Lula ontem começou a governar, ao fazer a primeira reunião de trabalho da equipe ministerial. Deu a sua primeira opinião econômica substantiva, indicadora do que pensa: a de que cada um pode contribuir para o combate à inflação e que o governo deveria aumentar menos os preços por ele controlados, ajudando nesse mister. Ora, esse desejo de Lula é absolutamente irrealizável, mas é útil para explicitar o que sustenta o seu raciocínio, o que pretendo fazer nas próximas linhas.
A inflação é um fenômeno monetário e só pode ser contido pela autoridade monetária. Agentes econômicos privados, mesmo os maiores, não têm poder sobre os níveis gerais de preços. A autoridade monetária, por sua vez, depende da execução do orçamento público. Se esse orçamento for persistentemente deficitário, a sua capacidade de financiamento pela dívida pública se esgota e a emissão de moeda acaba por ser um caminho inevitável. Vimos em artigos anteriores que o governo "soltou as rédeas" da emissão de moeda, o que explica parte do surto de elevação de preços visto nos últimos meses.
Outro fator acelerador da inflação, ainda ligado aos gastos públicos, é a desvalorização da taxa de câmbio. Se o governo não consegue segurar seus gastos, a tentação de "administrar" os dispêndios reais pelo câmbio é grande, pois é supostamente indolor do ponto de vista
político. FHC preferiu fazer a maxidesvalorização do real a fazer redução dos gastos públicos nominais. Com isso, gerou uma pressão altista nos preços irresistível, que está na origem dos 25% de IGP-M que coroaram o fim do seu mandato. Um legado maldito, não para Lula, mas para toda a gente. Lula e sua corte estão devidamente protegidos das tempestades da planície onde a economia real acontece. No Planalto, vive-se numa redoma de vidro protetora dos males econômicos.
Conclui-se que a inflação é produto exclusivo da ação do Estado. Os indivíduos e as empresas são obrigados a agir dentro da ordem econômica que emerge da desordem dos gastos públicos, vale dizer, da expansão monetária e da desvalorização cambial feitas para viabilizar a execução agigantada e desproporcional da despesa pública. Mais das vezes aumentam-se os preços e ainda assim as empresas amargam prejuízos.
Lula, no entanto, não sabe nada isso. Para ele, preços sobem porque são fixados arbitrariamente pelos agentes econômicos gananciosos - particulares ou públicos - que de forma caprichosa supostamente fabricam a depreciação da moeda. É uma ignorância perigosa sobre a realidade econômica, pois pode levar o governante a tomar medidas contrárias aos interesses gerais, que mais das vezes agravam o problema, ao invés de atenuá-lo. A tentação de controlar os preços é a primeira, que está implícita na sua fala. Se tentar fazer isso, vai quebrar as concessionárias de serviços públicos e vai desorganizar a oferta desses serviços, além de provocar uma onda de ações reparadoras da ingerência estatal na Justiça.
A outra tentação é criar um sistema de subsídios, segurando artificialmente alguns preços. Com isso, mais um gasto público seria criado, pressionando a emissão de moeda que, por sua vez,
pressionaria a inflação. Não é por esse caminho também que se contornará o problema inflacionário.
Tentar perseguir os empresários, como se fez recentemente com o setor farmacêutico, também não é aconselhável. No limite, haverá desinvestimento e desabastecimento, o que significa um empobrecimento do País. Não é por aí.
Lula não sabe, mas o único caminho para segurar os preços - incluindo a taxa de câmbio - é pela redução do Estado. É necessário cortar despesas para valer, eliminando os abomináveis privilégios que grupos encastelados no poder (e defendidos pelo PT) usufruem, contra o interesse geral da população. Lula também não sabe que o único programa social digno desse nome é a redução dos impostos e dos gastos públicos, reduzindo o parasitismo social. Mas quem prega projetos surrealistas como "Fome Zero" quer mesmo é gastar, não quer se lembrar da racionalidade cultivada nos manuais de economia.
O que está na cabeça de Lula é o paraíso dos tolos, cujo acesso é feito pela emissão de moeda e pela instituição de subsídios. Isso não dura, é suicídio econômico. O problema é que a crise já está instalada e os graus de liberdade do governo para cometer erros são pequenos. Qualquer erro pode levar ao estouro da boiada, isto é, ao caos econômico e político. Isso, Lula também não sabe. A sua ignorância é, com certeza, a sua maior inimiga. O paraíso dos tolos é o inferno.