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Contos-->Uma Gota D’água no Oceano -- 29/09/2009 - 15:56 (Maria de Lurdes Mattos Dantas Barbosa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Cristina caminhava vagarosamente pelo saguão do hotel. Era tarde da noite, as pessoas que transitavam por ali, olhavam para ela com insistência, como a perguntarem: o que faz essa mulher de aspecto tão simples em um lugar luxuoso como esse? Olhou para si mesma e constatou que as suas roupas eram inadequadas para a ocasião.
Mulher nascida e criada em cidade do interior, acostumada a se vestir com simplicidade, não imaginava que seu marido a hospedaria em um hotel caro e bonito como aquele. Estava no Rio de Janeiro! Um sonho certamente realizado, mas nem todo sonho acaba bem... Pensava.
Cristina era jovem ainda, e com muito vigor aos 40 anos de idade, vividos de forma intensa em sua pequena cidade de Sumaré, no Recôncavo baiano. Inquieta e ansiosa para rever o marido resolveu recostar-se na poltrona e esquecer por momentos as pessoas em volta. Fechou os olhos e relembrou a sua infância e adolescência, enquanto esperava o retorno do seu amor. Estavam separados há um ano desde que ele fora contratado por uma empresa multinacional para trabalhar na área da construção civil. Felipe viajou pelo exterior para se aperfeiçoar e se qualificar para o novo trabalho. Só se viam e se falavam por celular e internet.
Felipe havia terminado os cursos e estava de volta ao Brasil, onde começaria a ocupar importante cargo. Era chegado o momento do tão esperado reencontro! Ele havia providenciou tudo, a passagem de Salvador para o Rio, o hotel e muitos presentes espalhados pela cama. Roupas, perfumes, flores... E um bilhete “Volto logo, te amo”. Suspirou profundamente e de olhos fechados passou a relembrar fatos marcantes em sua vida.
Nasceu de parto prematuro, seus pais travaram uma verdadeira batalha para que pudesse sobreviver em uma época em que só existia um médico na cidade e nenhuma UTI neonatal para prestar-lhe assistência. Seus pais contaram com a prestimosa ajuda de dona Clotilde, uma velha parteira que com seus conhecimentos milenares ajudou na superação das suas dificuldades respiratórias. A sua infância foi tranqüila e bela. Andou descalça pelos caminhos de terra batida, tomou muito banho de cachoeira, colheu flores no campo, brincou de bonecas de pano e comeu frutas colhidas no quintal de casa. Parece estranho lembrar-se dessas coisas agora, de um tempo longínquo sentada em uma poltrona de um saguão de hotel.
Felipe havia mandado um motorista apanhá-la no aeroporto e nada mais tinha a fazer senão esperar, portanto... Resolveu continuar o devaneio, como uma espécie de fuga do presente, afinal o passado era mais seguro... Sentiu por segundos o calor do colo dos pais, aconchegante e macio após um dia de brincadeiras e travessuras. Saudades...
Aos quinze anos conheceu um garoto na escola, filho do mais rico comerciante de tecidos da região. Matheus, seu colega de turma, colega de classe. O amor foi surgindo aos poucos no seu jovem coração de menina moça. Amor plenamente correspondido na pracinha, na escola, atrás da igreja, nos bailes. Saudades dos bilhetes colocados às pressas dentro do livro de leitura, dos olhares melosos, afagos e beijos tímidos. Perdida nas lembranças quase não viu o tempo passar, olhou rapidamente para o relógio, vinte e três horas! E nada do Felipe chegar. Havia jantado sozinha e ainda permanecia assim, sem entender o porquê da demora. Afinal foi ele próprio quem marcou a data do reencontro em grande estilo. Talvez homens importantes não costumem ser pontuais, será? Indagou consigo mesma. E aconchegada na poltrona, continuou o devaneio.
Matheus ao completar 18 anos, partiu para Salvador para continuar os estudos. O grande amor vivido com intensidade na cidadezinha de Sumaré foi ficando para trás conforme o tempo ia passando. No início, lembrava Cristina, as cartas dele eram freqüentes com jura de amor eterno e planos de uma vida a dois tão logo terminasse os estudos e arrumasse um bom emprego. Contudo, a vida agitada da cidade grande, a faculdade, os amigos, as mulheres... Foram cativando Matheus que não viu alternativa senão deixar esfriar o relacionamento e por fim, terminá-lo por telefone!
Foram meses de choro e desilusão para Cristina. E, por causa disso, acreditava que nunca mais iria amar novamente. Entregou-se de corpo e alma ao trabalho e à política. Como professora, exerceu com afinco sua profissão e como vereadora, agora no segundo mandato, dedicava-se plenamente a vida de pessoa pública. Felipe apareceu em sua vida durante a campanha política para o seu segundo mandato. Era um dos coordenadores de campanha do Prefeito atual, Dr. Ricardo, seu correligionário. Foi atração a primeira vista e não demorou muito para juntos desenvolverem projetos importantes para o município. O casamento foi inevitável e Felipe, logo após, assumiu o posto de Secretário de Obras Públicas, além de acumular outros serviços. Tudo ia muito bem, até o marido receber um convite do deputado mais bem votado da região, para trabalhar em uma empresa multinacional na cidade do Rio de janeiro, a qual era o deputado um dos acionistas.
Felipe não hesitou, viu aí a chance de mudar de vida e crescer profissionalmente. Era destemido e ambicioso. Mas precisava fazer estágios fora do Brasil pelo período de um ano. Seria o “homem de confiança do parlamentar” dentro da empresa. O salário era alto e Felipe tinha planos de juntar capital para montar sua própria construtora num futuro a longo prazo. Cristina o achava bastante competente e engenhoso. Confiava nele e em seus planos e não hesitou em aceitar ficar em Sumaré, cuidando da política para ver o marido crescer profissionalmente. Respirou fundo ao rememorar as noites mal dormidas dos dois amantes, tantas e tantas vezes, agarradinhos na cama com o computador ao colo, fazendo e refazendo tabelas, planilhas, relatórios entre um beijo e outro, entre um chamego e outro...
Agora estava ela ali, em um grande hotel do Rio de Janeiro, sozinha a espera do seu amor que tardava a chegar. Levantou-se e foi ao toalete. Aproveitou para refazer a maquiagem, ajeitar os cabelos sedosos e voltar ao saguão onde se deparou com um homem vestido de chofer com uma caixa e envelope nas mãos.
-Senhora Cristina?
Sim, sou eu, pois não?
O seu esposo, o Sr. Felipe mandou buscá-la, vamos?
Cristina ficou meio atordoada, pediu licença ao homem e subiu para o quarto. As lágrimas teimaram em rolar manchando a maquiagem refeita momento atrás. No envelope havia um bilhete; “querida vista um dos vestidos que lhe presenteei e use esse colar para enfeitar o colo mais lindo que já conheci”. Espero-te.
Cristina não sabia o que estava acontecendo, mas sabia que algo não estava correndo bem. Apressou-se em se arrumar e desceu. -Para onde iremos senhor? O motorista não respondeu e gentilmente a acompanhou até o carro. A noite quente e caliente do Rio de Janeiro inebriavam a alma. Como essa cidade é linda meu Deus! Suspirava. Pensou na sua pequenina cidade, sentiu saudades e imaginou a vida naquela cidade grande. Deveria ser uma mistura de luz, calor, glamour, criminalidade, mansões, favelas... O carro deslizava pelo asfalto, a ansiedade e um medo súbito foram tomando conta de seu corpo. O coração batia rápido, afinal para que todo aquele jogo, aquele mistério? Tudo poderia ser tão simples!
Não percebeu o carro entrar em uma propriedade e parar em frente a uma mansão iluminada. O chofer abriu a porta e mostrou-lhe a entrada da casa. Sem saber direito como proceder se encaminhou para a porta que se abriu automaticamente à sua passagem. A sua espera estava uma senhora elegantemente vestida que a conduziu ao andar superior da casa e se apresentou como a anfitriã da festa. Solicitou que ela aguardasse ali naquele compartimento e tão logo Felipe se livrasse de uma conversa de negócios, viria recepcioná-la. Mais mistérios! Suspirava Cristina a essa altura tremendo de pavor do que estava pressentindo.
Levantou-se e resolveu explorar o ambiente, quando de repente ouviu vozes ecoando por todo o aposento vindo de dentro de um quarto ao lado de um corredor.
- Felipe, você não está em condições de sair agora, quer que ela veja você assim, drogado e bêbado? Não deveria ter mandado trazê-la para cá, isso será um problema para todos nós.
- O que você quer que eu faça? Ela é a minha mulher e me esperou por um ano sem se queixar, devo-lhe uma explicação.
- E eu sou a sua AMANTE, se esqueceu? E lhe acompanhei por todos os lugares durante todo esse tempo! Quer ir? Então vá e deixe a caipirazinha ver você nesse estado deplorável.
Cristina desceu as escadas correndo, as lágrimas abundantemente escorrendo pelo seu rosto gélido e lívido. Mais uma decepção amorosa meu Deus! Até quando agüentaria? Ao chegar à porta de saída, a anfitriã a estava esperando e a conduziu ao taxi que também a esperava. Tudo programado, perfeitamente programado para que o final fosse assim surpreendente. Imaginou ela.
Antes de partir para a sua vidinha costumeira, deixou em cima da cama, os vestidos de grife, perfumes, o colar de ouro e um bilhete: “A minha cidadezinha, assim como eu,somos uma pequena gota d’água no oceano, uma pequena gota, límpida, transparente, que certamente não envergonhará o todo”.
Adeus, não me procure mais.


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