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Contos-->O louco da vila -- 20/04/2001 - 22:48 (Paulo K) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Louco da vila
(Paulo K)

Há quanto tempo estava sentado naquela cadeira desconfortável na diminuta varanda da pensão? Há dias o tédio tomara conta de mim. O tempo se escoava lentamente, parecia muito mais lento ainda naquele lugar miserável, nada, nada a fazer senão esperar... esperar ainda mais três longos dias... e três longas noites de insônia. O calor sufocante do lugar me maltratava sobremaneira, aliado ao silêncio daquela vila fantasma em que me via enterrado. Sim, enterrado, era a expressão mais adequada a definir minha situação ali. Isso se prolongava há cerca de dois meses, dois longos meses a supervisionar a construção da torre de televisão no morro próximo.
Findo o trabalho, disseram-me para esperar, daí a três dias mandariam um carro para me levar de volta à civilização.
De volta para o quarto, deito-me com a cabeça no travesseiro apoiado na cabeceira da cama. Faço bolinhas de papel, tento acertá-las no cesto de lixo, erro muitas acerto algumas. Um longo suspiro sái de dentro de meu peito, levanto-me, caminho até a janela, observo mais uma vez, das centenas de que já fiz, a horta abandonada nos fundos da pensão. Um quê de ansiedade me domina. A longa permanência naquela vila isolada pouco a pouco instalara em mim uma espécie de desespero, meu raciocínio achava-se debilitado, percebia claramente que já não conseguia pensar direito. Os dias sempre iguais, de um silêncio insuportável, as noites maldormidas no colchão duro da pensão suja, o único lugar da vila a receber estranhos que raramente por lá passavam.
Fora as poucas horas de trabalho na torre, meu tempo era dedicado ao ócio, a sentar-me naquela varanda a olhar para o nada. As poucas casas do lugar, em ruínas, as únicas três ruas todas de terra, nenhuma diversão, nada para ler a não ser os textos técnicos de que há muito me cansara. Deixava-me ficar ali, entregue à solidão, e isso me exasperava.
Deitava-me cedo todas as noites, na esperança de que o sono logo chegasse e com ele vinham sonhos indesejáveis, talvez atraídos pelo meu estado de desânimo dos muitos dias de solidão. Sonhos que me perseguiam e se tornavam mais inquisidores desde quando me instalara naquela vila.
- Vamos, deixa de ser covarde, se nós não estamos com medo, por que você quer voltar?
- É que podem pegar a gente, e daí o papai me bate... ele não que que eu sáia mais com vocês, vocês são grandes e eu pequeno...
- Deixa de ser maricas, isso é o que você é... fica aí então, seu tonto...
- Não!... me esperem!... vou com vocês...
- Corre, corre todo mundo... o homem viu a gente!
- Me esperem, me ajudem, por favor...
- De novo, hein, moleque? Agora vou te levar pro seu pai." Mãos fortes me seguravam, debalde tentava escapar.
Meus sonhos tinham sempre essa tônica, sempre esse ar de pesadelo, de situações em que eu sempre era pego, sempre o culpado de tudo. Os outros eram maiores, eu o mais novo e fraco. Em casa, o castigo.
Acordava sobressaltado, o suor a empapar minha blusa, o coração disparado. Nos últimos dias, em que já quase não tinha o que fazer, minhas noites eram nvarialvelmente enfadonhas, quase chegando à beira da loucura, tamanho o tédio e a confusão mental que de mim se apoderava aos poucos.
Naquele miserável lugar, costumava frequentar a farmácia, onde o dono era talvez a única pessoa letrada da região. Porém aos poucos ele também passou a me cansar com sua irritante simplicidade e conformismo.
- O senhor deveria ficar mais um pouco e esperar que venham buscá-lo - aconselhou-me quando foi me despedir dele - ir sozinho por aí é perigoso. O louco está solto e atacando... atacou dois esta semana, e olhe que ele não pestaneja, não se importando se é mulher ou homem.
- Obrigado! - respondi. Mesmo assim decidira sair dali o quanto antes.
Tinha resolvido não esperar, queria deixar o lugar naquela hora mesmo, alguma coisa que não sabia explicar direito me impelia a isso. Talvez acostumado a cidades grandes, movimentadas, talvez fosse essa a explicação para o insuportável tédio que de mim se apossara lentamente e naquele dia explodira. A passos compassados, firmes, iniciei meu percurso rumo à estrada principal. A valise com minhas roupas era o único peso a transportar. Rápido desapareciam da minha vista as casas pobres do lugar. Caminhava pela estradinha deserta, estreita, mato por todos os lados. Silêncio de gente... apenas um ou outro piar de pássaros rompiam a calmaria da tarde. Algum som mais diferente e alto dos bichos do mato todavia me assustava.
Percebi que o medo pouco a pouco se apossava de mim. Não estava acostumado àquele ambiente, nem da estrada nem da vila. Tentei me acalmar, sem sucesso. Parecia que algo novo e terrível se instalava lentamente em mim.
Minha imaginação voava, superava seus limites, me empurrando pro lado negativo, nada de bom conseguia pensar. Sentia-me sobressaltado, os sentidos aguçados, atentos a qualquer acontecimento fortuito ou mesmo simples barulho diferente. Andava e andava, pensamentos confusos na mente, medo estampado na face, sensação de ter escolhido a alternativa errada, achava mais e mais que devia ter ouvido o meu amigo da farmácia.
Mas, qual! Absorto em meus pensamentos, consultei o relógio de pulso e notei que tinha andado por uma hora e isso equivalia mais ou menos à metade do percurso. Se resolvesse voltar nada me poderia animar para isso, dado que teria que caminhar o mesmo tanto, quer fosse pra estrada principal quer voltasse à vila. A volta seria pior, pois a ela seria acrescentada a sensação de derrota, de ter sido dominado pelo medo. E teria que aguentar por mais uns dias aquele lugar morto. Sim, a vila parecia um cemitério. A pensão em ruínas, o quarto com mofo nas paredes, o colchão esburacado de palha. Era o que justificava minha decisão. Sentia-me sufocar naquele ambiente.
Afinal, pensava, podia ser exagero da gente da vila essa estória do louco. Não o tinham pegado, não é mesmo? Acreditavam nele apenas por dois relatos, um de uma mulher que morava sozinha, outro de um menino. A mulher poderia ter exagerado. Já que era só e quase velha podia muito bem ter aumentado o suposto ocorrido com ela. Talvez necessitada de dizer pros outros que, se tinha sido atacada por um homem, era porque ainda conservava seus atrativos femininos. De mais a mais, não soube explicar com exatidão o ocorrido, talvez inventasse a sombra da noite pra não ter que detalhar sem se contradizer. O menino, por sua vez, tinha sido ainda menos elucidativo em seu relato. Confuso nas palavras, embaralhava as coisas e nele não se podia botar fé.
Plec! Um quebrar de galho seco vindo de perto sacudia-me de meus pensamentos, e o susto, aliado ao medo crescente e às circunstâncias do momento faziam-me novamente presa daqueles pensamentos funestos que me esforçava por afastar. Achava agora que não mais estava só. Agucei os ouvidos pra ver se tinha mais alguém ou alguma coisa me acompanhando, me seguindo. Mas nada, tudo calmo outra vez. O silêncio da hora, o mato beirando a estradinha, tudo isso contribuía com que eu não me recobrasse. Sentia o medo aumentado, pavor isso sim! a fragilidade em que me encontrava parecia mais exposta. Em vão tentava me animar, a ansiedade por chegar ao destino tinha-me invadido, tomava conta de mim. Percebi que suava. Mesmo tentando negar, não pude me convencer de que era suor devido ao calor daquela tarde, e sim deveria ser creditado ao medo, à minha angústia.
- Por que me meti nessa? - Por que não fiquei na vila? Poderia neste exato momento estar sentado na varanda da pensão e até bebericando alguma coisa, sossegado. Mas não! um não sei o que fizera com que me decidisse por não mais esperar.
Tentei me lembrar de coisas engraçadas, uma piada talvez, pra me ajudar a passar o tempo, faltava afinal apenas menos de uma hora pra chegar ao ponto do ônibus, lá na estrada principal. Confesso que cheguei a rezar baixinho, eu que sempre me ria das orações. Busquei recordações da juventude, algum fato agradável ou um outro em que me tivesse mostrado corajoso, mas não consegui.
- Ere! - foi o que chegou aos meus ouvidos, vindo alto do lado direito da mata e fazendo-me gelar o sangue. Com sobressalto olhei rápido pro lado da voz e vi!... vi um homem esquisito, com roupas berrantes fora de moda, conjunto em completo desalinho, como que me seguindo o tempo todo através do mato beirinho. Percebi que sorria largo, a atenção totalmente voltada para o meu lado. Não era um simples sorriso aquilo, parecia mais um riso contido, olhos esbugalhados fixos em mim. O que mais me metia medo era aquele sorriso ou riso, enigmático.
Seria o tal louco? Meu estado de espírito me dizia que sim, e o arrependimento por eu mesmo ter forçado aquele encontro me inundava. Mas, não sei explicar porque, uma coragem decidida aflorou em meu ser.
Disse - Oba! - a ele, sem diminuir minha marcha.
- Vai pro ponto? - perguntou com voz esquisita e se aproximando. Notei que a saliva escorria um pouco pelos cantos de sua boca.
- Vou! - respondi resoluto, tentando mostrar coragem -, o senhor também?
Para aumentar mais ainda minha angústia ele não respondeu. Limitou-se a me acompanhar na caminhada, ora se distanciando ora se aproximando mais até quase me tocar, sempre aquele sorriso estranho no rosto. Andava sempre atrás de mim, meio de lado, nunca à minha frente. Seus pés por vezes quase atropelavam meu calcanhar. Meu físico franzino e meu ar pacífico contribuíam para sua ascenção sobre mim.
Eu sentia crítica a minha situação. Não podia voltar, tinha medo de continuar. Mais aflito ainda com o comportamento daquele sujeito, de cabelos maltratados, barba por fazer, olhos esbugalhados, roupas extravagantes. Resolvi não prestar atenção a ele, concentrar-me todo em mim mesmo, talvez pudesse me sentir melhor. Achei por bem não apertar o passo, isso poderia parecer a ele um sinal de denúncia de meu apavoramento. Tentei parecer o mais natural possível.
Pra piorar as coisas ele principiara a cantarolar, cantava alguma coisa que eu não conseguia distinguir mas tinha a certeza de que era dirigida a mim. Seu tom de voz enquanto cantava alternava-se desde sussuros a até cantar em voz alta. Não sei se o fazia de propósito para me atingir mais ainda. E se ele estivesse armado?
- Papai, me ajuda - implorava eu em vão.
- Quem mandou subir aí? Desça sozinho, seja corajoso - é o que recebo em resposta - respondeu-me ele dando-me as costas e voltando sozinho para casa.
Abandonado, permaneci até à noite agarrado no galho da árvore. Era muito alto e eu não conseguia descer sozinho. Somente à noite meu pai ordenara ao meu irmão mais velho que me buscasse.
- Sempre covarde, hein? - não me poupou, indiferente ao fato de eu ter passado horas encarapintado no alto da árvore. Seu passo ligeiro me obrigava a correr para acompanhá-lo.
Naquela estrada, acompanhado do desconhecido, não sei porque este incidente de minha infância apareceu em meu pensamento. Um de muitos semelhantes.
Minha angústia estava no limite. Sentia seu respirar forte, tinha se postado bem perto, quase se encostando em mim. O que estaria pensando? Quais era suas intenções? Por mais que me esforçasse não obtinha as respostas.
Prosseguimos assim, em silêncio pela estradinha, lado a lado. Nunca em minha vida tinha me deparado com uma situação daquela. Pensamentos mil apareciam em minha mente, uns se sucedendo aos outros, numa total desordem. A estradinha se mostrava mais e mais comprida, eu já achava que nunca que chegava a estrada principal. Parecia que o tempo tinha parado. Curioso como o tempo parece estacionar em momentos de pânico. A vegetação em volta parecia nitidamente colaborar para que o quadro se fizesse mais funesto para mim. As árvores debruçadas por sobre a estradinha como que zombavam da minha situação; sim, pareciam se dirigir a mim rindo-se.
- O ponto! - me esforcei para não dizer em voz alta. Eis que finalmente aparecera. E, oh ventura! tinha gente lá, esperando o ônibus. Um calafrio percorreu meu corpo da cabeça aos pés, trazendo uma sensação agradável. Estava salvo! Uma alegria intensa se apossava de mim. Senti, como nunca o sentira antes, a importância de ver outras pessoas. Tive vontade de correr até aqueles desconhecidos que lá estavam, abraçá-los, beijá-los, dizer a eles o quão eram importantes pra mim naquele momento.
Me contive. Todo o meu pensamento se voltava praquele homem e as duas mulheres que o acompanhavam. - Devem ser uma família - pensei -, sim, eram o pai, a mãe e a filha. Moravam certamente próximo dali e esperavam o ônibus.
Tão absorto estava nos meus salvadores, que me esqueci por momentos do meu acompanhante. Quando me dei por isso, olhei pros lados e para trás. Tinha-se mantido a uma distância razoável do ponto, achei que a presença de mais pessoas o havia intimidado. Me acercando mais daquela gente, disse um vigoroso boa tarde! Fui recebido com a habitual cortezia da gente simples que eram.
- Falta muito pro ônibus chegar? - perguntei.
- Já já chega! - respondeu com ar amável o homem.
Sentei-me sobre uma pedra, bem perto deles, como que procurando sua proteção, os pensamentos agora mais ordenados.
Minutos após, entramos no ônibus pra cidade.
De longe voltei o olhar pro ponto, tentei ver o homem estranho por ali, mas nada! Desaparecera. Meu pesadelo tinha findado. Quem seria ele?
Seria o louco da vila?
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