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Artigos-->Comentários a respeito de Salieri -- 25/04/2001 - 17:50 (Leonardo Almeida Filho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Somos medíocres. Essa é nossa natureza: mediocridade.

É duro ler tal afirmação, principalmente quando provém de outro medíocre. Mas é necessário fazê-la, é fundamental ser espelho: somos medíocres desde a raiz ancestral africana. Lucy, a pós-símia e pré-humana, aquele resto de osso e substância orgânica, já era medíocre e vã em sua savana. Vem de longe o tatear da vulgaridade em nossa espécie, e no entanto eis que cultivamos estátuas de heróis inatingíveis, bustos de geniais compositores, pegadas de fantasmas de películas. Somos mestres em cultuar as exceções.

A cultura nos cobra a genialidade que, por padrão, ocorrência histórica e estatística, não temos, nem teremos. Devemos aceitar essa realidade: somos medíocres, não por necessidade ou opção - que não somos tão estúpidos assim - mas por predisposição genética.

A propósito da ideologia embutida em “Amadeus” (assista a peça, leia o livro e veja o filme), é-me doloroso, porém divertido, dizer que estamos mais para Salieri que para Mozart. Óbvio ululante? Nem tanto, considerando que nos esforçamos sempre em ser Mozart, e nesse esforço vão tentamos matar o Salieri que todos temos. É a nota 10 que se cobra do filho na escola; o primeiro lugar no concurso para violino; o destaque do ano na indústria de velas; o Nobel da paz; o Jabuti de poesia; a cadeira de imortal; o Pulitzer; o Oscar; o pódium; a pole position. Todos os joões-ninguém queremos ser o Airton Sena e o Pablo Picasso que nunca seremos. Isso não nos torna pior ou melhor, pelo contrário, nos iguala a todos, resgata nossa verdadeira natureza: o banal, o vulgar, o trivial. Somos feijão com arroz e assim morreremos todos, sem nunca termos sido caviar. Fatalismo? Nada, meus vermes leitores, apenas pura constatação histórica. Somos todos salieris pomposos, orgulhosos, senhores de porra nenhuma, pajeando a aberração, a mutação, a transcendência inerente ao gênio. Este sim, excrescência, fruto máximo do sarcasmo divino. Brincadeira trágica que os deuses tecem sobre nossas expectativas rasteiras e comezinhas.

Somos nada e nos cobramos tudo. O ser humano vale pelos sentimentos que desperta, provoca, sente. Somos raiva, ciúme, inveja, ódio, mesquinhez. Mesmo quando Mozarts, Bachs ou Camões, somos rasteiros e ofídicos. Somos um pouco Salieri, Otelo, Ahab, a madrasta dos contos de fada, Sísifo, Lafcadio. A exceção sempre são os outros. Os poucos outros. Essa frase tem seu sentido mais profundo para a grande maioria dos bípedes desse planetinha sujo. Sempre em linha reta.

Não estou aqui para questionar a obra de Antonio Salieri, não vem ao caso. Nem falo aqui do Salieri real. Estou comentando a trágica personagem que sucumbe ante o gênio irresponsável e sifilítico da outra grande personagem , Mozart. Esta, o exemplo do que foge à regra. Porque não deixá-la à míngua? Porque não cultuarmos o ze-povim? O jeca? O que realmente nos representa? Porque não? Não há que se tomar partido. Não se trata de uma disputa Brasil e Argentina. O que está em jogo é a supervalorização daquilo que em nossa trajetória pelo cosmo sempre foi e será exceção: o herói, o gênio, o super-homem. E por ser exceção, que tal abandoná-los e passarmos a nos guiar pela regra?

A regra somos nós e nossas dívidas, nossos carnês de prestação, nossas falcatruas rotineiras, nossas vidazinhas ordeiras e pacatas. A regra é o pai bondoso e cristão, cumpridor de suas obrigações para com a igreja, o estado e a família. Essa é nossa regra, sermos medíocres integrais: bíblia embaixo do braço, código do consumidor à cabeceira da cama, o autor mais vendido citado de cor, o compositor mais meloso assobiado no churrasco de domingo. Esse indivíduo somos nós. Vocês acham que somos aquele que escreve obras-primas? Compõe sinfonias? Ganha batalhas gigantescas? Descobre a cura do câncer? Não se iludam, voltem ao seu joguinho de gamão ou à sua coleção de chaveiros, é melhor.

Somos nós que linchamos assaltantes de ônibus, violamos crianças, assistimos novelas e falamos da vizinha que trai o marido. Sim, esse medíocre indivíduo que aposta na loteria, palita os dentes no meio da rua, coça o saco e cospe de lado ao xingar homossexuais e mulheres independentes, somos nós, eu e você. Aquela outra que rói o esmalte carmim e tenciona abortar o feto que carrega, sou eu e é você também. De alguma irônica e trágica maneira, somos a massa sem rosto que transita nas grandes cidades do mundo. Isso sim é nosso destino e nossa cara: uma raça de pequenos homens, com grandes e minúsculos sentimentos que nos fazem marcar a ferro e fogo nossa presença sobre a superfície do planeta.

Grandes são nossos sonhos, isso sim é real. O resto é mídia, purpurina.

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