobre da cidade. Se pânico é tanto, que ela não tem mais idéia do que poderia ser seu último recurso para fugir daquele que certamente a iria executar. Subitamente ela para. Decide finalmente enfrentá-lo a qualquer custo. Respira fundo. Parada, ela já não ouve mais os passos que a perseguem.

O medo de tudo e de todos faz com que seu mundo se torne a cada segundo, uma verdadeira escuridão, mais do que uma noite fria e sem luar. Reinicia seus passos lentamente. Volta a ouvir o som do caminhar de quem a persegue. Ela já esta cansada de sofrer aquele martírio. Tudo começou no exato momento em que saiu do escritório em que trabalhava no final do expediente, após ter feito serão. Já era tarde da noite. Muitas pessoas na capital paulista estavam indo e vindo de seus trabalhos. A cidade que nunca dorme e não deixa a população inteira dormir ao mesmo tempo e não dá permissão a ninguém para parar por muito tempo. Se um sai do serviço em algum lugar da cidade, outro esta entrando em outro lugar. Por duas longas horas, ela tem sofrido a perseguição de alguém que não se pode ver. Maior martírio não pode haver para alguém que não pode ver seu executor. Ela se detém ainda insegura. Mas uma vez ela respira. Talvez até para tentar se livrar um pouco de sua covardia, de seus pânicos.

Parada onde está, sem o maldito som daqueles passos a ecoar em sua mente, ela gira lentamente, olhando para os dois lados da avenida. É quase meia noite e o ultimo metro vai passar na estação onde ela o pega todos os dias. Agora, mais próxima da estação, com mais pessoas indo de lá para cá ela se sente mais segura. Passa o bilhete na catraca e desce a escada rolante. Homens e mulheres com caras de cansados e com sono estão aguardando o trem. A composição chega. Ela caminha para entrar nela e ouve os passos atrás dela. Olha para trás, mas há muita gente entrando no vagão e seu carrasco poder ser qualquer um. Um frio lhe percorre a espinha pensando no trecho que ela tem que caminhar da estação onde irá descer, até a portaria do seu prédio. Minutos depois, ainda com o coração descompassado, ela chega ao seu destino, mas ao descer do trem os passos atrás dela recomeçam. Neste momento, ela decide que seja o que Deus quiser.

Sai da catraca, sobe a escada rolante que a leva para a rua e ao chegar lá, para estar na entrada principal de seu condomínio é só atravessar a rua. Ela para na calçada e espera o farol de pedestres se abrir. Apenas uma pessoa caminha em sua direção. Ela não consegue distinguir se é homem ou mulher. A pessoa que se aproxima esta usando uma blusa de moleton preta, com um amplo gorro que cobre sua cabeça. Finalmente, chegou minha hora, ela pensa. Certamente seu perseguidor não a deixaria atravessar a rua e entrar na área de segurança da portaria de seu prédio, onde o porteiro e o segurança da noite estão a postos.

Decidida a terminar com aquele sofrimento de uma vez por todas, o farol se abre e correndo, ela atravessa a rua em direção à sua casa. Sente que vai morrer. Nunca mais vai rever seus pais no interior. Suas pernas bambeiam, seu coração quase para, mas ela segue em disparada rumo ao seu destino e de repente o inevitável acontece:

Sem perceber, ela entra pela portaria do prédio como um furacão, deixando o porteiro e o segurança da noite, atônitos, sem compreender o que estava acontecendo. Ela toma o elevador e chega ao seu apartamento, acompanhada apenas por seus únicos e verdadeiros inimigos, seus medos e suas fobias, criadas por sua própria imaginação.

Ela olha para um quadro que está na parede de sua sala e nele esta escrito:

"Aquele que crê em mim será salvo e alcançará o Reino de Deus."

Lá fora, no universo paulistano, São Paulo continua acordada, ela não pode parar. Muita gente chega, uns ficam outros não. Muita gente se vai, à procura de mais segurança e qualidade de vida. Outros preferem ficar e pagar para ver o que acontece porque amam esta metrópole. Na vida tudo tem um preço. Alguém tem que pagar de alguma forma. Neste momento, em algum lugar da cidade, exatamente como aconteceu com ela, estressado, com a mente e o físico debilitado pelo excesso de trabalho, alguém sai da empresa onde trabalha, houve passos atrás de si, e daí por diante, recomeça uma nova perseguição.

Se vai haver crime ou não, é uma incógnita para todos nós, talvez nada aconteça, mas pode acontecer. Só Deus e São Paulo podem dizer. Afinal, esta cidade nunca descansa e sendo assim, tudo sabe, tudo vê.

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